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A toalha de mesa que salvou o Natal

Em uma cidade menos decorada, as caixas de enfeites que temos em casa nunca foram tão necessárias.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 26 dez 2024, 11h30 - Publicado em 23 dez 2024, 10h00

Ouvir conversa alheia no transporte público é feio, mas irresistível. E, às vezes, útil: entre uma DR e outra, você pode descobrir se o próximo ônibus está atrasado, se vai chover amanhã ou se o filho da Viih Tube saiu do hospital (sim, saiu).

Manter as anteninhas de vinil em riste também pode te ajudar a confirmar algumas suspeitas. Na última semana, duas senhoras sentaram do meu lado no metrô e papearam sobre algo que, até então, eu achava não passar de uma simples (e provavelmente equivocada) impressão pessoal. 

“A Paulista costumava ser muito mais enfeitada no Natal”, disse uma delas. “A gente saía de casa só para isso!”, concordou a outra. Quase fiz coro ao lamento, mas já estava na hora de descer e fazer a baldeação.

Se você não é de São Paulo, talvez pense que a principal tradição da cidade nessa época do ano sempre foi visitar a árvore gigante do Parque Ibirapuera. Mais ou menos. A decoração é linda, claro – o problema é chegar até ela: são uns 20 minutos a pé da estação de metrô mais próxima (que só abriu em 2018), caminhando por vias nem um pouco amigáveis para os pedestres. Quem vai de carro precisa ter uma paciência digna da lista de bem-comportados do Papai Noel para encarar a fila por uma vaga.

Por essas, o grande rolê natalino do paulistano costumava ser andar pela Avenida Paulista à noite. Com três estações do metrô e um sem-fim de linhas de ônibus, era muito mais fácil dar uma passada por lá depois do trabalho do que arriscar uma visita ao Ibira e acabar preso no trânsito nefasto da 23 de Maio.

Na Paulista, os pisca-piscas se misturavam com as luzes dos postes e dos prédios, formando uma Noite estrelada de LED e concreto. Guirlandas, presépios e neve falsa transformavam agências bancárias em pontos turísticos tão simpáticos que você até se esquecia que havia entrado no cheque especial depois de comprar peru, tender e o presente do amigo secreto da firma (“Cacau Show, Márcia! Como é que você adivinhou?”).

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Para quem mora longe, atravessar a cidade para ver as decorações era um evento. Minha família se preparava com o rigor de uma viagem internacional. Da nossa caravana de Guarulhos iam pai, mãe, irmãos, tios, avós, primos, papagaio. O passeio era quase sempre 100% dentro do carro, e tudo bem: dávamos voltas pela Paulista como se ela fosse a pista arco-íris cheia de luzes do Mario Kart. Um barato.

Com o tempo, essas excursões acabaram. A gente cresce, os parentes se afastam, pais se separam, faz parte. Mas não foi só isso que minguou: há pelo menos uns dez anos, a decoração na Paulista é cada vez mais tímida.

Um Google rápido ajuda a entender por quê. Em 2015, a prefeitura de São Paulo não montou o palco de Natal na Paulista por falta de patrocínio (a cidade, porém, ainda organiza o show de Ano-Novo por lá). Os postes e o parque Trianon também deixaram de receber enfeites. Outro fator que contribuiu para o apagão foi a saída das agências chiquetosas do Bradesco e do Itaú, que encabeçavam a decoração na avenida. Hoje, alguns bravos resistem, caso do Conjunto Nacional e do Shopping Center 3, mas com adornos mais modestos.

Aqui no bairro, uma pequena rua com não mais do que 15 casas se transformava numa filial de Las Vegas todo fim de ano. Havia letreiros desejando boas festas, Papai Noel inflável e renas-robô que balançavam a cabeça. Passávamos por lá em várias noites de dezembro, geralmente depois de comer pizza nos meus avós. Gostava de pensar que os vizinhos competiam pela melhor decoração: quem perdesse varria a calçada do vencedor.

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Hoje, passo por lá e não há nenhum sinal desses tempos. Motivos não devem faltar: filhos que não seguiram a tradição, novos moradores com um quê de Grinch, a conta de luz insustentável… Sinto que a crise dos enfeites é cada vez maior. Da minha janela, são poucos os que arriscam um pisca-pisca.

O que pode ter enfraquecido o espírito natalino? A polarização política? A crise climática? O 7 a 1? Não sei. Mas refletir sobre isso tem me ajudado a entender sobre o que essa época do ano significa aqui em casa.

Meu Natal tem três certezas: o jantar será pernil em cubos, a sobremesa pavê de chocolate e a casa estará tão vermelha quanto um filme do Almodóvar. Encher a sala com velas no formato do Papai Noel e todo tipo de badulaques que você possa imaginar é um dos passatempos preferido da minha mãe. Nem os anos pandêmicos a impediram de tirar religiosamente as três (ou seriam quatro?) caixas de enfeites do armário.

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(Na verdade, acho que isso foi vital para tornar o isolamento em dezembro tolerável.)

Neste ano, minha mãe se desfaz de alguns enfeites – mas comprou outros logo depois (bom, Marie Kondo ficaria orgulhosa). Suspeito que, quando eu sair de casa, meu armário virará lar de algum Quebra-Nozes em tamanho real. E, quer saber? Me amarro nisso.

Não costumo nutrir expectativas para o fim de ano. Raramente viajo no Réveillon, e minha lista de resoluções é modesta (correr 10 km? Vamos tentar primeiro não faltar na academia). Champanhe e fogos de artifício são legais, mas dia 2 estarei batendo meu ponto eletrônico.

É por isso que gosto de ver a casa toda enfeitada. É como se arrumar para uma entrevista de emprego ou  um encontro: você não sabe o que esperar (e esperar demais costuma ser o caminho da decepção), então é melhor estar preparado, bonito e cheiroso seja lá o desfecho. Não sei como será 2025, mas as luzinhas da árvore me dão uma estranha, porém bem-vinda sensação de que estarei pronto para o que virá.

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No começo deste mês, nossas caixas de enfeite ganharam mais um item: uma toalha de mesa vermelha, que será usada na ceia. Minha mãe havia se esquecido de comprar – e jamais se perdoaria caso tivesse que receber visita com as opções velhas e desbotadas na gaveta.

Estávamos juntos no shopping quando a lembrei de comprar uma nova, e ela passou o resto do dia e o dia seguinte me agradecendo efusivamente por isso. Acho que nem na minha formatura eu a vi tão orgulhosa de mim. Valeu, Camicado.

Não sou supersticioso, mas sinto que essa toalha será o passaporte para um 2025 tranquilo. A ver. Pelo menos a foto do pernil vai ficar bonitona.

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