Onde anda a imaginação?
Se os estudantes fossem incentivados a utilizá-la, certamente aprenderiam Matemática com mais facilidade.
Luiz Barco
Andam uniformizando a molecada que freqüenta escolas no Brasil. Sempre penso muito nesse problema, mas depois de uma conversa que tive recentemente com um amigo ele não me saiu mais da cabeça. Pai de um menino de 8 anos, o Gustavo, esse meu amigo estava intrigado com a maneira encontrada pelo garoto para resolver uma tarefa escolar. No final do ano, a professora pedira à classe de terceira série que representasse a história dos Reis Magos em uma folha com um quadrado dividido em quatro quadrados menores. O garoto pediu ajuda ao pai, que logo foi dizendo não ter jeito para desenho. Sem opção, pensou um pouco e fez o trabalho, deixando o pai orgulhoso com a solução encontrada, que você pode ver na ilustração abaixo.
Eu também achei a saída criativa, mas fiz um comentário cruel. “Amanhã, adulto, ele terá perdido essa espontaneidade e, formatado pela escola, provavelmente desenhará três camelos, três reis, três presentes e um menino numa manjedoura. Talvez até se esqueça da estrela.”
Sei que pareço meio pessimista mas, como educador, é o que tenho visto por aí. A escola ignora a individualidade, o que importa é o currículo: até tal idade a criança deve aprender a dividir por números de dois algarismos; até aquela, precisa conhecer rudimentos de álgebra e algo de geometria; até essa outra, tem que dominar trigonometria, matrizes, teoria das equações, um pouco de cálculo diferencial. Então, estará pronta para ir à universidade. Àquela que desejava? Nem pensar. Será aquela em que o pai, a mãe ou ambos foram reprovados no passado. Ou então a que um, outro ou ambos cursaram.
Não posso garantir que isso acontecerá com o Gustavo. Tomara que não. Mas há grandes chances de que aconteça. Você já vai entender por que faço tal afirmação.
No sábado seguinte à nossa conversa, coincidentemente, eu tive que substituir o professor de criação publicitária numa escola superior em que leciono e resolvi brincar com os alunos. Propus que fizessem o exercício que a professora solicitara ao aluno de terceira série e recebi, pouco depois, 53 desenhos praticamente iguais. Todos continham três reis, três camelos, três presentes e um menino na manjedoura. Mas, por favor, não os julgue com severidade. Muita gente escolarizada teria feito o mesmo. Houve, porém, um 54o estudante que apresentou algo diferente. Ele desenhou uma estrela, uma coroa, um presente e, por último, escreveu a palavra PAZ.
Quis saber de que escola vinha e como tinha sido a infância daquela cabeça não formatada e ele me contou: “Cresci num sítio e estudei em escolas simples. Meu pai tinha o hábito de contar histórias depois do jantar. Eu ficava deitado na rede e deixava a imaginação voar”.
Boa parte da matemática que se ensina depende do nível de abstração e do imaginário dos nossos alunos. Será que um dia teremos um dirigente educacional capaz de perceber que redes são mais baratas do que computadores e que professores felizes e bem remunerados não dão aulas, mas contam lindas histórias das artes e das ciências?
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo