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Cachorros roubados viram carne em festival gastronômico chinês

Com menos de 10 anos de existência, o evento abate 15 mil cães por ano para o consumo humano - e gera protestos nas redes sociais

Por Helô D'Angelo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 11 mar 2024, 10h51 - Publicado em 22 jun 2016, 17h30

Você comeria carne de cachorro? Aqui no Brasil, essa ideia pode parecer loucura, mas, em outras partes do mundo, a coisa é comum: todo ano, na Ásia, 16 milhões de cães são mortos para o consumo humano. É que, por lá, a carne de cachorro é uma iguaria tradicional, consumida há mais de 400 anos. Só a China é responsável por 10 milhões de abates por ano – em Pequim, há 112 restaurantes especializados na iguaria. 

Mesmo com toda essa tradição, nos últimos anos um evento tem chocado o mundo e os próprios chineses: o Festival de Lichias e Carne de Cachorro, que comemora o solstício de verão. A cada ano, cerca de 15 mil cães são mortos de formas brutais para serem consumidos nos 10 dias de festa. Alguns dos bichos são espancados até a morte em frente ao público, outros são cozidos ou mesmo esfolados vivos – isso depois de passarem dias presos em gaiolas pequenas demais e superlotadas, com cinco cachorros em cada uma delas, e sem cuidados básicos, como alimentação, banho ou vacinação. Detalhe importante: o festival não é tradicional. Ele foi criado em 2009 por comerciantes da cidade de Yulin, no sudeste da China, com o objetivo de atrair turistas para o local. 

LEIA: China quer banir carne de cachorro

A iniciativa é totalmente privada, e o governo chinês não tem nada a ver com as festividades – ou com a produção de carne de cachorro em qualquer outra cidade: a Associação de Carnes da China, um conjunto de produtores de carnes autorizados pelas agências sanitárias do governo, não tem nenhuma fazenda de cachorros destinados para o abate. Isso porque eles são muito difíceis de criar em escala industrial: cães não são herbívoros, como vacas, então os custos da vacinação e da alimentação são muito maiores. E tem mais: um porco leva três meses para atingir um tamanho adequado para o abate, mas um cachorro demora cerca de um ano, o que aumenta ainda mais os gastos.  

Mas, se os cachorros não são criados em fazendas, como Yulin arranja 15 mil todo ano para abater e cozinhar no festival? A resposta é assustadora: os cães já adultos são roubados de fazendas e casas – ou então, são vira-latas pegos nas ruas das cidades. Uma investigação realizada pela Universidade de Shandong indicou que esse tipo de crime tem acontecido por décadas, e aumentado de tamanho nos últimos dez anos – provavelmente, por causa do festival. No roubo de cães, são usadas as estratégias mais mirabolantes: dardos com veneno, arco e flecha, armadilhas de metal e redes de caça. Depois de presos, eles são colocados em caminhões e transportados por quilômetros até seus destinos finais, onde são abatidos.

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Fácil de entender, portanto, porque os cães servidos no festival dificilmente estão em boas condições de higiene e saúde, o que torna a carne vendida em Yulin insegura para o consumo. Coincidência ou não, a cidade é uma das 10 campeãs em casos de raiva em humanos da China. 

LEIA: 36 bizarrices sobre a China

Com exceção de Hong Kong e de Taiwan, a China não proíbe o consumo da carne de cachorro – mas condena o roubo de cães e tem uma legislação que regula a circulação, a reprodução e a criação de animais destinados à alimentação. Em abril de 2013, o Ministério da Agricultura passou a exigir um certificado de quarentena para qualquer animal que fosse transportado no país. Nada disso parece ter funcionado para diminuir o tráfico de cachorros por lá. 

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A crueldade do evento tem dividido os próprios chineses: numa pesquisa recente feita com 8 milhões de habitantes do país, 64% disseram que gostariam que o e festival fosse cancelado para sempre, enquanto 69% afirmaram nunca ter comido carne de cachorro. Outra pesquisa mostra que 30 milhões de chineses têm cachorros de estimação – uma resposta à crescente solidão nas cidades cada vez mais populosas do país.

LEIA: Cachorros: por que eles viraram gente?

O Festival de Lichias e Carne de Cachorro também tem movimentado protestos no mundo ocidental. Petições online já conseguiram milhões de assinaturas para que o evento seja cancelado de vez e, nos EUA, políticos exigem que a China adote práticas mais restritivas contra a crueldade do festival. Além disso, a Humane Society International – uma organização que protege os animais – está tentando resgatar os cachorros presos para o abate nessa edição da festa. Nas redes sociais, circulam hashtags de protesto:  #stopyulinforver #stopyulin2015 e #stopyulin2016. 

Os organizadores do festival argumentam que comer carne de cachorro não é diferente de comer vaca ou porco. Eles alegam que as acusações de crueldade são falsas, e que os cães são abatidos de forma humana – mas prometeram parar de matar os bichos na frente do público. 

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