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Conheça os poemas de Louise Glück, vencedora do Nobel de Literatura 2020

A autora americana foi premiada "por sua inconfundível voz poética que, com beleza austera, torna universal a existência individual".

Por Carolina Fioratti
Atualizado em 8 out 2020, 18h25 - Publicado em 8 out 2020, 16h31

Nesta quinta-feira (8), foi anunciada a vencedora do Nobel de Literatura de 2020. Contrariando apostas, a ganhadora foi Louise Glück, poeta e ensaísta americana de 77 anos que aborda em seus textos temas como a morte, solidão e as relações familiares. 

Para muitos brasileiros, o nome soa como novidade, mas isso tem uma explicação: a obra da autora nunca foi traduzida no País. Por outro lado, seu talento é aclamado nos Estados Unidos. Entre os prêmios da autora, estão o Pulitzer, em 1993, por seu livro The Wild Iris (A Íris Selvagem, em tradução livre), e o National Book Award, em 2014, com a obra Faithful and Virtuous Night (Noite Fiel e Virtuosa, em tradução livre).

A última poeta a receber o Nobel foi a escritora polonesa Wislawa Szymborska, em 1996, que aborda em seus textos a ciência, a natureza e o amor. Quanto a Louise Glück, o comitê comunicou que o prêmio se deve a “sua inconfundível voz poética que, com beleza austera, torna universal a existência individual”.

O Nobel do ano passado foi repleto de polêmicas. Em 2018, a premiação havia sido adiada após 18 mulheres relatarem terem sofrido assédio sexual por Jean-Claude Arnault, um fotógrafo casado com uma das integrantes da Academia. Arnault e sua esposa também vazavam nomes dos vencedores para casas de apostas francesas. Então, o Nobel de 2019 teve que juntar os vencedores: A polonesa Olga Tokarczuk ficou com o prêmio de 2018 e o austríaco Peter Handke levou o de 2019.

Como se não bastasse, Peter Handke também se envolveu em confusão. O escritor era um apoiador do ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic, que foi responsável por ordenar o genocídio de mais de 8 mil bósnios de religião muçulmana na década de 90. Sua premiação atraiu muitos olhares negativos. Por conta disso, a escolha de Glück é como um respiro para o comitê. 

Michael Schimidt, que trabalha com a escritora na editora Carcanet, disse ao The Guardian que “Ela não é, de forma alguma, uma voz para qualquer causa – ela é um ser humano engajado na língua e no mundo. E eu acho que há uma sensação maravilhosa de que ela não é polêmica, e talvez seja isso que está sendo celebrado. Ela não é uma pessoa tentando nos persuadir sobre nada, mas nos ajudando a explorar o mundo em que vivemos. Ela é uma poeta esclarecedora. Não parece haver muito engajamento político em seus poemas. Eles são realmente sobre o ser humano individual, vivo no mundo e na língua”.

Os poemas de Glück parecem trazer muitos pontos de sua própria vida, e a artista nunca negou este fato. Por outro lado, Anders Olsson, presidente do comitê do Nobel, explicou que ela não é uma “poeta confessional”, mas sim alguém que “aspira ao universal”. Além disso, a escritora também costuma retrabalhar com a mitologia grega e romana, trazendo personagens como Perséfone, a deusa do submundo. 

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Por enquanto, nenhum dos livros da autora foi lançado no Brasil, mas alguns tradutores trouxeram o gostinho de seus poemas. Confira:

Matins

Unreachable father, when we were first

exiled from heaven, you made

a replica, a place in one sense

different from heaven, being

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designed to teach a lesson: otherwise

the same — beauty on either side, beauty

without alternative — Except

we didn’t know what was the lesson. Left alone,

we exhausted each other. Years

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of darkness followed; we took turns

working the garden, the first tears

filling our eyes as earth

misted with petals, some

dark red, some flesh colored —

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We never thought of you

whom we were learning to worship.

We merely knew it wasn’t human nature to love

only what returns love.

 

Matinas*

Pai inalcançável, quando nós fomos originalmente

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expulsos do paraíso, você criou

uma réplica, um lugar de alguma maneira

diferente do paraíso, sendo

planejado para ensinar uma lição: por outro lado

a mesma — beleza em cada lado, beleza

sem alternativas — Exceto que

por não sabermos qual era a lição. Deixados sós,

nós exaurimos uns aos outros. Seguiram-se

anos de trevas; nos revezamos

trabalhando no jardim, as primeiras lágrimas

encheram nossos olhos conforme a Terra

ficou turva com pétalas, algumas

vermelho-escuras, outras cor de carne —

Nós nunca pensamos em você

a quem aprendíamos a venerar.

Nós apenas sabíamos que não é da natureza humana amar

somente aquilo que retribui o amor.

*Tradução de André Caramuru Aubert, escritor e historiador, retirada do jornal literário Rascunho.

 

Gratitude

Do not think I am not grateful for your small

kindness to me.

I like small kindnesses.

In fact I actually prefer them to the more

substantial kindness, that is always eying you

like a large animal on a rug,

until your whole life reduces

to nothing but waking up morning after morning

cramped, and the bright sun shining on its tusks.

 

Gratidão**

Não pense que não sou grata por tuas pequenas

gentilezas.

Gosto de pequenas gentilezas.

De fato as prefiro à gentileza mais

substancial, que está sempre a te cravar os olhos,

feito um grande animal sobre o tapete

até que tua vida inteira se reduza

a nada além de levantar manhã após manhã

embotada, e o sol luminoso rebrilhando em seus caninos.

**Tradução de Pedro Gonzaga, poeta e tradutor, retirada da revista de cultura Estado da Arte.

 

The Wild Iris

At the end of my suffering

there was a door.

Hear me out: that which you call death

I remember.

Overhead, noises, branches of the pine shifting.

Then nothing. The weak sun

flickered over the dry surface.

It is terrible to survive

as consciousness

buried in the dark earth.

Then it was over: that which you fear, being

a soul and unable

to speak, ending abruptly, the stiff earth

bending a little. And what I took to be

birds darting in low shrubs.

You who do not remember

passage from the other world

I tell you I could speak again: whatever

returns from oblivion returns

to find a voice:

from the center of my life came

a great fountain, deep blue

shadows on azure seawater.

 

A íris selvagem***

No final do meu sofrimento

havia uma saída.

Me ouça bem: aquilo que você chama de morte

eu me recordo.

Mais acima, ruídos, ramos de um pinheiro se movendo.

Então, nada. O sol fraco

cintilando sobre a superfície seca.

É terrível sobreviver

como consciência,

enterrada na terra escura.

Então tudo acabou: aquilo que você teme,

se tornando

uma alma e incapaz

de falar, encerrando abruptamente, a terra dura

se inclinando um pouco. E o que pensei serem

pássaros lançando-se em arbustos baixos.

Você que não se lembra

da passagem de outro mundo

eu te digo poderia repetir: aquilo que

retorna do esquecimento retorna

para encontrar uma voz:

do centro de minha vida veio

uma vasta fonte, azul profundo

sombras na água do mar azul.  

***Tradução de Camila Assad, escritora e tradutora, retirado do portal de notícias G1.

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