Luiz Dal Monte Neto
No mundo dos jogos, se fosse feita uma pesquisa para averiguar qual a criação mais imitada de todos os tempos, daria Monopoly na cabeça. Monopoly é o nome original do Banco Imobiliário, produzido no Brasil sob licença pela Manufatura de Brinquedos Estrela S.A. Campeoníssimo em ser plagiado, ele tem o mérito de jamais ter sido igualado por nenhum de seus clones. Já no mundo dos quebra-cabeças, o campeonato não está decidido tão claramente. Mas há fortes concorrentes. Um deles, com certeza, é o Movi-it Puzzle.
Conhecido na França como L’Âne Rouge (O asno vermelho), esse passatempo é um clássico exemplo de quebra-cabeça de blocos deslizantes, parente em primeiro grau, portanto, do famoso Puzzle 14-15, de Sam Loyd (SUPERINTERESSANTE ano 4, nº 10). O que é um quebra-cabeça de blocos deslizantes? Basicamente, um conjunto de peças moduladas contido numa caixa, em que se deixa um espaço vago para o qual se pode empurrar uma ou mais peças. Estas, ao se moverem, deixam atrás de si outro espaço para novas movimentações, e assim sucessivamente. O objetivo é partir de uma determinada configuração e chegar a outra pré-estabelecida, de preferência no menor número de movimentos possível.
Penso que o fascínio exercido por esse tipo de quebra-cabeça se explica, em parte, pela analogia que estabelece com uma dificuldade cotidiana do homem. Qual é o dia em que não estamos às voltas com a falta de espaço, tentando ajeitar numa gaveta mais objetos do que ela pode conter? Ou tentando organizar a caixa de remédios? Ou dando um jeito no armário? Ou, se for numa metrópole, tentando pacientemente sair de um gigantesco congestionamento? Ou manobrando numa apartada garagem de condomínio?
Não é à toa que algumas versões desses quebra-cabeças trazem nomes de itens de mobiliário impressas em suas peças. Nesses casos, o desafio pode ser expresso com frases do tipo “leve o piano para o canto oposto da sala”, e outras do gênero. Lembro-me de ter visto, há muito tempo, uma versão brasileira do L’Âne Rouge que tinha um automóvel impresso no quadrado grande. O folheto de regras propunha o desafio: “Mova seu carro e tente retirá-lo do bolsão”. Tratava-se de uma ironia sobre o esquema de trânsito que o falecido coronel Américo Fontenelle queria desastradamente implantar em São Paulo, em 1967, quando foi diretor do Departamento Estadual de Trânsito (DET). Naquele tempo, o caos já se prenunciava.
São freqüentes esses exemplos, em que o assunto do momento serve de pretexto para o relançamento de velhos passatempos. Mesmo sendo quase centenário, o L’Âne Rouge é repetidamente reivindicado como criação original. Eu mesmo já tomei conhecimento de algumas tentativas de patenteá-lo em vários Estados brasileiros. Não creio que seja por má-fé, mas por simples desconhecimento – conseqüência direta da paupérrima bibliografia em português sobre jogos e brinquedos. Não sei se algum pequeno fabricante está produzindo-o hoje, mas o leitor adepto da musculação cerebral não tem por que depender disso: é fácil improvisar um.
Desenhe as peças da figura 1 sobre um cartão grosso, mantendo as proporções. Depois, desenhe a “caixa” num outro pedaço do mesmo cartão, isto é, trace o contorno que limita a movimentação das peças. Corte, arredonde os cantos para que elas deslizem com mais facilidade e pronto – pode começar o empurra-empurra. A partir da figura 1, o leitor deve ir deslizando as peças até que o quadrado com o desenho do asno possa ser retirado pela abertura que há no lado oposto da caixa. Não se esqueça de que as peças não podem ser levantadas, mas tão-somente deslizadas para o espaço vago.
Também não podem ser retiradas – todo o conjunto permanece na caixa até o final. Vá com calma, porque não é fácil como parece. No início, não se preocupe com a quantidade de movimentos da solução, mas apenas em chegar a ela. Depois, vá tentando melhorá-la, encurtando-a. Saiba que a solução mínima demanda 81 movimentos e foi encontrada pela primeira vez, segundo consta, por Thomas B. Lemann, de Nova Orleans, nos Estados Unidos.
Mais tarde, John Larmouth, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, demonstrou com o auxílio de computador que ela era realmente a menor. O leitor pode encontrá-la na seção de respostas, na página seguinte, mas lembre-se de que um olhar furtivo tirará todo o prazer de descobri-la por si próprio. Um prazer que pode causar profunda dependência psicológica. Para quem prestigia essa coluna com regularidade, esse aviso é certamente desnecessário.
Luiz Dal Monte Neto é arquiteto e designer de jogos e brinquedos