As tentativas (frustradas) de colocar cheiros em sessões de cinema
No século 20, não faltaram iniciativas para combinar odores com o que se passava na telona. Conheça histórias de quem tentou criar experiências olfativas.
O que vem à sua mente quando se fala em experiência imersiva no cinema? Óculos 3D (um estorvo para míopes, que precisam equilibrar dois pares de lentes no nariz)? Talvez, quem sabe, cadeiras que se mexem em cenas de suspense e ação (um perigo para os desatentos, que precisão equilibrar combos de pipoca no colo)?
As cadeiras vibratórias surgiram em 1959. Foram uma jogada de marketing do diretor William Castle para promover o suspense Força Diabólica: pequenos motores, instalados aleatoriamente em alguns assentos, vibravam em pontos-chave do filme, provocando gritos da plateia.
Com o 3D, o primeiro uso comercial da tecnologia em um filme foi em The Power of Love, exibido em 1920 em Los Angeles. Já o primeiro registro de uma visualização tridimensional é ainda mais antigo: 1894 – um ano antes da invenção do próprio cinema.
Nenhuma dessas tecnologias, contudo, é o assunto deste texto. Aqui, vamos falar sobre um truque que já nasceu como um fracasso: colocar cheiros em sessões de cinema.
Essa história começa em 1939, durante a Feira Mundial de Nova York. Antigamente, feiras como essa funcionavam como um grande salão de inovações, no qual empresas e pessoas levavam invenções de diversas áreas do conhecimento. Máquina de escrever, telefone e até o ketchup Heinz foram apresentadas ao mundo em exposições do tipo.
Naquela ocasião, um professor suíço chamado Hans Laube apresentou o Scent-o-Vision (scent, em inglês, significa “cheiro”; vision é “visão”), um trambolho repleto de frascos capazes de armazenas fragrâncias diferentes. A máquina, por sua vez, era capaz de vaporizar os odores e canalizá-los através de tubos. O objetivo, como você já deve estar imaginando, era instalar isso em salas de cinema.
A ideia pode soar bizarra hoje, mas não era totalmente maluca naquela época. Basta pensar que, apenas alguns anos antes, em 1927, havia surgido o primeiro filme com som sincronizado – O Cantor de Jazz, que decretou o fim do cinema mudo.
Ora, se era possível captar o áudio dessa forma, por que não transmitir também o cheiro de cada cena? Nos anos 1940, o próprio Walt Disney considerou a ideia de mesclar aromas com a exibição de Fantasia. O projeto foi engavetado em função dos altos custos.
O esforço de Laube foi louvável, mas ninguém comprou a sua ideia. O Scent-o-Vision, então, foi condenado ao ostracismo nas duas décadas seguintes – até que um produtor de Hollywood resolveu tentar fazer dinheiro com ele.
A máquina de odores
No final dos anos 1950, a televisão se tornou onipresente nas casas americanas. Isso preocupava a indústria cinematográfica, que temia que os aparelhos afugentassem as pessoas das telonas. Consequentemente, diversas iniciativas começaram a pipocar aqui e ali para tirar o público de casa.
Uma dessas iniciativas partiu do produtor Mike Todd Jr. Em 1959, ele desenterrou a ideia de Laube, chamou o inventor para um novo projeto e entrou com um pedido de patente para o Smell-o-Vision. Na prática, era a mesma máquina, mas com um nome diferente (smell também significa “cheiro”).
O Smell-o-Vision era capaz de armazenar e canalizar até 30 fragrâncias diferentes. E olha só: tudo era ativado a partir da trilha sonora do filme, para que os odores sincronizassem com as cenas. Legal, não?
Só que ainda faltava um filme para promover toda essa empreitada. Foi aí que nasceu Scent of Mistery (algo como “O Cheiro do Mistério”), um suspense pensado especialmente para aproveitar a nova tecnologia.
O enredo é simples: um escritor de livros de mistério (Denholm Elliott) descobre um plano para assassinar uma socialite americana (papel da atriz Elizabeth Taylor, que chegou a ser casada com o pai de Todd, também produtor de Hollywood). O romancista decide, então, viajar até a Espanha para impedir o crime.
Várias cenas do filme foram pensadas para promover o Smell-o-Vision. Quando carros aparecessem, seria possível sentir o cheiro de gasolina, por exemplo. Odores de perfumes e grama também estariam disponíveis. Havia até um recurso narrativo que, vamos combinar, era interessante: durante boa parte do filme, o vilão aparece apenas projetado em sombras. Contudo, a ideia era que, sempre que ele surgisse, o cinema fosse tomado por cheiro de tabaco.
Havia grande expectativa quando o filme estreou, em fevereiro de 1960. Três salas de projeção foram equipadas com o Smell-o-Vision. Mas foi um desastre: a máquina fazia um barulho constante, parecido com o de um assobio, que distraía os espectadores. Além disso, os odores, fracos, não eram distribuídos uniformemente pela sala – e estavam dessincronizados com o que aparecia na tela.
A (pouca) qualidade do filme também não ajudou quando as primeiras críticas saíram. A produção até chegou a consertar os defeitos na máquina de odores posteriormente, mas o estrago estava feito. Resultado: prejuízo de US$ 15 milhões na bilheteria, em valores atuais. Em entrevistas, o diretor Jack Cardiff disse que se arrepende do projeto – e que gostaria de apagá-lo da memória.
A batalha dos cheirosos
Todd Jr. não era o único envolvido com a mistura de cinema e olfato naquela época. No final da década de 1950, outra tecnologia, a AromaRama, também tentou unir as duas coisas.
O AromaRama foi ideia de Charles Weiss, um executivo de relações-públicas. A tecnologia, que chegou a ser anunciada na CBS, popular rede de TV americana, prometia conter mais de 100 aromas (laranja, incenso, fumaça, piche, entre outros), que seriam liberados através do sistema de ar-condicionado das salas de cinema.
Diferentemente do Smell-o-Vision (e, talvez, para sair na frente dele), Weiss não estruturou um filme do zero para divulgar a novidade. O AromaRama, então, seria lançado junto com Behind The Great Wall (“Por Trás da Grande Muralha”), um documentário italiano que narra uma viagem pela China.
O filme saiu em dezembro de 1959 – menos de dois meses antes de Scent of a Mistery. Na época, a revista Variety, especializada em cinema, chamou a atenção para as duas novidades olfativas, no que ela chamou de “a batalha dos cheirosos”. Só faltou combinar com a crítica – que não achou nem um pouco agradável.
“[Depois da sessão] enchi alegremente os meus pulmões com aquele adorável ozônio de Nova York, carregado de fumaça. A cidade nunca cheirou tão bem.” Esse é o relato de Bosley Crowther, então crítico da cinema do New York Times, após sair da sua primeira (e provavelmente única) experiência com o AromaRama.
“Em vez de potencializar a experiência cinematográfica, os cheiros acabaram fornecendo algo brevemente estranho e não muito interessante – mais ou menos como um efeito especial excessivamente barulhento”, escreveu para o Smithsonian Magazine Leo Braudy, historiador e crítico de cinema. Brady, que hoje leciona na Universidade do Sul da Califórnia, experimentou tanto o Smell-o-Vision quando o AromaRama nas sessões de Nova York.
Raspadinha fedorenta
Com a má-recepção do público e o prejuízo nas bilheterias (aliados à dificuldade técnica), os projetos de misturar filmes com cheiros acabaram engavetados. Mas, nos anos 1980, um diretor resolver reviver a experiência olfativa – mais como forma de homenagem do que qualquer aspiração para revolucionar a sétima arte.
Em 1981, John Waters escreveu e dirigiu Polyester, uma comédia de baixo orçamento estrelada por uma dona de casa do subúrbio dos EUA. Na história, ela descobre uma série de coisas em relação à sua família: o caso extraconjugal do marido, a gravidez da filha e um fetiche por pés potencialmente perigoso do filho. Pois é.
O enredo de Polyester pode não saltar aos olhos – ainda que o filme tenha recebido críticas positivas na época do seu lançamento. Mas o mais interessante, aqui, é a homenagem feita por Waters ao Smell-o-Vision e ao AromaRama: o Odorama.
A tecnologia desenvolvida por Water era bem mais simples (e barata) que a dos seus antecessores. O Odorama era uma cartela com dez números – como uma raspadinha da TeleSena –, cada um com um cheiro diferente. A brincadeira era fazer com que os espectadores, munidos com os seus cartões, raspassem os números conforme eles aparecessem na tela durante o filme.
O Odorama foi distribuído em sessões de Polyster e junto aos VHS e DVDs do filme. Dentre os cheiros presentes no cartão, estão o de rosas, gasolina e pizza (veja a lista completa aqui). “Para mim, contudo, todos eles se aproximaram vagamente do aroma de orégano”, relatou Brady. Neste vídeo do canal The Royal Ocean Film Society, dá para ver algumas pessoas testando a brincadeira.