Barbara Axt
Se você imaginou um mundo alucinado, esqueça. “Legalização não é igual a falta de regulamentação”, diz Justus Uitermark, do Centro de Pesquisas sobre Drogas da Universidade de Amsterdã. “Pelo contrário. Quando legalizados, todos os comportamentos considerados desviantes (como a eutanásia e o aborto, na Holanda), são submetidos a maior controle do governo.”
Como Justus, a socióloga Beatriz Carlini-Marlatt também não acredita num cenário caótico. “Liberar ou proibir as drogas é um jogo muito delicado, com perdas e ganhos”, diz ela. A legalização total acabaria com o narcotráfico, por exemplo. Ao mesmo tempo, facilitaria o acesso da população a entorpecentes.
Os efeitos para a sociedade do uso mais abrangente dependeriam do tipo da substância. “Drogas psicodélicas, como ecstasy e LSD, seriam usadas de forma experimental, sem interferir muito na sociedade”, diz Peter Reuter, professor do Departamento de Criminologia na Universidade de Maryland, EUA. “Já o uso legal de cocaína e anfetamina causaria altos índices de dependência e acidentes.”
Legalizadas, as drogas poderiam ser taxadas pelos governos. Impostos, além de encarecer o produto – e, portanto, afastar parte do público – garantiriam fundos para a criação de programas de recuperação de dependentes (provavelmente mais numerosos do que hoje) e para campanhas de prevenção do uso.
Mas há quem não acredite na subida dos preços. “O cigarro e o álcool vendidos no Brasil estão entre os mais baratos do mundo. A tendência é que, com várias substâncias concorrendo no mesmo mercado, os preços caiam ainda mais”, diz Ronaldo Laranjeira, diretor da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Unifesp.
E quem produziria drogas legais? Peter Reuter acredita que algumas indústrias farmacêuticas não se envolveriam no assunto, para não prejudicar a imagem corporativa. Outras disputariam o mercado de entorpecentes. “O mais provável é que laboratórios investissem em pesquisas sobre uso medicinal de drogas, por uma simples questão mercadológica: criar novas necessidades e vender produtos para satisfazê-las”, diz Beatriz.
Já nas bancas
Diversos produtos seriam criados especialmente para quem gosta do assunto
Lei conforme o tipo
Cada droga teria pontos de venda e legislação específicos. É provável que maconha fosse vendida só para maiores de idade e em bares com alvará especial, como acontece na Holanda. Substâncias como cocaína e LSD teriam venda controlada. Já cogumelos e chás alucinógenos poderiam ser comprados até em lojinhas de produtos naturais
Nada de pressa
A legalização seria em etapas, começando por substâncias leves. A sociedade levaria muitos anos para lidar naturalmente com a idéia de drogas legais. “De todo jeito, é improvável que haja a liberação de todos os tipos”, diz Beatriz Marlatt. “Nos últimos dois séculos, sempre houve pelo menos uma substância para ser o bode expiatório de problemas sociais. Na época da Lei Seca, nos EUA, o álcool era proibido, mas a cocaína era vendida livremente”
Consumo estável
Num primeiro momento, haveria aumento do consumo. Mas com o tempo, ele se estabilizaria. “Pesquisas já mostraram que a posição do governo não afeta o uso de drogas”, diz Uitermark. O “aprendizado social” também desestimularia o consumo de algumas substâncias. “Hoje, depois de tantas mortes por causa de drogas injetáveis, quase não se vê esse tipo de droga no Brasil”, diz Laranjeira
A violência não pÁra
A legalização diminuiria os números de homicídios e roubos relacionados ao tráfico, mas haveria outros tipos de violência ligados às drogas. “O álcool é a causa da maior parte dos acidentes de trânsito, homicídios e casos de violência doméstica no mundo. Se outras drogas fossem liberadas, esse tipo de violência aumentaria muito”, diz Ronaldo Laranjeira
Lobby em hollywood
É provável que houvesse restrições à propaganda de drogas e, por isso, a indústria investiria em lobby para glamourizar a imagem do consumidor e, assim, atrair novos usuários. Jovens, mais influenciáveis, seriam o alvo principal
Pressão no trabalho
Hoje, tomamos café para agüentar o pique do escritório. Com a legalização, é possível que algumas empresas incitassem funcionários a usar drogas estimulantes, para virar a noite e terminar um projeto, por exemplo. “Isso seria mais comum nos casos em que a relação de trabalho fosse por tempo limitado”, diz Beatriz Marlatt
Mudança de rota
“O crime organizado é capaz de mudar de atividade em pouco tempo. Nos Estados Unidos, com o fim da Lei Seca, os chefões do crime passaram a investir na indústria cinematográfica e nos cassinos”, diz a antropóloga Alba Zaluar, que estuda a relação entre tráfico e pobreza. “A situação seria pior para pequenos criminosos. Eles iriam cometer assaltos e roubos até acharem algo menos arriscado para fazer”