Patrícia Vieira
Já virou piada que companhias aéreas modernas oferecem sempre duas opções de refeição: sim ou não. Pois a famosa barrinha de cereal é apenas a mais visível de uma série de cortes de custos necessários para que a passagem custe até 40% a menos que em uma empresa tradicional. Alguns podem até ficar desconfiados, mas são economias que não geram riscos para ninguém: entre as medidas estão uma frota nova e padronizada, o uso de aeroportos alternativos e até a troca da cozinha e da primeira classe por mais assentos (ver quadro Apertem os cintos, ao lado).
E poderia ser até mais barato. Na Europa existem exemplos extremos de companhias de baixo custo (em inglês, low cost carrier, ou LCC), como a irlandesa Ryanair. Ela opera na Europa e vende passagens de apenas 1 (R$ 2,50, pouco mais que uma passagem de ônibus). Em contrapartida, ela cobra por check-in online, lanche, utilização do banheiro e bagagem despachada. Além disso, deixa de lado alguns luxos: não há reserva de assentos, que nem sequer são reclináveis.
No Brasil, essa modalidade tão radical ainda não é possível. Além de nossas companhias mais caras já não serem muito luxuosas, não há aeroportos secundários suficientes – a Azul é uma das poucas que troca Congonhas (São Paulo) por Viracopos (Campinas) – e nem um mercado preparado para funcionar sem agências de viagens, duas medidas que em média geram um desconto de até 15% na passagem. “É uma questão de hábito. O brasileiro compra passagens através de agentes de viagens e parcela em 10 vezes no cartão”, diz Respício Espírito Santo, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Estratégicos e de Políticas Públicas em Transporte Aéreo. TEXTO Patrícia vieira
Apertem os cintos
Entenda como as companhias aéreas de baixo custo economizam
Cara – VELHA GUARDA / Manter aeronaves antigas aumenta a passagem por dois motivos: 1) a frota exige mais manutenção que uma frota nova e, 2) quando está na oficina, o avião não está voando, ou seja, está deixando de dar dinheiro.
Barata – NOVA ONDA / Aviões novos, além de gastarem menos combustível (o motor é mais econômico), exigem menos manutenção, menos reposição de peças. Isso quer dizer que passam mais tempo trabalhando, mais tempo gerando grana.
Economia – 7%
Cara – COZINHA A BORDO / Cozinhas e despensas, além de ocuparem espaço e representarem custo adicional, precisam ser abastecidas a cada voo. Isso leva tempo e, quanto mais tempo o avião fica no solo, menos lucro ele gera.
Barata – BARRINHA A BORDO / Sem cozinhas, são mais poltronas disponíveis e menos peso – da própria cozinha e dos alimentos, substituídos por versões mais leves e baratas – o que poupa combustível da aeronave.
Economia – +11%
Cara – POLTRONA CATIVA / Permitir reservas pode custar caro à empresa, que corre o risco de fechar o voo com assentos vazios, reservados por clientes que reservaram mas, no fim, desistiram de comprar o bilhete.
Barata – SÓ DEPOIS DE PAGAR / Nas empresas de baixo custo, não há reserva: ou compra o bilhete ou perde o lugar. Assim, não há o risco de decolar sem vender assentos para todos os interessados que chegarem a tempo.
Economia – +3%
Cara – MULTIMARCAS / Quando a frota é composta de diversos modelos de aeronaves, isso exige uma equipe numerosa, com especialistas em cada modelo, vários tipos de treinamento e um estoque variado de peças para reposição.
Barata – PADRÃO ÚNICO / Com frota padronizada, a equipe pode ser menor e apenas um tipo de treinamento é necessário. Além disso, o estoque de peças é pequeno, já que não exige variedade.
Economia – +6%
Cara – LUTA DE CLASSES / Dividir o avião em 1ª classe, executiva e econômica significa ter que carregar a bordo pelo menos 3 tipos de refeição (ou seja, 3 cozinhas) e perder espaços que onde poderiam estar mais poltronas.
Barata – PROLETARIADO / Como concordaria Lenin, uma classe só simplifica tudo. A refeição (que é apenas um petisco) é igual para todos, e cabem mais poltronas no mesmo espaço.
Economia – +6%
Cara – MUITAS ROTAS / As companhias tradicionais têm no portfólio muitos destinos, entre eles rotas com demanda baixa. Para recuperar os gastos com as rotas vazias aumentando o preço das passagens das rotas mais procuradas.
Barata – SÓ AS CONFIRMADAS / As aéreas de baixo custo optam pelas rotas mais procuradas, garantia de aeronaves cheias, como a ponte Rio-São Paulo. Operar em menos cidades também permite estrutura mínima, com menos funcionários.
Economia – +7%
ECONOMIA TOTAL – 40%
Fontes European Low Fares Airline Association e Derick Moreira Baum, especialista em engenharia de infra-estrutura aeronáutica