Busque a felicidade acima de tudo?
Todo mundo quer jogar a responsabilidade nos seus ombros, pregando que ser feliz é uma conquista que só depende de você. Alguns até tentam ensinar um passo a passo infalível. Mas, segundo pesquisas recentes, é mais fácil alcançar a tal felicidade desencanando de buscá-la...
A receita para tudo é ser feliz: para deixar de ficar tão doente, para o trabalho render, para ter sucesso nos relacionamentos. Estudos já mostraram que pessoas felizes são menos vulneráveis a gripes, têm mais chance de se formar na faculdade, de manter o emprego – e até de conseguir uma recolocação mais rápida em caso de demissão. Por isso, se tem uma coisa que você precisa tratar de garantir na vida, acima de qualquer outra, é ser feliz, certo? Errado.
A busca da felicidade é natural ao ser humano e pode ser o principal motor que nos move – e, mais precisamente, um dos nossos grandes diferenciais evolutivos. É assunto para mais de dois mil anos de filosofia, pano para manga em estudos nas searas da psicologia às ciências sociais e, mais recentemente, de descobertas da neurociência. Mas a felicidade é também o centro de um paradoxo: ao que tudo indica, é mais feliz quem não se preocupa tanto em perseguir a dita-cuja.
Foi constatado, por exemplo, em um estudo recente da pesquisadora Iris Mauss, do Departamento de Psicologia da Universidade de Denver, que ter como foco a felicidade pode trazer o efeito oposto: aumentar a frustração e o descontentamento com a vida. Ela monitorou um grupo de voluntários que tinham de ler um falso artigo de jornal e depois ver um videoclipe desses com sequências de imagens felizes. Parte do grupo leu algo que enaltecia o valor da felicidade, enquanto o texto entregue ao segundo grupo sequer mencionava a palavra. Resultado: aqueles que foram induzidos pelo texto a valorizar a felicidade se sentiram pior que os demais após a projeção do filme positivo. O motivo? Ficaram desapontados porque não se sentiram tão felizes quanto esperavam diante das imagens. Em resumo: a busca da felicidade poderia semear o terreno para a decepção.
Mauss não está sozinha. Os psicólogos Jonathan Schooler, Dan Ariely e George Loewenstein constataram que a busca consciente e a avaliação contínua da felicidade podem prejudicar o bem-estar das pessoas. Para chegar a essa conclusão, dividiram voluntários em três grupos, que deveriam ouvir A Sagração da Primavera, de Stravinsky, em diferentes condições. Na primeira, eles simplesmente ouviam a música; na segunda, foram orientados a ficar o mais felizes que conseguissem e, na terceira, deveriam indicar a variação de sua felicidade em tempo real usando uma escala. O resultado: aqueles que tiveram a experiência mais satisfatória foram os que ouviram a música sem objetivo determinado, sem patrulha.
Estudos como esses colocam em xeque certas técnicas propagadas pelos livros de autoajuda – e muito replicados por conselheiros amigos por aí – para alcançar a felicidade. Como, por exemplo, descobrir o que te faz feliz e pensar todos os dias sobre aquilo ou seguir uma lista de passos até conseguir o que almeja. Não que essas técnicas sejam necessariamente ruins. O problema é que, ao fazer isso com o objetivo de se tornar mais felizes, as pessoas podem criar expectativas muito elevadas, irreais – um dos ingredientes infalíveis para a frustração.
AMANHÃ VAI SER OUTRO DIA
Há outro problema aí: as evidências de que não somos muito competentes quando se trata de prever o caminho para o nosso próprio bem-estar. Um estudo feito em 2008 por pesquisadores da Universidade de Liège, na Bélgica, e da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, descobriu que a maioria das pessoas erra ao tentar antecipar as reações emocionais a acontecimentos esperados. E isso se deve, em parte, à tendência de ignorar um elemento determinante nesse processo: nossa própria personalidade. Em outras palavras, às vezes perseguimos objetivos como se fossem bálsamos para nos fazer mais felizes, como conseguir aquele emprego ou perder alguns quilinhos, sem conseguir avaliar muito bem o impacto real que esses sucessos terão na nossa vida.
A experiência comparou as previsões e o sentimento posterior, real, após dois eventos distintos: a divulgação das notas a um grupo de 47 universitários e o resultado das eleições nos EUA entre 250 belgas adultos, a maioria simpatizante de Barack Obama. Ao avaliar o humor dos voluntários após os eventos, os pesquisadores concluíram que ele se manteve mais alinhado às personalidades deles do que às previsões que fizeram. Perceberam também que as pessoas mais otimistas se mostraram menos propensas a superestimar sua felicidade futura do que os participantes mais negativos – que desconsideraram sua própria tendência ao mau-humor ao fazer as previsões. Ou seja, a nossa disposição natural diante da vida pode ser um indicativo bem mais poderoso de felicidade futura do que qualquer evento específico, mesmo que superesperado, como notas e, naquela ocasião, o resultado das eleições americanas.
Para os autores do estudo, isso ensina que, ao tomar uma decisão importante ou traçar planos, é melhor se concentrar primeiro na maneira como você costuma reagir aos acontecimentos e não no evento em si. Será que comprar o carro do ano vai fazer de você uma pessoa feliz? Quando chegou a outros objetivos parecidos, no passado, seu humor mudou radicalmente? Basear toda a sua felicidade futura em sonhos realizados ou conquistas eleitas como fundamentais pode provocar o efeito oposto: desapontar-se por perceber que você não ficou feliz como imaginou ao atingi-las – e se sentir pior do que antes.
Isso é muito natural, na verdade. Grandes conquistas ou perdas são menos impactantes na nossa vida, no longo prazo, do que costumamos fantasiar. Simplesmente porque somos adaptáveis, nos acostumamos logo com cada nova realidade e aos poucos essas circunstâncias externas deixam de ter tanta influência no nosso bem-estar, humor etc. Em 2008, pesquisadores da Universidade Estadual do Michigan e do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica usaram dados de duas grandes pesquisas nacionais feitas na Alemanha e na Grã-Bretanha para analisar os níveis de satisfação com a vida antes e após eventos importantes, como casamento, divórcio, desemprego e doença. A conclusão foi que a maioria das pessoas acaba retornando a um nível de felicidade bem próximo ao anterior algum tempo após acontecimentos positivos, como o casamento (dois anos, em média) ou negativos, como a morte de um cônjuge (7 anos, em média, para se readaptar). E o mesmo estudo mostrou que o grau de adaptação varia muito entre uma pessoa e outra, de acordo com sua personalidade – ou seja, o foco recai novamente na forma como encaramos os acontecimentos, não nos acontecimentos em si.
“SÓ NÃO É FELIZ QUEM NÃO QUER”
A genética também confirma essa percepção. Talvez alguns sejam mesmo naturalmente mais propensos à felicidade do que outros, faça chuva ou faça sol. Em um estudo com 2 500 voluntários publicado no ano passado, pesquisadores de economia comportamental da Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres descobriram que as pessoas com a variante mais eficiente do gene 5-HTT têm essa tendência. Esse gene, responsável pelo transporte de serotonina (neurotransmissor que promove a sensação de bem-estar) entre os neurônios, pode ser longo ou curto. Ter um par de genes longos (um é herdado do pai e outro da mãe) seria a combinação mais eficiente, associada à maior propensão à satisfação com a vida. Entre aqueles com essa variação do gene, 35% disseram estar muito satisfeitos e 34% afirmaram estar satisfeitos com a vida. Já entre aqueles com o 5 HTT menos eficiente ou seja, os dois curtos, apenas 19% se encaixavam em cada uma dessas categorias de satisfação. Em compensação, 26% afirmaram estar insatisfeitos, contra 20% de insatisfação do outro grupo.
Isso parece explicar tudo? Calma, também não vale cair no fatalismo, há mais cartas nesse jogo. Outros genes e, principalmente, nossas experiências ao longo da vida vão ajudar a compor o panorama de nosso nível individual de felicidade, assim como suas variações, defende Jan-Emmanuel De Neve, líder do estudo. “Mas essa descoberta ajuda a explicar por que algumas pessoas tendem a ser naturalmente mais felizes do que outras”, diz.
Bem, se grandes conquistas não contam tanto e a genética pode ser determinante, o esforço em ser feliz é de todo inútil? Não é isso. Todo mundo é capaz de, com alguns ajustes, tirar mais proveito do dia a dia e adotar posturas que rendem mais alegria. A praga é ficar neurótico com isso, se sentir obrigado a ser feliz o tempo todo, hoje, amanhã e no futuro distante. Aquele clichê de querer garantir que você vai ficar velho, olhar pra trás e ver que sorriu muito, muito mais do que chorou. “Enquanto ser autoconsciente e obsessivo sobre a felicidade pode sair pela culatra, há determinadas atividades feitas conscientemente para aumentá-la que funcionam, como alterar o estilo de vida ou meditar”, disseram pesquisadores da Universidade de Illinois no artigo “In Pursuit of Happiness: Empirical Answers to Philosophical Questions”, que contrapõe as discussões filosóficas sobre a felicidade a constatações científicas.
June Gruber, diretora do Laboratório de Emoção Positiva e Psicopatologia da Universidade de Yale, defende que a melhor maneira de aumentar a felicidade é usar a energia que você colocaria na preocupação em ser feliz para cultivar relacionamentos melhores com as pessoas. Diferentes estudos mostraram que ter amigos e pessoas queridas por perto é o elemento mais eficaz na promoção de contentamento duradouro. Pesquisas com pessoas muito felizes também constatam que elas têm excelentes relações sociais.
Em resumo, para estudiosos do assunto existiriam dois tipos de felicidade: a ideal e a efetiva. A ideal pode ser definida como o sentimento em estado completo. “Esse tipo – perfeito, puro e perpétuo – tem padrões extremamente altos e provavelmente está fora do alcance. No entanto, ainda é possível experimentar emoções predominantemente positivas e estar satisfeito com a vida”, dizem os pesquisadores da Universidade de Illinois. É essa felicidade chamada efetiva que valeria a pena se ocupar em buscar. A questão é aceitar que ela é tão possível quanto fugaz, subjetiva, e não um troféu a ser ganho e guardado como direito adquirido. E tudo bem que seja assim.
“Você tem o direito e o dever de ser feliz”
Estamos sendo privados de um sentimento inerente à condição humana: a tristeza
O autor norte-americano Arthur Miller escreveu em 1949 uma peça que representava bem o estado de espírito dos Estados Unidos no pós-guerra. A Morte do Caixeiro-Viajante conta a história de um homem chamado Willy Loman que, apesar de ter nutrido a maior fé no sonho americano de que o trabalho duro o levaria ao sucesso, se vê aos 60 anos como um fracassado. Desempregado, doente, endividado e desprezado pelos filhos, ele decide se matar. Ao estrear na Broadway, muita gente se identificou com o personagem e a peça foi um enorme sucesso. Quando voltou aos palcos 50 anos mais tarde, a recepção foi bem diferente. Dois psiquiatras analisaram o roteiro, e a conclusão foi que a tristeza do protagonista se devia a apenas um motivo: ele sofria de depressão. Um artigo do New York Times chegou a implorar: Deem algum Prozac a esse cara! Arthur Miller discordou e disse que Willy não era um depressivo e sim um oprimido pela vida com razões sociais para estar naquela situação.
Se o personagem foi um retrato de seu tempo, o diagnóstico médico do fim dos anos 90 ilustra bem como a tristeza passou a ser encarada atualmente. O que a nossa cultura um dia viu como uma reação compreensível a aspirações frustradas é hoje considerado uma doença psiquiátrica, dizem os professores Allan Horwitz (da Universidade Rutgers) e Jerome Wakefield (da Universidade de Nova York) no livro A Tristeza Perdida Como a Psiquiatria Transformou a Depressão em Moda (Summus Editorial). Eles defendem que vivemos a era da depressão, em que a tristeza não é mais vista como reação normal a dificuldades, mas como algo que requer tratamento médico.
Segundo o livro, parte do problema se deve a mudanças no critério para a classificação do transtorno depressivo. Os sintomas da depressão (tristeza profunda, insônia, irritabilidade, ideias suicidas, negativismo, fadiga, reclusão social etc.) também podem aparecer em casos justificados de tristeza, como a morte de alguém amado, a perda do emprego ou uma separação repentina. A diferença é que a intensidade desses sintomas é proporcional à gravidade da situação e eles vão embora com o tempo. No livro Contra a Felicidade Em Defesa da Melancolia, o pesquisador de literatura e psicologia Eric G. Wilson, da Universidade Wake Forest, EUA, faz coro. Ele defende que um pouco de tristeza diante dos aspectos trágicos do mundo é justamente o que nos torna humanos e que o ideal é tentar viver entre os polos de tristeza e alegria, em vez de tentar eliminar nossos sentimentos negativos.
O lado ruim da felicidade
Ser feliz demais também pode fazer mal à saúde
Nem sempre – e em qualquer medida – a felicidade é boa. É o que defendem as pesquisadoras Iris Mauss, June Gruber e Maya Tamir, em um artigo sobre o lado negativo da dita-cuja. Elas reuniram estudos que mostram que níveis muito altos de emoções positivas podem ser associados a comportamentos de risco como promiscuidade sexual, dirigir em alta velocidade e abuso de álcool e drogas. A felicidade exacerbada implica ainda uma possível deficiência de emoções negativas, o que não é nada bom. Afinal, o medo evita que as pessoas corram riscos desnecessários, a culpa pode impedi-las de repetir os mesmos erros e a tristeza tem um papel importante no amadurecimento e na capacidade de lidar com problemas. Segundo essa revisão de estudos, os benefícios já comprovados da felicidade não aumentam proporcionalmente em casos de altíssimos níveis desse sentimento – ou seja, vive-se melhor com satisfação moderada do que feliz ao extremo.
Para saber mais
A Tristeza Perdida – Como a Psiquiatria Transformou a Depressão em Moda. Allan Horwitz e Jerome Wakefield, Summus Editorial, 2010.