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Somos todos pecadores

Ninguém pode atirar a primeira pedra. E não é por acaso - mesmo os mais mundanos dos sete pecados capitais tiveram um papel crucial na evolução humana

Por Clarissa Barreto
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 1 fev 2013, 22h00

Há 40 anos, Roberto Carlos questiona: por que será que tudo que a gente gosta é ilegal, imoral ou engorda?

Porque até o rei é humano – e o pecado é inerente à nossa existência. É claro que a percepção dessas falhas de comportamento é muito anterior ao sucesso da Jovem Guarda. Os sete pecados capitais já haviam sido identificados pelos gregos e foram organizados na Idade Média pelo papa Gregório I. Em 1273, ganharam a forma atual pelas mãos de são Tomás de Aquino, na Suma Teológica, uma das bases dos dogmas católicos. E os sete pecados capitais – ou mortais – são aqueles que levam o pecador direto para os braços do capeta, no inferno.

Seja você cristão, muçulmano ou ateu, a mais famosa lista de pecados está entranhada no seu dia a dia. Em maior ou menor grau, cedo ou tarde, você vai esbarrar na gula. Ou na luxúria. Quem sabe um pouco de preguiça? Uma pitada de inveja, de avareza ou ira? Se você acha que nunca peca, creia: está sendo, ao menos, soberbo. Considerando ou não essas ações pecados no sentido literal da palavra, a verdade é que eles são parte integrante do nosso funcionamento como humanos – e há centenas de milhares de anos. “Em relação aos comportamentos categorizados como pecados capitais, a primeira coisa que sabemos é que todos se referem a processos neurobiológicos majoritariamente básicos, processos que envolvem largamente regiões primitivas do cérebro”, diz Pedro Furtado Calabrez, professor de filosofia e neurociência da ESPM-SP.

É lógico que fome e sexo são necessidades de primeira linha para a sobrevivência das espécies. Mas e que tal descobrir que a avareza, a raiva e até a inveja tiveram um papel fundamental na evolução humana? “Biologicamente, os pecados são ações que beneficiam a mim ou a meu grupo”, diz o biólogo Michael Soulé, professor emérito de estudos ambientais da Universidade da Califórnia, nos EUA.

Ou seja, é natural que os mais pecadores tenham se dado melhor ao longo do tempo. “Percebemos que os comportamentos e pensamentos categorizados no que chamamos de pecados estão, muitas vezes, enraizados na nossa biologia devido a processos evolutivos que trouxeram, de maneira direta ou indireta, sucesso reprodutivo para os genes de nossos ancestrais”, afirma Calabrez. Um exemplo é a luxúria. O professor afirma que nossos ancestrais com interesse maior por sexo e que obtinham grande prazer na prática tiveram maior sucesso reprodutivo. “Nós herdamos nossos genes desses ancestrais. Por isso sexo é parte tão crucial de nossa vida.”

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Impulsos controlados

Isso não quer dizer que tenhamos carta branca para sair afrontando o divino por aí – já que, se os pecados vêm das amídalas e das regiões mais primitivas do cérebro, contamos com as áreas mais desenvolvidas para frear os impulsos. Porém, são relativamente jovens: não competem de igual para igual com esses instintos antigos. “Fazemos dieta. Fazemos greve de fome. Fazemos votos de castidade. Mas, ao mesmo tempo, sabemos quão difícil é manter dietas, greves de fome e votos de castidade, entre tantas outras promessas que fazemos em relação aos nossos impulsos”, diz Calabrez. É que as estruturas evolutivamente novas do cérebro, responsáveis pelas funções superiores, como planejamento, ponderação e tomada de decisão, estão presentes na natureza há pouco tempo. Estima-se que o cérebro humano, tal como encontramos hoje, tem apenas 150 mil anos. “Se considerarmos que as primeiras formas de vida existentes datam de mais de 3 bilhões de anos atrás, percebemos que nosso cérebro é muito jovem”, afirma o especialista.

A região responsável por barrar os impulsos das amídalas é o córtex pré-frontal, uma fatia jovem do nosso cérebro. Estudos indicam que o número de conexões que vão das amídalas para o córtex é inferior ao número de conexões que se orientam na direção oposta. Isso pode explicar a dificuldade que temos em conter a raiva, por exemplo.

O ser humano é diferente, diz Calabrez. Essa desanimalização é crucial para a vida em sociedade. Se não fôssemos capazes de conter nossos impulsos básicos, viveríamos de maneira caótica. A questão é o que precisa ser refreado nesse processo. “Impulsos primitivos e emocionais podem ser fonte de bem-estar e felicidade, quando equilibrados, e de angústia e tristeza, quando não”, afirma o neurocientista. Mas essa medida quem dá é você.

Antídoto do pecado

Os sete pecados capitais não existem como uma lista formal na Bíblia, mas são tratados em diversas passagens do livro. São João Cassiano, padre da Igreja Católica no século 4, escreveu um tratado no qual apareciam oito pecados capitais – gula, luxúria, avareza, ira, melancolia, preguiça, orgulho e vanglória. A lista foi refeita pelo papa Gregório I no século 6, transformando-os em sete, e, no século 13, chegou ao formato atual. Segundo The Encyclopedia of Demons and Demonology, da especialista em assuntos paranormais Rosemary Ellen Guiley, em 1959, o demonologista alemão Peter Binsfeld relacionou cada pecado a um demônio, que estimula a falha. Mas há saída: na tradição cristã, as sete virtudes são antídotos contra os pecados – humildade contra soberba, paciência contra ira, temperança contra gula, diligência contra preguiça, caridade contra inveja, generosidade contra avareza e castidade contra luxúria.

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