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A bruxa que criou Harry Potter

Tímida e discreta, a inglesa J. K. Rowling já viveu com o dinheiro do seguro-desemprego. Hoje, graças ao sucesso do seu pequeno bruxo, é mais rica do que a rainha Elizabeth

Por Joana Monteleone
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 31 jul 2004, 22h00

Pode-se começar a falar de J. K. Rowling contando como ela criou o personagem de maior sucesso dos últimos anos, o menino bruxo Harry Potter. No final de 1994, sentada com a filha pequena num café escuro e empoeirado de Edimburgo, na Escócia, sua vida não parecia muito promissora. Como milhares de candidatos a escritores ao redor do mundo, ela sonhava em ter, ao menos, uma obra sua nas estantes das livrarias. Só não imaginava que a série de livros que vinha diariamente escrevendo a mão, entre um gole e outro de café, iria fazer com que, alguns anos depois, milhões de crianças em todo o mundo deixassem de ver televisão para ficarem quietas, encantadas com relatos sobre bruxas voadoras, dragões terríveis, vassouras mágicas e caldeirões de cobre.

Essa história começou, na verdade, muitos anos antes, em 31 de julho de 1965. Foi nesse dia que a menina Joanne, primeira filha do casal Peter e Anne Rowling, nasceu em Chipping Sodbury, perto de Bristol, oeste da Inglaterra. Essa data é importante não apenas para a família Rowling. É também um detalhe significativo para a legião de fãs de Harry Potter – que, por um capricho da escritora, comemora seu aniversário exatamente nessa data, dando pistas de que, em grande medida, o pequeno bruxo é um alter ego de sua criadora.

A infância da mulher que cria-ria histórias fantásticas nada teve de excepcional. “Minhas primeiras lembranças estão relacionadas ao nascimento de minha irmã, Dianne, quando eu tinha cerca de 2 anos”, conta a escritora em suas memórias. Mas a vida normal era apenas aparente. Por trás da fachada da casa de tijolos antigos de uma rua no subúrbio de Bristol, para onde havia se mudado com a família aos 4 anos, as duas irmãs brigavam como cão e gato, brincavam de fazer mágica e encenavam longas peças de teatro. Como outras crianças de suas idades, Joanne e Di pareciam ter a chave secreta para viajar pelo mundo da fantasia sempre que quisessem. O escritor brasileiro Monteiro Lobato chamava essa viagem de “pó de pirlimpimpim”. No caso das irmãs Rowling, não havia um pó, mas a imaginação das duas fazia um pequeno subúrbio inglês, com sua arquitetura monótona, servir de porta para outros mundos. “Eu me lembro bem da primeira história que escrevi. Era sobre um coelho. Eu tinha 6 anos”, recorda-se Joanne.

A infância e a adolescência foram períodos decisivos para ela, nos quais suas histórias começaram a ganhar alicerce. Joanne tinha 9 anos quando a família Rowling foi morar no campo, perto de um vilarejo chamado Tutshill, no País de Gales. “Era uma cidadezinha protegida por um castelo, que ficava no alto de uma montanha”, conta a escritora em seu diário eletrônico na internet. Sua casa era próxima ao cemitério da cidade, e os túmulos se tornaram palco de muitas brincadeiras dela com sua irmã. Naturalmente, o Halloween, a festa das bruxas, no dia 31 de outubro, passou a ser o feriado preferido das meninas.

Na mesma rua dos Rowling morava uma família de sobrenome Potter. Na casa, viviam um menino (Ian) e uma menina (Vicky), que costumavam brincar com as duas irmãs. Muitos anos depois, em 1990, durante uma viagem de trem lotado de Manchester a Londres, Joanne se lembraria dos vizinhos. Foi nessa viagem aparentemente chata que ela teve a idéia mais interessante e lucrativa de sua vida – a de escrever sobre a saga de um menino de sobrenome Potter. “A história foi concebida num repente. Fui obrigada a pensar nela durante as quatro horas que durou a viagem, pois não tinha caneta nem papel e tive vergonha de pedir emprestado”, conta.

Alguns anos antes, Joanne havia se formado em língua francesa na Universidade de Exeter. Escolhera este curso por pressão dos pais, que sonhavam em ver a filha seguir a carreira de secretária bilíngüe. Nessa época, Joanne trabalhava para a Anistia Internacional, em Londres. Demonstrava não levar jeito para secretária. Em vez de fazer as atas das reuniões, ficava rabiscando suas histórias no papel. Em dezembro de 1990, um acontecimento trágico: sua mãe, que sofria de esclerose múltipla, morreu. Abalada, Joanne resolveu viver um tempo em Portugal, na cidade de Porto, onde passou a dar aulas de inglês. Foi lá que, traçou o plano principal da história do menino bruxo: seriam sete livros, um para cada ano de Harry na escola.

Em Portugal, Joanne casou-se com o jornalista Jorge Arantes, pai de sua filha Jéssica. O casamento é um assunto tabu para a escritora. Uma biografia sua não-autorizada, escrita por Sean Smith, narra deta-lhes sobre a tempestuosa relação do casal, incluindo brigas em público. Quando Joanne e Arantes se separaram, sua filha Jéssica ainda era bebê. No final de 1994, Joanne decidiu se mudar com a menina para Edimburgo, na Escócia, para ficar mais perto de Di, sua única irmã. Estava determinada a concluir seu primeiro livro. Instalada num pequeno apartamento, Joanne passava o dia cuidando da filha e, quando a menina caía no sono, levava-a com um carrinho de bebê até o café mais próximo, onde passava horas escrevendo as aventuras de Harry Potter. Chegou a ficar deprimida com falta de perspectivas e de dinheiro, pois dependia do seguro-desemprego concedido pelo governo britânico.

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Quando, enfim, conseguiu terminar de escrever o livro, enviou o manuscrito a um agente literário. Recebeu o texto de volta, acompanhado de uma polida carta de recusa. Mas Joanne não desistiu. Teve mais sorte com o segundo agente literário, Christopher Little, que acreditou no potencial da história e a ofereceu à editora Bloomsbury. Em junho de 1997, o primeiro livro com as aventuras de Harry Potter foi lançado na Inglaterra. A Bloomsbury sugeriu que a escritora usasse as iniciais em vez do primeiro nome, por achar que leitores meninos poderiam ter preconceito em relação a um livro escrito por uma mulher. Como só tem um nome próprio, Joanne resolveu acrescentar a letra “K”, tirada do nome de sua avó favorita, Kathleen. Nasceu, assim, J. K. Rowling.

O primeiro livro, Harry Potter e a Pedra Filosofal, recebeu algumas resenhas elogiosas e não demorou a entrar na lista dos mais vendidos. Com o adiantamento que recebeu da editora, J. K. Rowling – que então se sustentava dando aulas de francês – pôde se dedicar exclusivamente à literatura. E não perdeu tempo. Escreveu as seqüências Harry Potter e a Câmara Secreta (1998), O Prisioneiro de Azkaban (1999), O Cálice de Fogo (2000) e A Ordem da Fênix (2003). Todos os livros viraram best-sellers. Os cinco títulos já foram traduzidos em 55 idiomas e venderam mais de 250 milhões de exemplares em 200 países.

O sucesso da série transformou a ex-desempregada numa mulher riquíssima quase da noite para o dia. Este ano, J. K. Rowling entrou na lista de bilionários da revista americana Forbes, com uma fortuna estimada em 1 bilhão de dólares. A escritora já é mais rica do que a rainha Elizabeth II, que, segundo a Forbes, tem uma fortuna pessoal de 660 milhões de dólares (sem contar os palácios e outras propriedades, considerados patrimônio do povo britânico). O êxito se repetiu no cinema. Os filmes baseados nos dois primeiros livros arrecadaram 1,8 bilhão de dólares. O terceiro filme, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, lançado no Brasil em junho, também já é um sucesso. A conta bancária de J. K. Rowling engorda ainda mais com os royalties pela venda de diversos produtos baseados em Harry Potter, de brinquedos a videogames, totalizando de cerca de 75 itens já licenciados.

Mesmo bilionária, J. K. Rowling não perdeu seu ar de pacata dona-de-casa. Uma de suas poucas extravagâncias foi comprar, em 2001, uma luxuosa mansão do século XIX no condado de Perthshire, na Escócia, onde passa a maior parte do tempo reclusa, dedicando-se ao seu principal – e lucrativo – hobby: escrever. Tímida, quase não dá entrevistas e raramente comparece a eventos sociais. Apesar da vida discreta, todos os fãs ficaram sabendo quando ela se casou com o médico anestesista Neil Murray, em dezembro de 2001, e deu à luz um menino, David, em março de 2003.

Como foge das badalações, seu rosto não é tão familiar para o público. Por isso, J. K. Rowling ainda consegue circular nas ruas sem ser incomodada. “Raramente sou reconhecida e fico muito feliz com isso. Gosto de ser uma pessoa anônima”, afirmou durante uma entrevista. O mesmo não poderia dizer o menino bruxo que ganhou vida nos cafés de Edimburgo e, anos depois, tornou-se muito mais famoso que sua discreta e rica criadora.

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Escola de feitiçaria

Os escritores que influenciaram J. K. Rowling

J. K. Rowling nunca negou que bebeu em várias fontes para criar a série do menino bruxo Harry Potter. Assídua leitora e de gosto eclético, ela tem alguns escritores britânicos favoritos, como Clive Staples Lewis (1898-1963), autor das Crônicas de Narnia, que em breve deverão ser filmadas pela Disney; Elizabeth Goudge (1900-1984), apontada pela própria J. K. Rowling como a autora que mais influência teve na criação de Harry Potter; e Louise May Alcott (1832-1888), autora de Mulherzinhas, um clássico da língua inglesa. Há muita especulação também sobre a influência do sul-africano John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973), que escreveu a trilogia O Senhor dos Anéis, na obra de J.K. Rowling. Ambos criaram mundos fantásticos, distantes da realidade cotidiana. Também inven-taram uma galeria de seres esquisitos e línguas estranhas. J. K. Rowling jura que essa influência não existe. Mas no caldeirão de misturas literárias usa-das pela escritora, os contos de fada estão em primeiro lugar. Elementos de Cinderela, Chapeuzinho Vermelho e Pe-queno Polegar aparecem em momentos distintos da história e dão às crianças uma confortável sensação de reconheci-mento ao ler a história de Harry Potter.

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A erva mágica

E se o nosso herói se chamasse Haroldinho Maconheiro?

Harry Potter não teve seu nome traduzido para o português, um padrão seguido hoje pelos mais gabaritados profissionais do mercado. Mas nem sempre foi assim. O poeta Carlos Drummond de Andrade, que verteu para o português muitas obras em prosa, chamou de Teresa a heroína francesa de um romance recentemente re-lançado com o nome de Thérèse Desquey-roux, de François Mauriac, prêmio Nobel de literatura. Se Lia Wyler, que traduziu Harry Potter para o português, tivesse optado pelo padrão antigo, um dos pos-síveis nomes para o personagem seria “Haroldinho Maconheiro”. Isso porque pot significa “maconha” em inglês.

Potter poderia, então, com muita malícia, ser entendido como “maconheiro”. Vale registrar que potter tem outros significados mais óbvios, como “oleiro” (fazedor de potes de argila) e “enlatador de conservas”. O que remete para um outro fato curioso. Nos anos 1980, a carga de um navio foi lançada ao mar, no Rio de Janeiro. Eram muitas latas de conserva – só que elas não tinham ervilhas nem atum. Estavam, na verdade, cheias de… maconha! Correu o boato de que ela produzia efeitos mais intensos que a maconha vendida nos morros cariocas. Isso rendeu uma nova gíria: “Essa é da lata” passou a significar maconha de alta qualidade.

 

Saiba mais

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Livros

J. K. Rowling – Uma Biografia por Trás do Gênio de Harry Potter, de Sean Smith, Sextante

A mais completa biografia não-autorizada de J. K., escrita por um ex-colunista de fofocas.

Conversa com J. K. Rowling, de Lindsey Fraser (org.), Panda Books

Série de entrevistas em que a escritora fala sobre como criou Harry Potter.

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Sites

https://www.jkrowling.com

O novo site da escritora simula sua mesa de trabalho. Traz biografia com fotos antigas e as últimas notícias.

https://www.harrypotterofilme.com.br

Feito por fãs e para fãs dos filmes sobre Harry.

 

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