O povo contra os jornalistas
Dunga era o vilão nacional. Mas aí ele brigou com a Globo e virou herói. Por que todo mundo ficou do lado dele?
Rafael Antonio
Todo mundo soube. Era o assunto na padaria, na corrida do táxi, nas mesas de bar. Durante a Copa do Mundo, o (então) técnico da seleção brasileira resolveu enfrentar a maior emissora de TV do país, que detém os direitos de transmissão dos jogos, fechando os treinos e proibindo entrevistas. Dunga e Globo entraram em um embate público. O treinador xingou um jornalista. A emissora usou seus programas para criticar o técnico. O público acabou escolhendo seu lado – e ficou com Dunga, que até então era um dos treinadores mais impopulares que a seleção já teve. No mesmo dia em que o Brasil jogou as quartas de final, logo depois da briga com a Globo, foi publicada uma pesquisa com o mais alto índice de aprovação do técnico: 69% dos brasileiros apoiavam o trabalho de Dunga – 20 pontos a mais do que quando ele convocou a seleção.
Mas por que a opinião pública preferiu ficar do lado do técnico controverso em vez do da emissora? Bem, porque poucas coisas despertam tanta desconfiança quanto a imprensa. Um levantamento da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, divulgado no fim de junho, mostra que apenas 18% dos brasileiros acreditam na mídia e que 72% creem muito pouco naquilo que é veiculado nos meios de comunicação. E é um sentimento mundial: nos EUA, uma pesquisa de 2007 da Universidade Sacred Heart, de Connecticut, mostra que só 24% dos entrevistados confiam nas informações veiculadas na mídia. A maioria dos americanos acredita apenas em algumas notícias. Mesmo nós, aqui da SUPER, constantemente recebemos cartas nos acusando de manipuladores, mentirosos ou tendenciosos.
O motivo para tanta raiva pode ser, bem, porque às vezes realmente a imprensa publica notícias um tanto… discutíveis. Exemplos não faltam. Apenas 3 dias depois da eliminação do Brasil da copa, diversos veículos publicavam manchetes na linha: “Apontado como um dos culpados pelo fracasso da seleção brasileira, o volante Felipe Melo pede para não ser responsabilizado”. Quem disse que Felipe Melo foi mesmo o vilão? Ele foi expulso aos 28 minutos do 2º tempo, quando o jogo já estava 2 a 1 para a Holanda. Ele conseguiria reverter essa situação se não tivesse sido expulso?
São exemplos como esse que tornam difícil tirar a pulga de trás da orelha dos leitores – mesmo quando os jornalistas fazem tudo certo. Somos cada vez mais questionados. E, com 73 milhões de brasileiros na internet, ficou mais fácil os questionamentos encontrarem público. Fóruns de discussão, blogs de análise, leitores atentos: todo mundo agora consegue apontar o dedo para o que a imprensa tem feito de errado. “A internet coloca em diálogo pessoas que antes estavam confinadas na condição de receptoras”, diz Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e ex-presidente da Radiobrás. E sim, quando essas pessoas se juntam, muitas vezes é para falar mal de nós.
A internet também deu aos leitores muito mais opção na hora de se informar. Para acontecimentos em qualquer canto do planeta, já é possível acessar um site local ou conversar com alguém que mora perto do que está acontecendo. Qualquer um pode virar distribuidor de informação. Um cálculo feito pela revista americana Seed mostra que, hoje em dia, 0,1% da população pode ser considerada produtor de conteúdo (escritores, blogueiros ou autores de twitters com mais de 100 seguidores, por exemplo). E esse número está aumentando 10 vezes ao ano. Em dois anos, calcula-se que teremos 10% da população produzindo informação. “Antes, os jornalistas tinham o monopólio da produção de conteúdo. Agora perderam isso”, afirma Ricardo Noblat, colunista de O Globo e autor de um dos blogs de política mais acessados do país. Isso é bom para o leitor – mas também deixa a imprensa mais vulnerável a críticas ou informações imprecisas.
Com tanta gente produzindo informação, é natural também que mais pessoas se incomodem com o que está sendo veiculado: estamos pisando no calo de mais gente. “As pessoas perceberam que há um poder excessivo de construir ou destruir na comunicação. E todo poder gigantesco acaba questionado. O Dunga foi na contramão da Globo e incitou grande parte da opinião pública que questionava esse poder”, diz Bob Fernandes, editor do Terra Magazine. E foi isso que o caso Dunga x Globo despertou: a possibilidade de se voltar contra o grande poder que a mídia tem.