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Época de colheita: Observatórios primitivos

Como os antigos sabiam qual a melhor época para plantar, colher e fazer suas festas religiosas? A ciência começa a descobrir as respostas - e elas são surpreendentes

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 30 abr 1988, 22h00

Maria Inês Zanchetta

Na planície de Salisbury, 140 quilômetros a sudoeste de Londres, na Inglaterra, está fincado um dos maiores mistérios da Europa – Stonehenge. Trata-se de um conjunto de pedras dentro de um círculo. Elas estão dispostas em forma de dólmens – uma pedra achatada sobre duas outras verticais. Ao que tudo indica, foram construídas há cerca de quatro mil anos, mas não se sabe quem as erigiu nem por quê. Os pesquisadores descobriram que algumas pedras usadas eram dali mesmo, enquanto outras foram trazidas de Gales, a nada menos que 300 quilômetros de distância. Os motivos que levaram os construtores a transportar pedras de até 200 toneladas por centenas de quilômetros são outro enigmaO certo é que, um dia por ano, os raios do sol nascente incidem diretamente sobre a chamada pedra do Calcanhar, a maior de todas, bem no centro do círculo. Esse dia – 21 de Junho – é o mais longo do ano e marca o solstício de verão no hemisfério norte ( e de inverno no hemisfério sul): o Sol nasce a nordeste, ao meio dia está sul e desaparece a noroeste. É possível, portanto, que Stonehenge fosse uma espécie de calendário ou que tivesse funções religiosas. Mas, como seus construtores não deixaram registros escritos, é difícil saber para que servia de fato o monumento. A suposição mais aceita é a de que Stonehenge fosse um observatório pré-histórico – por sinal o mais antigo da Europa, onde os pesquisadores já acharam vestígios de novecentos outros.Os povos primitivos, embora não tivessem desenvolvido instrumentos como a luneta – graças à qual o italiano Galileu Galilei pode revolucionar no século XVI as idéias que se tinha sobre o Universo -, aprenderam a observar o céu a olho nu. Seu interesse não era propriamente acadêmico – eles erguiam os olhos para descobrir por exemplo, qual a melhor época de plantar e colher e como se proteger das adversidades do clima. Consultavam também os astros para melhor se entender com seus Deuses. Os astecas, que habitaram o México entre os séculos XIV e XVI, costumavam observar o zénite, o ponto mais central do céu, para conferir a cada 52 anos se as Plêiades— uma das constelações mais brilhantes da Via Láctea—estavam ali. Pacientemente, os sacerdotes esperavam que elas se movimentassem —e respiravam aliviados. Era sinal de que o céu não estava parado e o mundo viveria outros 52 anos. Assim, com o Universo sob controle, os astecas podiam entregar-se a seus afazeres, como, por exemplo, promover sacrifícios humanos em homenagem aos deuses. Já os maias do sul do México, Guatemala e Honduras chegaram a registrar por escrito posições e órbitas de estrelas e planetas. Eles pareciam especialmente obcecados por calendários produziram pelo menos onze com finalidades agrícolas, sociais ou religiosas. Os conquistadores espanhóis, que não se distinguiram especialmente pelo respeito à vida e às tradições das culturas pré-colombianas que encontraram e destruíram quase todos esses registros, a pretexto de que se tratava de cosas del diablo.Um dos raros exemplares que se salvaram mostra a órbita de Vênus documentada num período de mais de cem anos. Os maias partiram do princípio de que Vênus girava ao redor da Terra, pelo menos, era o que enxergavam no céu e calcularam que cinco anos venusianos correspondiam exatamente a oito anos terrestres. Outro exemplo da observação astronômica maia está na cidade de Chichén Itzá, na península do Iucatã, México. É o observatório do Caracol, assim chamado pelos espanhóis por ter em seu interior uma escada em forma de caracol, semelhante à concha de um caramujo. A escada conduz a uma pequena cela onde três aberturas permitem observar o por-do-sol nos equinócios de outono e primavera de março e 23 de setembro no hemisfério sul. No hemisfério norte é o contrário. Nos equinócios, dia e noite duram o mesmo tempo.Meticulosos vigias do céu, os antigos egípcios, por sua vez, constataram há quatro milênios uma extraordinária peculiaridade: a cada 1461 anos, sempre no mesmo dia, a brilhante estrela Sirius se encontrava no mesmo lugar em que o Sol nascia. Compreende-se a perseverança dos egípcios: afinal, Sirius assinalava a data mais importante para eles: quando ela nascia a leste, anunciava a enchente do rio Nilo, cujo lodo fertilizava os campos e assegurava farta colheita. Já outros povos, como os índios hopi, do Arizona, nos Estados Unidos, não se guiavam pelas estrelas mas pelo Sol. Para isso, todos os dias anotavam cuidadosamente a posição em que o astro nascia na linha do horizonte.As observações dos hopi eram tão precisas que as datas mais importantes para sua agricultura, assim como seu calendário de festas e rituais, raramente estão errados em relação ao ano solar como o conhecemos hoje. Os hopi chegaram a ponto de determinar que, quando o Sol nascia atrás do pico de determinada montanha, era época de colher o milho. Se nascesse atrás de um pequeno platô, deviam colher os outros cereais. Ao contrário destes, os índios pueblos do Estado do Novo México nos Estados Unidos, faziam suas medições astronômicas utilizando monumentos de pedra por eles construídos como se supõe tenha sido o caso em Stonehenge, na Inglaterra. Um exemplo famoso são as pedras da Roca Fajada (rocha enfaixada, em espanhol). Essa rocha, num árido vale no noroeste do Novo México, suporta três enormes pedras que pesam cerca de uma tonelada cada. À direita das pedras, na parede da rocha, estão gravadas duas espirais: uma com nove voltas e meia, outra com duas voltas e meia. Depois de muito pesquisar, os cientistas verificaram que nos equinócios de outono e primavera uma delgada linha luminosa incide diretamente no centro da espiral menor. Esse e muitos outros monumentos de pedra, que às vezes têm a forma de círculos e anéis. intrigam os cientistas. Eles tentam relacionar tais construções com conhecimentos de Astronomia que se podem atribuir aos povos primitivos.Essa busca fez nascer já no final do século passado a Arqueoastronomia —como o próprio nome indica, um híbrido de Arqueologia e Astronomia. Em vários pontos do oeste dos Estados Unidos arqueoastrônomos encontraram anéis de pedra de vários tamanhos a que chamaram rodas de feiticeiro, por acreditarem que os índios lhes atribuíam poderes mágicos. A mais famosa delas foi descoberta em 1880, na cadeia de Big Horn, no Estado do Wyoming. Essa roda tem no centro elevações de pedra, das quais partem raios, também de pedra, dividindo-a em 28 setores. Supõem os cientistas que ela teria funções de calendário, já que vários desses raios apontam para o nascer de estrelas helíacas como Sirius e Aldebarã, que surgem antes do Sol (SUPERINTERESSANTE, ano2, nº3)Círculos de pedras foram localizados na Inglaterra, em Avebury, a norte de Stonehenge. O principal circulo tem pedras de até 60 toneladas, transportadas, ao que se presume, ao longo de muitos quilômetros, em trenós de madeira puxados a corda. Para os trenós passarem, centenas de árvores precisaram ser derrubadas numa área densamente florestada. Para ter uma idéia do trabalho de Hércules que foi a construção de Avebury, em 1938 doze homens recolocaram na posição original uma pedra de 8 toneladas; para tanto gastaram cinco dias, mesmo podendo utilizar cabos de aço. A experiência dá aos pesquisadores a convicção de que Avebury mobilizou sucessivas gerações até ficar pronta. Sua finalidade permanece um mistério.Mas é no Peru, a 400 quilômetros de Lima, que fica o que talvez seja o maior livro de Astronomia do mundo primitivo: as linhas e figuras do deserto de Nazca. Longas e retas, as linhas foram traçadas na areia coberta de pedra pelos povos que ali viveram, cuja identidade não é conhecida. Além delas, há uma série de enormes figuras de animais e desenhos geométricos, que só são reconhecíveis do alto (SUPERINTERESSANTE, ano 2, nº 4). Por isso, segundo o professor Márcio D’Olne Campos, diretor do Observatório a Olho Nu da Universidade Estadual de Campinas, “as pessoas tendem a ficar com a hipótese mais fácil e charmosa de que as figuras teriam sido traçadas por extraterrestres”. Atualmente, cientistas da Universidade de Colgate, no Estado de Nova York, estudam os sulcos de Nazca para avaliar se eles se alinham com os corpos celestes. Os primeiros indícios revelam que as linhas se relacionam, isso sim, com pontos de solstício e de equinócio. Mas a Arqueoastronomia não se dedica apenas a tentar decifrar os enigmas de construções ou de figuras misteriosas. Ela estuda igualmente os templos antigos, onde, além de render culto aos deuses, os povos se dedicavam a medir o tempo. E o caso da torre da fortaleza da cidade de Machu Picchu, a maior atração turística do Peru. Considerada inicialmente apenas um templo. revelou-se um observatório de alta precisão.A descoberta de uma certa marca de pedra entre as ruínas de uma câmara mortuária ali existente levou os arqueoastrônomos a supor que os incas sabiam calcular a órbita dos astros. Contudo. nenhum povo da Antiguidade chegou tão perto do céu como os egípcios e uma das provas mais sugestivas do grau de refinamento de sua Astronomia está no famoso templo do faraó Ramsés II, construído há 3 200 anos em Abu Simbel e transferido na década de 60 para Karnak. O templo foi projetado de tal forma que o faraó Ramsés II pudesse celebrar o trigésimo aniversário de sua subida ao trono, em 1274 a.C.. com uma espécie de milagre: no dia da festa. ao amanhecer, a luz do Sol atravessou duas pequenas salas e chegou ao escuro santuário iluminando exatamente o ponto onde havia uma estátua do faraó.

Para saber mais:

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Olhar eletrônico

(SUPER número 3, ano 1)

O mistério dos círculos

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(SUPER número 4, ano 4)

O céu dos primeiros brasileiros

Os índios brasileiros também observavam o céu e nele representavam a fauna e a flora da Terra. Mas, ao contrário dos astecas e maias, não foram muito além da costumeira relação entre o aparecimento de determinados astros as Plêiades, especialmente—e a mudança das estações. Alguns exemplos dessas observações são as inscrições em rochas encontradas na Paraíba. No leito do rio Ingá, a 85 quilômetros de João Pessoa, existe um painel com desenhos de plantas, seres humanos e animais, entremeados de círculos, cruzes e espirais — tudo gravado num bloco de pedra que divide o rio em dois braços. Esses desenhos eram chamados pelos indígenas de itaquatiaras (pedras lavradas, em tupi).Na grande pedra que repousa sobre o leito seco do braço esquerdo do rio, destacam-se desenhos de estrelas interligadas por traços que sugerem uma constelação. Sabe-se que à época do descobrimento, no século XVI, a região que viria a ser a Paraíba era habitada por três grupos de índios: os tupis, os tabajaras e os potiguaras. O maior pesquisador do assunto, o médico Francisco Faria, não dispõe de dados para atribuir a qualquer um deles a autoria dos desenhos. Além das itaquatiaras, a recente descoberta de uma gruta com pinturas de sóis, estrelas e cometas, no município baiano de Central, revela que ali pode ter existido o mais antigo observatório da América.Arqueólogos e astrônomos também pesquisam como os povos primitivos de hoje em dia recorrem ao céu para organizar sua vida. Assim, o professor Márcio Campos, da Universidade Estadual de Campinas, estuda de que forma os conhecimentos astronômicos dos índios caiapós do sul do Pará se relacionam com a arquitetura da aldeia, com seu calendário, mitologia e rituais. Os caiapós baseiam-se na posição das Plêiades para saber quando caçar, quando vai chover e quando fazer a festa que coincide com a chegada das águas. Campos descobriu o horário em que os caiapós observam o céu e a partir daí conseguiu montar um calendário com todos os eventos de sua cultura. “Para eles”, explica o professor, “os astros são como a folhinha dos brancos.” .

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