Não usássemos roupas?
A primeira explicação para o homem usar roupas parece óbvia: proteger-se do frio.
Celso Miranda / Adriano Sambugaro
Das peles de animais ou das folhas de parreira até a poderosa indústria da moda, as roupas contam uma história tão antiga que remonta ao início da espécie humana. Vestir roupas nos define como espécie, tanto quanto a capacidade de usar ferramentas, de andar eretos ou de programar o videocassete.
A primeira explicação para o homem usar roupas parece óbvia: proteger-se do frio. Ao migrarem para regiões mais frias em busca de alimento, há cerca de 100 mil anos, grupos humanos passaram a enfrentar temperaturas mais baixas.
A ocupação dessas regiões permitiu a expansão da espécie humana, sua multiplicação e diversificação.
Se não descobríssemos as roupas, estaríamos até hoje concentrados em regiões quentes, próximas aos trópicos. Seríamos mais parecidos uns com os outros, já que toda a diversidade aparente da espécie humana – cor da pele, dos olhos ou dos cabelos – são meras adaptações ao clima. A utilização de roupas foi uma importante conquista para a adaptação do homem em regiões mais frias do globo, seguindo as rotas migratórias dos animais e aumentando a oferta de alimentos. Outra evolução muito visível foi a crescente perda de pêlos. Se não usássemos roupas, seríamos provavelmente negros e cobertos de pêlos.
O outro motivo para usar roupas é cultural e está ligado à descoberta do sexo. Ao andar ereto, o homem passou a deixar à mostra sua genitália: as roupas indicam o início da consciência moral de nossa sexualidade. Essa consciência está na raiz, entre outras coisas, da diferenciação entre os gêneros, do amor e do casamento.
Para Umberto Eco, semiólogo italiano que estudou a utilização das roupas como forma de comunicação, seja qual tenha sido sua utilização original, as roupas logo se tornaram símbolos de poder. “Tinha frio e cobria-se, não há dúvida. Mas também não há dúvida que, poucos dias depois da invenção do primeiro traje de peles, se terá criado a distinção entre os bons caçadores – munidos das suas peles, conquistadas pelo preço de um dura luta – e outros, os inaptos, os sem-peles. Não é preciso muita imaginação para enxergar a circunstância social em que os caçadores envergaram as peles, já não para proteger-se do frio, mas para afirmar que pertenciam à classe dominante” , diz Eco.
As imagens mais antigas de homens usando algum tipo de traje confirmam a utilização das roupas como forma de diferenciação entre os indivíduos, seja para identificar o mais forte entre os caçadores, seja para distinguir o sagrado. Essa distinção é tanto maior quanto mais sofisticadas forem as relações entre os homens. Ou seja, quanto mais as sociedades vão criando tipos e classes de pessoas, mais se diversificam as roupas e vestimentas.
Segundo Valerie Gros, publicitária brasileira que trabalha no departamento de Comunicação Internacional da grife Morgan, em Paris, a dificuldade para imaginar uma sociedade sem roupas está justamente na perda da diferenciação entre os indivíduos. “Uma coisa é certa: os homens procurariam outras formas de se diferenciarem uns dos outros, utilizando algum símbolo exterior para isso”, afirma. Para ela, uma sociedade onde não exista nenhuma identificação aparente das pessoas é uma coisa simplesmente irreal. “Mesmo tribos primitivas de indígenas brasileiros, por exemplo, obtêm essa diferenciação com pinturas corporais e adereços. Elas são um exemplo de como seríamos se não usássemos roupas”, acredita.
Lawrence Langner, autor contemporâneo que escreveu um dos clássicos da literatura de moda, The Importance of Wearing Clothes, ainda sem tradução em português, defende a tese de que a evolução das roupas priorizou a diferenciação hierárquica e a ornamentação com o propósito de tornar a silhueta humana mais atraente para o sexo oposto. Em sua obra – recheada de exemplos da história da humanidade e de diferentes culturas – ele sugere que em um mundo onde não houvesse roupas estaríamos todos liberados das relações de poder e da necessidade de criar atração sexual. Dá para imaginar?