Por que você nunca consegue cumprir as metas que traça pra si próprio?
Pensar mais no presente do que a longo prazo é uma herança dos tempos da caverna. Mas qualquer um pode driblar esse instinto - e se planejar decentemente.
Muita gente promete perder alguns quilos. Outros juram de pés juntos que vão parar de fumar. Alguns se obrigam a trabalhar mais…E a gastar menos. É uma força de vontade que só, uma concentração de energias e pensamentos rumo ao objetivo. Até que a promessa vai para o saco.
Pode chamar de síndrome da segunda-feira (o dia geralmente escolhido para o pontapé inicial dessas resoluções) ou síndrome do Ano-Novo, já que é comum o pessoal querer se renovar após o Réveillon. A essa altura do ano, é bem possível que você já esteja triste por não ter cumprido a listinha de atributos do seu “eu” versão 2018.
Só 12% dessas promessas são cumpridas, segundo um estudo do pesquisador Richard Wiseman, professor de psicologia da Universidade de Hertfordshire, na Inglaterra. Wiseman tirou essa conclusão depois de acompanhar as metas que cerca de 3 mil pessoas, entre americanos e britânicos, estipularam para si mesmas em 2007. Mas por quê, afinal, é tão difícil se comprometer consigo mesmo?
Ah, as distrações
Dê uma olhada ao redor: as tentações aparecem por toda a parte. O supermercado está cheinho de comida. Distração no meio do expediente não falta: tem celular, YouTube, pausa para o cafezinho. Cigarro, álcool e drogas sustentam o vício de quem busca prazer. Hoje é tão fácil atender às nossas vontades que somos constantemente estimulados a satisfazer nossa personalidade imediatista – aquela que quer tudo no presente.
Quando criamos uma meta e decidimos controlar alguma vontade, é porque acionamos a outra personalidade, a planejadora. Pensamos no futuro – calculamos os resultados que nossos atos vão gerar. Se concluirmos que é melhor evitar as consequências ruins, começa uma guerra entre os nossos lados imediatista e planejador. E o primeiro costuma ganhar. “É que o agora parece sempre mais concreto do que a recompensa que só virá no futuro”, diz Michelle van Dellen, professora de psicologia da Universidade da Geórgia, nos EUA.
Na verdade, o homem sempre foi condicionado a pensar mais no presente. É uma herança dos ancestrais dos tempos da caverna. Pense bem: naquela época, o homem dependia de seus instintos para sobreviver. Se tinha fome, lá ia ele caçar. Se ficava com frio, saía à procura de proteção. Eram tempos de escassez. Por isso, aquele homem vivia pensando no presente.
O que faltava naqueles tempos existe hoje de sobra. E parece que nós ainda não aprendemos a lidar direito com essa realidade tão generosa. “O homem de hoje é muito parecido com o das cavernas, no sentido de querer saciar imediatamente instintos como os de fome, preservação, prazer”, diz Robson Nascimento da Cruz, psicólogo e pesquisador da UFMG.
Ou seja: há mesmo algo em você trabalhando intensamente pra que suas metas fracassem. Por isso, não fique deprê se bombar no teste que você mesmo se impôs. Dê um jeito de consertar a situação.
Você x você
Dado que o inimigo é você mesmo, trate de impor limites a esse mimado. Ensine-o a ser prudente com algumas técnicas: castigos amedrontadores, uma boa dose de objetividade, apoio moral e um grupo de amigos persistentes. Começando pelo mais divertido: os castigos.
Pra isso existe o stickk.com, criado por Ian Ayres e Dean Karlan, respectivamente professores de direito e economia da Universidade de Yale. O site serve pra você se comprometer pra valer com suas metas – de papel passado e tudo. Na verdade, é um contrato virtual, no qual você declara sua meta e em que prazo pretende cumpri-la.
Além disso, é possível incluir um amigo como juiz, o que significa que ele fiscalizará seu comportamento e enviará relatórios ao site. E pode impor-se uma punição se fracassar, como dar dinheiro a uma causa que você não apoia. Tipo mandar uns dólares para George W. Bush, ex-presidente dos EUA e que deu início à invasão no Oriente Médio.
Não é piada – Zara Kessler, estudante de Yale, fez isso mesmo. Para ficar mais responsável, ela listou sete promessas no Stickk, como “não fuçar a vida dos outros no Facebook” e “fazer a cama diariamente”. Ela bem que tentou cumprir tudo, mas não deu. “Entrei no site e me declarei um fracasso”, disse em um depoimento publicado no The New York Times. Resultado: doou US$ 50 para a Biblioteca Presidencial George W. Bush, no Texas, dedicada à preservação da memória do ex-presidente americano.
A pena não foi suficiente para manter Zara na linha. Mas a estudante é uma exceção no site, como mostram os números. Entre os usuários que prometem dinheiro para uma instituição que odeiam e são monitorados por amigos, 80% cumprem as promessas. Só 25% têm sucesso quando deixam de se impor uma punição e de escolher um juiz.
Já deu pra ver que o medo funciona. Mas também há estímulos positivos eficientes. E aqui, os caminhos se dividem para homens e mulheres. Foi o que mostrou a pesquisa que Richard Wiseman conduziu em 2007. Para os homens, objetividade é tudo. Nada de pensar vagamente em parar de fumar. É preciso determinar alguns critérios aí: definir quantos cigarros por dia você vai fumar até parar. Ou focar-se nos benefícios que vai conseguir, como “Hum, com músculos como o do Cauã Reymond, vou ficar irresistível para a vendedora da banca de revistas”.
Homens que seguiram essas duas premissas tiveram uma taxa de sucesso nas metas 22% maior do que os outros no estudo de Wiseman. Já as mulheres precisam de um empurrão diferente.
“Elas têm mais sucesso quando contam a amigos e à família sobre sua resolução, ou quando são apoiadas a não desistir, mesmo que deem escorregadas”, diz o pesquisador. Aquelas que contaram com esse apoio moral aumentaram em 10% as chances de cumprir sua promessa, na comparação com aquelas que não tiveram esse apoio.
Se nada disso funcionar, parta para a última tática. Marque uns programas com seus amigos mais determinados – dá pra virar uma pessoa controlada quase por osmose. “O autocontrole é contagioso”, diz van Delle. Em um estudo realizado por ela, 36 americanos entre 18 e 25 anos fizeram um teste de coordenação motora.
Encerrada a prova, metade do pessoal foi orientado a pensar em um amigo com bom controle das próprias ações. A outra metade foi instruída a pensar em alguém descontrolado. Todo mundo teve de refazer o teste, e aqueles que pensaram em um bom exemplo de força de vontade tentaram resolver os exercícios por mais tempo. Ou seja, resistiram mais.
Dose o controle
Só tem um porém: autocontrole gasta. Quanto mais usamos, menos sobra. Foi o que mostrou uma pesquisa feita pelo psicólogo Roy Baumeister, da Universidade da Flórida, em 2003. Ele pediu a 67 estudantes que ficassem sem comer por 3 horas. Depois colocou os famintos, um a um, em uma sala fechada, diante de dois pratos: um com cookies recém-saídos do forno e outro com rabanetes.
A sala cheirava a chocolate, de propósito. Alguns dos estudantes foram instruídos a comer cookies, outros a comer rabanetes. Terminada a tarefa, todos tiveram de fazer um teste de lógica (que, eles não sabiam, não tinha solução). Resultado: os coitados do grupo do rabanete, tentados pelos cookies, desistiram mais rápido de completar a prova do que os outros.
“A tarefa de superar a tentação parece ter consumido a capacidade dos participantes, deixando-os com menos condições de insistir no teste”, escreve Baumeister. Na prática, o grupo do rabanete gastou toda a força de vontade na primeira tarefa. E ficou fraco demais para a segunda.
O segredo dessa escassez de controle sobre si próprio está numa substância chamada histamina, liberada em situações como o estresse. Ela nos ajuda a ficar alertas e, portanto, controlados. Segundo a pesquisa de Baumeister, o nível dessa substância no corpo cai quando passamos por uma tentação (aconteceu com os participantes).
Isso ajuda a explicar por que alguém que segue rigorosamente uma meta às vezes vacila em outra, como engordar depois de parar de fumar. Ou porque sentimos vontade de comprar uma loja inteira depois de controlar os gastos por um mês. É que esvaímos a cota de disciplina. Em outras palavras: não a use de uma só vez. Mantenha a linha dura consigo mesmo – mas não esqueça de liberar alguns agradinhos de vez em quando.
Para saber mais
Handbook of Self-Regulation
Roy Baumeister e Kathleen Vohs, 2007, The Guilford Press.
The Science of Self-Control
Howard Rachlin, 2004, Harvard University Press.