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Além do Dó, Ré, Mi: conheça a afinação turca que tem 53 notas musicais

Fora os instrumentos típicos, existem teclados – como esse da foto – que podem ser programados com essas frequências alienígenas aos ouvidos ocidentais. 

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 19 Maio 2023, 16h25 - Publicado em 19 Maio 2023, 16h23

Toda música é composta a partir de uma escala. Esse é o conjunto pré-determinado de notas que você vai ter à disposição para construir sua canção. É algo como determinar a paleta de cores de um quadro, por exemplo. 

A teoria musical do Ocidente se baseia nas escalas diatônicas, que possuem sete notas. Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si. Mas nosso sistema de afinação permite, ao todo, doze notas, e muitos estilos de música popular usam escalas de cinco, seis ou oito notas. 

Existem, porém, sistemas de afinação não ocidentais com um número brutal de notas. Dentre os mais conhecidos e estudados, um caso limítrofe é o da música tradicional turca, que usa 53 notas. Isso cria possibilidades sonoras alienígenas para nossos ouvidos. 

Dá só uma olhada neste teclado, desenhado para permitir 53 notas em vez das 12 de um piano comum (7 brancas e 5 pretas). A bem da verdade, ele é um coringa musical, que pode ser programado para dar conta de muitas outras afinações incomuns, com 31 notas ou 17 notas, por exemplo. O dito-cujo é fabricado pela empresa canadense Lumatone

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Para explicar como isso é possível, precisamos começar com uma pergunta mais básica: como um grupo étnico escolhe as notas que vão compor suas escalas típicas? 

Vamos lá: cada nota musical é uma frequência – ou seja, é o ar vibrando um certo número de vezes por segundo. Quanto mais aguda a nota, mais alta a frequência. E quanto mais grave, mais baixa a frequência.

Nosso ouvido, em condições platônicas, capta qualquer frequência entre 20 hertz (Hz) e 20.000 Hz. (Digo “platônicas” porque, na prática, só um bebê é tão sensível: adultos vão perdendo alcance com o passar da idade e a exposição a baladas, shows e outras formas de abuso dos tímpanos.)  

Isso significa que, pelo menos em teoria, há um número infinito de notas possíveis dentro da janela de percepção humana. 20 Hz. 20,1 Hz. 20,01 Hz e por aí vai. Haja opção. 

Na prática, porém, nossa sensibilidade é limitada. Ninguém é fisicamente capaz de perceber a diferença entre 20 Hz e 20,001 Hz. Se você aumentar um pouco a distância entre notas – digamos, para algo como 20 Hz e 22 Hz – o ouvido já será capaz de notar que se tratam de dois sons diferentes, mas eles soarão tão próximos que vão parecer duas versões desafinadas da mesma nota, e não notas distintas.

Isso obriga que exista uma distância mínima entre duas notas que você escolhe para sua paleta – uma distância que nos permita percebê-las como duas notas diferentes. Essa distância varia de cultura para cultura. O que um povo percebe como dissonância, outro vê como uma paleta de sons aceitável. 

Nem tudo é relativo, porém. Quando você toca duas notas juntas, algumas combinações de frequências soam naturalmente mais agradáveis que outras – e isso, até onde se sabe, vale para qualquer ser humano, esteja ele em Nova York ou em uma tribo isolada na Papua-Nova Guiné. 

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Essas combinações correspondem a frações redondinhas. A mais redonda de todas é 1/2 – quando você toca, por exemplo, uma nota de 400 Hz e outra de 800 Hz. Essas duas notas soam tão parecidas que nós as percebemos, na prática, como a mesma nota. Você ouve uma versão mais aguda e uma mais grave de um som idêntico. 

(Muito se discute se a oitava é universal ou se existem culturas em que 800 Hz são percebidos como uma nota diferente de 400 Hz. Mas, ainda que uma diferença interpretativa assim exista, qualquer ser humano consideraria essa combinação de sons extremamente consonante e estável.)

Depois da oitava, a dupla de notas mais estável é a quinta, que ocorre quando as duas frequências estão separadas por uma fração de 3 dividido por 2 (ou seja, 1,5). Por exemplo, 600 Hz e 400 Hz, ou 300 Hz e 200 Hz. Note que tanto faz quais são as frequências, desde que o resultado da divisão entre elas dê 1,5. É por isso que os músicos pensam em intervalos, como quinta e oitava, e não em frequências. 

As escalas musicais diatônicas do Ocidente foram construídas a partir de quintas. Você começa, por exemplo, no Dó. A quinta do Dó é o Sol. A quinta do Sol é o Ré. A quinta do Ré é o Lá. Pulando de quinta em quinta, sempre pegando a nota que tem uma relação de três meios (3/2) com a nota anterior, você vai obtendo todas as notas conhecidas. Até completar as doze do piano e voltar para o ponto de partida, que é o Dó. Tanto faz a frequência de partida, desde que a próxima frequência seja sempre 3/2 da anterior.

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Mas nem tudo são flores. O problema é que, se você completa esse círculo sempre usando a fração exata de 3/2, quando você chega na outra ponta, seu Dó está desafinado. Não é o mesmo Dó do começo; ele tem alguns hertz (bem perceptíveis) de diferença.

Por isso, os músicos do Ocidente optaram por um sistema (chamado temperado) em que você deixa todas as quintas um pouquinho imperfeitas e desafinadas em relação à fração ideal, de modo que a soma de todas as quintas chegue de volta a um Dó perfeitamente afinado ao final do ciclo de doze notas. É assim que cada piano, guitarra e baixo que você já ouviu funcionam. Todos estão um pouquinho desafinados. 

Agora começa a magia da coisa: você pode chegar no Dó desafinado ao final do ciclo e supor que ele é uma nota diferente, e não um Dó desafinado. E então continuar subindo quintas. Quando você realiza esse procedimento, você pode encerrar o ciclo 53 saltos de quinta depois, em vez dos 12 comuns. Com esse recurso, o último Dó fica muito mais perto do alvo. E você obtém quintas muito mais próximas do ideal platônico de 3/2. O que é bem agradável de ouvir. 

Além da afinação mais precisa, porém, o que esse procedimento gera é uma paleta muito maior de “cores” musicais: além de obter acordar mais próximos da perfeição matemática, nós também ganhamos acesso a notas intermediárias entre as notas que conhecemos, que parecem ligeiramente mais graves ou agudas do que o comum. 

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Dê só uma olhada, no vídeo abaixo, em um músico albanês tocando um instrumento de cordas – o çifteli – que usa uma escala turca, baseada na afinação de 53 tons. É um exemplo típico de música modal, em que uma corda solta mais grave soa o tempo todo e serve de base para melodias tocadas com a mão esquerda na corda mais aguda. 

Há muitas afinações além da turca que são usadas por outros povos e tem mais notas que o esquema típico do Ocidente. Vá seguindo as recomendações do YouTube, ele está cheio delas: 

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