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O dia em que a Coca-Cola comprou um estúdio de cinema

Em 1982, a empresa decidiu se aventurar no mundo do entretenimento e adquiriu a Columbia Pictures. O negócio, contudo, não durou nem dez anos.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 31 out 2020, 17h46 - Publicado em 31 out 2020, 17h24

O que Karatê KidOs Caça-FantasmasTootsieGandhi têm em comum? Ora, todos são clássicos dos anos 1980 e foram lançados pela Columbia Pictures, um dos mais tradicionais estúdios de cinema de Hollywood, certo?

Sim, caro leitor perspicaz. Mas mais do que isso: os quatro, junto com outras dezenas de produções, estrearam na época em que a Columbia funcionou como uma subsidiária da maior empresa de bebidas do mundo: a Coca-Cola.

A empresa pagou caro pelo estúdio: US$ 750 milhões – US$ 2 bilhões, em valores atuais. O negócio, porém, durou pouco. Sete anos depois, em 1989, a Columbia foi vendida novamente, para a Sony. Mas, para contar a história deste curioso acordo do showbiz, é preciso, antes, um pouco de contextualização.

Da farmácia ao cinema

O refrigerante escuro que você toma no Natal (e, convenhamos, em qualquer época do ano) nasceu na cidade de Atlanta, no sul dos Estados Unidos, em 1886. É invenção de John S. Pemberton, um farmacêutico que havia criado um tônico cujos principais ingredientes eram a cocaína, vinda das folhas de coca, e noz-de-cola, rica em cafeína. Pemberton se baseou numa antiga fórmula que levava, ainda, álcool.

De início, a bebida foi vendida como remédio, para aplacar dores e doenças. Vendida diretamente no copo, foi um sucesso, e não demorou para que Pemberton criasse uma empresa (a The Coca-Cola Company, em 1892), para comercializá-la em larga escala. Ah, e pode ficar tranquilo: a cocaína saiu da lista de ingredientes em 1903.

A Coca-Cola logo se tornou sinônimo de refrigerante – isso se deve, em grande parte, à publicidade massiva que a empresa sempre fez. Foi nos anos 1930, por exemplo, que o Papai Noel começou a estrelar campanhas da bebida. O bom velhinho, diga-se, já era representado com roupas vermelhas, mas a Coca foi a responsável por consolidar o visual simpático e rechonchudo.

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Depois da Segunda Guerra Mundial, a Coca-Cola cresceu ainda mais. Em 1946, adquiriu a alemã Fanta; em 1960, entrou no mercado de sucos ao comprar a Minute Maid Corporation (que, no Brasil, chama-se Del Valle); em 1961, a empresa criou o refrigerante de limão Sprite.

Apesar da onipresença, nos anos 1970, as vendas da Coca-Cola foram menores do que o normal. Uma das responsáveis por isso foi a Pepsi, sua principal concorrente e que, ali, iniciou a chamada “guerra das colas” – uma disputa pela liderança do mercado das bebidas cheias de açúcar.

Desde 1963, quando Donald M. Kendall assumiu a presidência da companhia, as vendas da Pepsi dispararam (até 1986, elas aumentariam em 40 vezes). Motivo: uma forte campanha de marketing, a “Desafio Pepsi”, que começou em 1975, no qual as pessoas, em testes às cegas, eram convidadas a experimentar as duas bebidas – e escolhiam a Pepsi.

Além disso, a empresa investiu na campanha “Geração Pepsi” para se tornar uma marca jovem e descolada – e colocar a Coca como algo velho e antiquado. Cada vez mais, as propagandas traziam artistas e esportistas para reforçar essa ideia.

Isso obrigou a Coca-Cola a agir. Roberto Goizueta, que se tornou presidente da companhia em 1981, assumiu a tarefa de diversificar os negócios – e evitar que a imagem que a Pepsi tentava criar da Coca se firmasse. Foi aí que a empresa olhou para Hollywood.

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Querida, compramos um estúdio

Em janeiro de 1982, o New York Times deu a notícia que a empresa de bebidas estava próxima de comprar a Columbia Pictures. A venda foi concluída em junho daquele ano.

Criada em 1920, a Columbia foi responsável por clássicos da chamada Era de Ouro de Hollywood, como a comédia Aconteceu Naquela Noite (1934), vencedora de cinco Oscars, além das produções dos Três Patetas e dos primeiros curtas de Batman e Superman.

A Columbia quase sempre esteve entre os “Big Five”, os cinco maiores estúdios de Hollywood. No passado, estúdios como a RKO, a United Artists e a 20th Century Fox (que hoje pertence à Walt Disney Company) já fizeram parte do clubinho, que, atualmente, é formado por Columbia, Universal, Warner Bros, Paramount e, claro, Disney.

No início dos anos 1980, a Columbia não era a líder de bilheteria (em 1981, ela ficou em quarto lugar, empatada com a Fox), mas vinha de bons sucessos, como Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), Kramer vs. Kramer (1979), A Lagoa Azul (1980) e Recrutas da Pesada (1981). Annie, adaptação do musical homônimo da Broadway lançado no final de 1982, foi o primeiro blockbuster (custou US$ 107 milhões, em valores atuais) sobre o qual a Coca pôde lucrar.

A empresa, contudo, não estava interessada apenas nos lançamentos para a telona. Nos anos 1980, a TV a cabo, um importante setor da indústria do entretenimento, estava se consolidando nos EUA. Com isso, os estúdios de cinema ganharam novos clientes: os canais por assinatura, que buscavam conteúdos para transmitir. Em 1981, a HBO (o primeiro canal do tipo, criado em 1972), fechou um acordo de exclusividade com a Columbia para exibir seus filmes antigos. Isso sem contar o crescimento do mercado de home videos, com a popularização dos videocassetes.

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A reportagem do New York Times ressaltou também outro potencial interesse da Coca-Cola: a Gottlieb, uma empresa de máquinas de pinball e arcades adquirida pela Columbia em 1976 e que, com a Coca, poderia receber mais investimentos – e alçar voos maiores. Bem, não rolou.

Logo da divisão de TV da Columbia com o símbolo da Coca-Cola embaixo.
(Columbia Pictures/Reprodução)

Sob nova direção

As coisas iam de vento em popa. Gandhi, cinebiografia do líder indiano estrelada por Ben Kingsleyvenceu oito prêmios no Oscar de 1983, incluindo o de Melhor Ator, para Kingsley, e Melhor Filme – até hoje, há uma réplica da estatueta no museu da Coca-Cola, em Atlanta. Tootsie, comédia estrelada por Dustin Hoffman, recebeu dez indicações naquele ano.

Em 1983, a Columbia se meteu em um novo empreendimento. Junto com a HBO e a CBS, uma emissora de TV aberta, criou um novo estúdio, a TriStar Pictures. A ideia era simples: a joint venture (nome chique para “parceria”) serviria para dividir os custos de produção, para evitar grandes prejuízos caso alguma produção fracassasse. HBO e CBS se interessaram na proposta – afinal, eles teriam exclusividade na transmissão dos produtos da TriStar.

Contudo, poucos meses após a Coca-Cola assumir a Columbia, os funcionários do estúdio perceberam que as coisas não seriam fáceis. “Eles não sabiam nada de filmes, e não se importavam a ponto de aprender”, disse Frank Price, que comandava a Columbia naquela época, no episódio sobre Os Caça-Fantasmas da série Filmes que Marcam Época, da Netflix.

O longa, aliás, é um bom exemplo dessa relação conturbada, já que, por pouco, ele não acabou engavetado. “Eles não achavam que uma comédia com efeitos especiais caros daria retorno financeiro”, disse Frank, que, pelas divergências com a Coca, saiu do estúdio para chefiar a Universal Pictures.

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A produção de Os Caça-Fantasmas foi intensa. Entre o “ok” de Price para as filmagens e a estreia do filme, em 8 de junho de 1984, foram apenas 13 meses. E, como se não bastasse o prazo apertado, o diretor, Ivan Reitman, tinha outro problema: o nome “Ghostbusters” já existia. Pertencia a uma série da Filmation Studios – o estúdio por trás do He-Man. Por meses, a Columbia tentou, sem sucesso, adquirir os direitos do título. A Coca, que já não botava muita fé no projeto, não insistiu nas propostas.

Ao invés disso, a empresa bolou um plano B: gravar o filme duas vezes, uma com o nome “Ghostbusters” e outra com um título alternativo, “Ghostbreakers”, para o caso do acordo com a Filmation não vingar. As filmagens rolaram desse jeito, até que a ideia “genial” se mostrou insustentável – e sem sentido. A situação só foi resolvida porque a Filmation era, veja só, uma empresa da Universal. Frank, ao assumir o estúdio, permitiu a cessão do nome. Haja sorte.

A Coca-Cola interferia não apenas por trás das câmeras, mas também com o que rolava na frente delas. Os filmes eram a vitrine perfeita para seus produtos – uma técnica conhecida como product placement, em que objetos, como uma latinha de refri, integram a cena propositalmente, como na imagem de Bill Murray no início do texto.

Essas interferências, claro, incomodavam parte da equipe criativa dos filmes. Em Karatê Kid (1984), Ralph Macchio, que interpretou Daniel Larusso, foi obrigado a dizer “Minute Maid” durante uma cena de café da manhã. Em outro momento, na oficina do Sr. Miyagi, Ralph escondeu com a mão o logo de uma lata de Sprite. Contrariado, ele refez a cena – desta vez, mostrando a marca pelo menor tempo possível.

Olá, Sony

Nessa época, a Columbia aumentou seu envolvimento com programas televisivos – mais baratos que longas-metragens, eram uma aposta financeira muito mais segura. Foi com essa área que a Coca-Cola ganhou uma grana com o sucesso de programas como Jeopardy! Wheel of Fortune – uma espécie de Show do Milhão Roda-Roda dos EUA. Em 1986, a TV, que correspondia por um terço da receita do estúdio, passou a representar 85%.

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Contudo, em 1987, a Columbia lançou um dos maiores fracassos da sua história: a comédia Ishtar, estrelada por Warren Beatty e Dustin Hoffman. Custou US$ 55 milhões, mas arrecadou apenas US$ 14,4 milhões – um preju de US$105 milhões, em valores atuais. A crítica detestou: alguns, inclusive, classificam-no como um dos piores filmes de todos os tempos.

A bomba de Ishtar foi o estopim para algo que os acionistas e executivos mais antigos da Coca já pensavam em fazer: pular fora do inconstante mercado do entretenimento. O negócio era mesmo fazer refrigerante.

Em 1987, a companhia começou a se afastar da Columbia. O estúdio se fundiu com a TriStar, que, na época, já não contava mais com as participações da HBO e da CBS. A nova empresa, então, foi renomeada como Columbia Pictures Entertainment, com um valor de mercado de US$ 7,1 bilhões (em valores atuais). A Coca ainda manteve 80% das ações do estúdio – o plano, porém, era diminuir rapidamente essa fatia para 49%.

Em 1989, após um ano de negociações, a fabricante japonesa de eletrônicos Sony anunciou que iria comprar a Columbia pelo equivalente a US$ 7,8 bilhões atualmente. Na época, o vice-presidente da Sony nos EUA, Michael Schulhof, disse ao jornal Los Angeles Times que a decisão fazia parte da “a estratégia de longo prazo da Sony de construir um negócio de entretenimento total em torno da sinergia de hardware e software de áudio e vídeo”.

A afirmação foi um prenúncio da entrada da Sony no mundo do entretenimento. Cinco anos depois, em 1994, ela lançou o primeiro PlayStation, um dos consoles mais vendidos da história. Nos anos seguintes, a empresa lançaria vários outros filmes de sucesso, como Homens de PretoO Código da Vinci e toda a franquia do Homem-Aranha.

Aliás, fica o desafio: você já percebeu que, em filmes da Columbia, todo mundo só usa produtos da Sony? Videogames, televisores, celulares… Um dos benefícios em ser dono de um estúdio de cinema, afinal. Só não vale exagerar: em O Espetacular Homem-Aranha 2, a presença da marca foi tão grande que virou piada.

 

 

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