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Entenda como funciona o marketing de propaganda invisível

Um experimento com pinta de reality show infiltrou a família perfeita numa vizinhança de classe alta na Califórnia para fazer propaganda disfarçada de produtos. Cuidado, pois a próxima vítima pode ser você

Por Álvaro Oppermann
Atualizado em 26 abr 2017, 13h47 - Publicado em 23 fev 2012, 22h00

Laguna Beach, no sul da Califórnia, é um balneário de belos casarões com preço médio de US$ 1 milhão. A meio caminho entre San Diego e Los Angeles, atrai gente do ramo da tecnologia, do entretenimento e profissionais liberais bem-sucedidos. Numa noite de junho de 2010, sem alarde, os Morgensons chegaram com dois caminhões de mudança. Bonitos, atléticos e muito simpáticos, o casal e seus três filhos rapidamente se integraram à vizinhança. E ninguém se deu conta da sua missão secreta: persuadir os novos amigos a comprar de desodorante e bijuterias a vodca e pranchas de snowboard.

Eric, Gina e os filhos, Jack, Sam e Max, de 16, 14 e 12 anos, passaram 4 meses ali como o protótipo da família perfeita, com uma BMW, um utilitário e um sedan na garagem. Só que foram contratados como parte de um “experimento social” para testar o poder de influência da progaganda boca a boca. A pegadinha foi obra do marqueteiro Martin Lindstrom. “Só estamos começando a entender o quão vulneráveis somos às recomendações e aos conselhos dos nossos amigos, vizinhos e colegas”, diz o autor de Brandwashed – Tricks Companies Use to Manipulate Our Minds and Persuade Us to Buy (inédito no Brasil. O título – trocadilho com “lavagem cerebral”, brainwash – seria algo como “Lavado em Marcas – Truques que as Empresas Usam para Manipular Nossa Mente e Nos Persuadir a Comprar”).

O experimento teve orçamento e infra-estrutura de reality show. A família foi selecionada entre mais de 1,5 mil candidatos por uma diretora de casting renomada. Foram escondidos na casa 35 câmeras e 17 microfones. Uma discreta sala de controle e ilha de edição foi montada no fundo da garagem. O circo saiu caro: US$ 3 milhões. Lindstrom jura que pagou tudo sozinho, sem envolver empresas na experiência – “Precisávamos de autenticidade.” Essa “autenticidade” se transformou em muitos churrascos, brunchs e jantares, que os Morgensons promoviam como qualquer novato em busca da aprovação da comunidade. Nem encontros triviais passavam ilesos, sem que algum produto selecionado fosse citado. Numa conversa com duas vizinhas, Gina ostentava um bracelete da marca Pandora, que chamou a atenção das amigas. “Não é espetacular? Adorei a coleção que eles fizeram em homenagem à campanha contra o câncer”, disse, empolgada, para depois explicar que era possível customizar as peças pela internet. Duas semanas depois, as câmeras escondidas flagraram as vizinhas usando as tais joias.

“Uma coisa que nos pegou de surpresa é que os homens são muito mais suscetíveis a conselhos dietéticos do que as mulheres”, diz Lindstrom. Durante um churrasco, Eric comentou com o vizinho Joshua, programador de software, que um copo de cerveja preta tinha as calorias equivalentes a um sanduíche de presunto. Nas visitas seguintes, Joshua trocou a cervejinha por uma vodca com suco de cranberry. “Assim eu me mantenho em forma.” Em tempo: a vodca era a Absolut, promovida pelos Morgensons. No colégio, Jack se encarregou de divulgar um desodorante com cheiro de parafina (usada em pranchas de surfe). As sugestões tiveram efeito viral. Eric, Gina e os meninos tinham feito mais de duas centenas de amigos em Laguna – e um terço desses amigos passou a recomendar as marcas que conheceu. A família conseguiu convencer cada um a comprar, em média, 3 produtos.

“Eu pirei quando me dei conta do poder da coisa”, diz Lindstrom. Um exemplo: depois de uma tarde de compras de Gina com algumas amigas na loja de sapatos DSW, a marca começou a aparecer sempre nos chats, tweets e blogs das comadres. O marqueteiro contratou o ChatTreads, instituto de pesquisa de marcas, para monitorar a vida online da vizinhança. O instituto também fez entrevistas dirigidas ao grupo sem revelar seu propósito.

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Tendência
Se você está começando a ficar incomodado com tanta intromissão na vida alheia, bem… essa é só uma das facetas do stealth marketing (o marketing disfarçado, furtivo, invisível). É o nome técnico do que fez a família Morgenson, recurso em alta no mundo da propaganda. A publicidade e o marketing tradicionais, segundo gurus da área, como Seth Godin, tendem a desaparecer. Nos últimos anos, tem se falado muito de marketing viral, ou buzz marketing: as pessoas são encorajadas a repassar uma mensagem mercadológica. Recentemente, a fabricante de camisinhas Olla criou perfis falsos no Facebook para divulgar a marca. Selecionou perfis de homens jovens e criou os falsos adicionando “Jr.” no nome do alvo. O sujeito recebia uma solicitação de amizade desse “quase homônimo” com a foto de um bebê e a recomendação: “Evite surpresas como essa: use camisinhas Olla”. Ao acessar o perfil, o “pai” encontrava um link para o site da marca.

O stealth marketing pode fazer algo parecido, mas o agente de vendas nunca se identifica como tal. E esse é o problema. Não é novidade, mas é cada vez mais comum. Em 2002, a Sony-Ericsson contratou falsos casais e os mandou a pontos turísticos estratégicos para promover o celular com câmera T68i. Esse tipo de marketing assopra no ouvido de um público selecionado sem revelar necessariamente que se trata de propaganda. É um conselho gentil (tais como os de Gina e Eric). A mensagem mercadológica já chega, assim, com a chancela da aprovação. “A mensagem tem uma aura, tem um efeito diferente”, afirma Lindstrom. “É um negócio enganador. Você acha que está falando com uma pessoa comum, mas na verdade ela é uma agente disfarçada da corporação”, diz a ONG Public Citizen’s Commercial Alert, dedicada a investigar abusos de propaganda e marketing nos EUA.

Uma coisa é certa: funciona. Lindstrom encomendou uma pesquisa com consumidores submetidos à ressonância magnética funcional, que monitora o cérebro enquanto ele é estimulado. Na propaganda tradicional, o córtex insular e a amígdala (que controla o medo) são ativados, o que sugere desconfiança. Quando a divulgação é dissimulada, a mensagem desperta um elevado grau de confiança: ativa o córtex órbito-frontal (onde ocorrem os julgamentos morais).

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Entre as empresas criticadas pela ONG estão a Tremor e a Bzz Agent. A Tremor emprega mais de meio milhão de mulheres, entre 15 e 65 anos, chamadas de “conectoras”. Elas atuam alimentando mensagens virais sobre produtos como os cosméticos Olay. A Bzz Agent já promoveu desde videogames até o último romance de John Grisham. Não há regulamentação para esse tipo de marketing nos EUA. No Brasil, o fenômeno é incipiente e o Código Brasileiro de Autorrelugamentação Publicitária só prevê normas para a propaganda “ostensiva”.
Em fevereiro de 2011, a encenação em Laguna foi revelada. Para espanto geral, os amigos ludibriados não se revoltaram. “As pessoas me disseram que era ok, que não se sentiam enganadas”, diz o autor de Brandwashed, que provavelmente vai repor (com sobra) o investimento que fez no projeto oferecendo consultoria. Os Morgensons se mudaram, mas o marketing invisível veio para ficar.

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A propaganda usa a arte da influência desde a Renascença
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Made in Veneza
Pintores como Paolo Veronesi recebiam um extra dos comerciantes de Veneza já no século 16 para incluir em seus quadros roupas e outros produtos à venda na cidade. No século 18, caixeiros viajantes ingleses contratavam atores para, da plateia dos teatros, elogiar seus produtos. Eram chamados shills. Para o historiador Norman Bowie, assim nasceu o stealth marketing.

Quero essas luvas!
Em 1890, com o livro As Leis da Imitação, o psicólogo Jean-Gabriel Tarde demonstra que nossas escolhas são feitas mais por mimetismo e contágio do que por decisão soberana, o que influenciaria muito o marketing no século 20. Em 1922, a Macy¿s, de Nova York, contratou e vestiu 25 mulheres que se passavam por usuárias comuns para promover, no metrô, as luvas que a loja vendia.

Usei e gostei
Na década de 20, a agência J. Walter Thompson contratou o psicólogo social John W. Watson, da Universidade de Chicago. Com base em pesquisas da universidade, ele criou, em 1924, o primeiro comercial-testemunho (para a Johnson & Johnson). Nessa modalidade, o anunciante recorre a pessoas “normais” para divulgar seu produto com a chancela de um suposto consumidor real.

Já no útero
Uma pesquisa da Universidade de Helsinque demonstrou nos anos 90 que música e odores são percebidos pelo feto no útero. De olho nas gestantes, um shopping center na Ásia passou a caprichar na trilha sonora e espalhar aroma de cereja e de talco infantil nos corredores. “Ficou comprovado que, depois de nascer, os bebês se acalmavam quando entravam no shopping”, diz Martin Lindstrom.

Para saber mais
Brandwashed – Tricks Companies Use to Manipulate Our Minds and Persuade Us to Buy, de Martin Lindstrom

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