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Em defesa da eleição dos analfabetos

Eles não podem ser proibidos de ter mandato político porque o Estado falhou em educá-los. Há outros e mais sérios analfabetismos políticos a serem combatidos

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 24 out 2011, 00h00

Daisy Moreira Cunha

Aceitar o voto dos analfabetos e recusar sua elegibilidade significa dar lhes meia cidadania. Votar e não poder ser votado é ter a metade do direito político cassado. Ou seja, não é possível impedir a eleição de alguém porque o Estado falhou em educá-lo. O fato de um parlamentar, no Congresso ou nas câmaras de vereadores, não saber ler e escrever é problema de uma nação que se deseja desenvolvida. E, se a educação básica é direito de todos, a legislação não pode impedir a eleição dos analfabetos.

Todos os dias muitos fatos políticos nos mostram que não somos salvos do analfabetismo político pelo domínio da leitura e da escrita. Depois dos anos 60, Paulo Freire, pedagogo brasileiro de renome internacional, já mostrava que iletrismo não é sinônimo de (in)cultura política, aquela que importa para a construção do bem comum.

Analfabetismos são muitos: aquele dos tecnocratas da cultura da gestão eficiente que “azeitam” a máquina, mas deixam professores em greves infinitas e desgastantes; aquele que ainda permite a corrupção; e o que elege políticos cujos slogans são “Ser bom de serviço” e “Rouba, mas faz”. Ou mesmo “O que é que faz um deputado federal? Na realidade, não sei. Mas vote em mim que eu te conto” e “Pior que tá não fica”. O autor das últimas frases tornou-se o deputado federal mais votado na última eleição e acabou acusado pelo Ministério Público de não saber ler e escrever. Fosse ele de fato analfabeto, deveria ser garantido o seu direito de se eleger, ainda que seu mote de campanha prestasse um desserviço à política. Mas tudo isso nos impõe interrogar: que política é essa dos tempos de marketing e do voto obrigatório? Cabe ao Congresso rediscutir a inelegibilidade de quem não sabe ler e escrever.

Hoje, a Proposta de Emenda Constitucional número 27/2010 espera a indicação de um relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. A PEC que autoriza a eleição dos analfabetos ainda está longe de ir para a votação em plenário. Os argumentos da Assembleia Nacional Constituinte para manter a negação desse direito, há 23 anos, parecem ultrapassados quando somos surpreendidos com o noticiário de que um deputado (entre tantos outros maus exemplos) foi condenado por trocar votos por laqueadura de trompas. Não saberia ler quem vendeu e quem comprou os votos?

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Segundo o Censo 2010 do IBGE, há 13,9 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais analfabetos. Isso significa 9,63% da população. Em pleno século 21, é um número mais do que absurdo.

A imprensa, que noticiou a polêmica em torno do deputado Tiririca e levou à ação do Ministério Público, não tem contribuído para aprofundar os debates cruciais da política nacional. E o Congresso, enquanto adia a discussão do tema, muito menos. Falta aos parlamentares, junto com a sociedade, combater os verdadeiros problemas da política brasileira.

* Daisy Cunha Pós-Doutora em Educação de Adultos pelo Conservatoire National des Arts et Métieurs (CNAM-Paris); doutora em Filosofia pela Université de Provence-França, professora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFMG.

Os artigos aqui publicados não representam necessariamente a opinião da SUPER.

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