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Coringa: uma conversa com Joaquin Phoenix

Batemos um papo com o ator, e também com Todd Phillips, diretor de "Coringa". E eles explicam por que o longa subverte os filmes de super-herói.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 7 fev 2020, 19h49 - Publicado em 26 set 2019, 21h52

Se Beber, Não Case; Escola de Idiotas; Um Parto de Viagem. À primeira vista, é difícil imaginar que Todd Phillips, diretor de todas essas produções, um dia estaria envolvido em um filme como Coringa – dramático, tenso e violento.

Joaquin Phoenix, por outro lado, é conhecido por interpretar papéis excêntricos – o que combina muito com sua personalidade. Quando ele foi confirmado como o vilão, muita gente comemorou: a opinião geral era que o palhaço cairia como uma luva para ele.

Em julho, fui até Los Angeles para uma conversa com os dois. Antes do prêmio no Festival de Veneza e das recentes polêmicas sobre a repercussão da violência do filme, Phillips e Phoenix bateram um papo com jornalistas que conferiram uma primeira versão do longa.

Todd foi o primeiro a falar conosco. Surpreendentemente, ele estava nervoso ao entrar na sala. Era a primeira vez que ele conversaria com pessoas que assistiram ao filme (a primeira entrevista sobre Coringa foi publicada na revista Empire, mas sem que os jornalistas tivessem visto o longa). Além de responder as perguntas, Phillips também queria saber o que tínhamos achado.

Depois, foi a vez de Phoenix. O intérprete do palhaço vestia camiseta branca, calças jeans e um surrado tênis All Star que, com certeza, já havia vivido dias melhores. Mesmo com esse visual, foi difícil, de início, desassociá-lo do personagem que, poucas horas atrás, tocava o terror em Gotham City usando um paletó roxo. Mas deu certo. Abaixo, você confere os principais pontos abordados nas entrevistas.

(Warner Bros/Divulgação)

O começo da ideia

Phillips foi o idealizador de Coringa. Em 2016, ele apresentou o projeto para os executivos da Warner, mas revela que não foi nada fácil convencê-los. “Não foi algo da noite para o dia”, disse ele. “Basicamente, eu estava dizendo para pegar um personagem com 75 anos de legado consolidado e criar uma história de origem a ele.”

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A ideia do diretor era usar o mundo das histórias em quadrinhos como pano de fundo para fazer o que ele chama de “filmes de estudo de personagem”: histórias como Um Estranho no Ninho, Serpico O Rei da Comédia, este último uma das grandes inspirações para Coringa.

“Nos últimos cinco, dez anos, os filmes de super-heróis dominaram o cinema. Eles são ótimos, mas não permitem uma abordagem profunda do personagem principal.” Phillips cita A Rede Social, sobre a história de Mark Zuckerberg, criador do Facebook, como um exemplo recente do tipo de produção que ele queria fazer.

Phillips conta que, nas primeiras conversas com o pessoal da Warner, sua sugestão era que a DC Comics criasse um selo de filmes independentes. O “DC Black”, como ele mesmo chamou, serviria para que diretores criassem histórias originais, sem a necessidade de estarem amarradas com o universo cinematográfico de Liga da Justiça, Esquadrão Suicida e cia.

“Claro que, para a Warner, filmes independentes são aqueles cujo orçamento é de US$ 50 milhões, mas o legal dessas histórias é que elas não precisariam ter grandes efeitos especiais, explosões ou prédios caindo.” A ideia não vingou, mas Phillips conseguiu que Coringa saísse do papel.

Dupla dinâmica

Phoenix foi a primeira escolha para o personagem principal. Na verdade, Phillips escreveu o roteiro com ele em mente. “É um dos grandes dessa geração”, elogia o diretor. Mas a primeira reação do ator não foi bem nessa linha.

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“Quando recebi o convite, pensei: ‘De jeito nenhum vou fazer isso!'”, disse o ator. Phoenix estava relutante pois não fazia ideia de qual seria a abordagem ideal. Mas assim que Phillips apresentou suas ideias para o filme, ele mudou de opinião.

“O fato desse Coringa dar risadas quase que de forma dolorosa me deixou bastante interessado”, conta Phoenix. “Nunca havia pensado nisso.” Joaquin disse que foi a visão de Phillips sobre o personagem que o fez encarar o papel. “Todd sabia o que estava fazendo. Era o cara certo para dirigir esse filme.”

A dupla dinâmica, então, estava formada. Os dois mergulharam de cabeça na produção. “Nós íamos para o set duas horas antes do início das filmagens e, depois que o dia terminava, conversávamos por mais duas horas sobre o filme”, lembra Phoenix.

Quadrinhos? Hoje não

Tanto Phillips quanto Phoenix bateram na mesma tecla durante a conversa: Coringa não é uma adaptação dos quadrinhos. “É claro que consultamos algo aqui e ali, afinal, não criamos o personagem nem Gotham City”, esclarece o diretor, que cita A Piada Mortal, de 1989, como uma dessas fontes de consulta esporádica. “Mas nós tivemos liberdade para fazer o que quiséssemos.”

Todd se baseou, principalmente, nas lembranças que tinha das histórias que lia quando criança. Ele defende que a ideia, desde o começo, era fazer algo com o máximo de originalidade – opinião compartilhada por Phoenix. “Eu não quis fazer algo baseado em algum quadrinho ou performance anterior”, disse o ator. “Era importante que seguíssemos nosso próprio caminho.”

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Ora, se as páginas dos gibis não foram o foco da inspiração, o que seria? Resposta: anos 1970. “Foi nessa época que, na minha opinião, foram feitos os maiores filmes de estudo de personagem”, confessa Phillips. O diretor, então, revisitou os longas da época, como os dirigidos por Martin Scorsese: Taxi Driver, Touro Indomável, O Rei da Comédia…Todos eles, veja só, estrelados por Robert De Niro, que, não por acaso, está em Coringa.

“Foi incrível tê-lo no elenco, pois além da homenagem, ele faz toda a conexão com a época em que o filme se passa”, disse Philips. No longa, De Niro vive o papel de um famoso apresentador de televisão – um dos ídolos de Arthur Fleck (Phoenix). Mas não se deixe enganar pela participação especial. “Eu diria que o filme é 95% Joaquin.”

A construção do personagem

Sem as versões do vilão dos quadrinhos como base, Phoenix e Phillips tentaram criar uma versão mais humana para o personagem. Fleck é um cara desajustado, que sofreu bullying e tem traumas de infância. O desafio da dupla era grande: como transformar uma pessoa vulnerável (e que gera empatia no público) em um vilão enlouquecido?

Phoenix conta que as primeiras cenas gravadas foram as que ele está totalmente vestido como o Coringa. Para ele, apesar da dificuldade inicial em achar o tom do personagem, o processo inverso o ajudou na composição de Fleck. “Dessa maneira, pude entender melhor como o palhaço vivia dentro daquele cara, e como ele foi lentamente evoluindo até chegar no Coringa.”

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Para a maquiagem, a produção elaborou mais de 100 versões de rostos de palhaço, até que Todd definiu qual seria. Outra parte difícil de definir foi a risada do Coringa. Phoenix confessou que demorou até encontrar uma versão que o agradasse, e disse só resolveu esse problema quando as filmagens já tinham começado.

“Eu lembro que, certo dia, chamei Todd até em casa para lhe mostrar a risada que estava criando”, conta Phoenix. “Ele sentou no meu sofá e eu ri na frente dele por mais de três minutos, sem dizer mais nada. Dava para ver que ele estava claramente desconfortável com aquilo”, ele relembra, rindo.

Outro momento curioso das filmagens foram as cenas (que estão no trailer, nada de spoilers) em que Joaquin aparece dançando. O ator se inspirou nos passos de The Old Soft Shoe, uma apresentação de 1957 do ator Ray Bogler (que viveu o Espantalho de O Mágico de Oz) e que está no YouTube. Mesmo assim, ainda faltava algo: a música.

“Por sorte, na noite anterior à cena do banheiro, eu recebi as primeiras trilhas do filme, feitas pela Hildur Guðnadóttir”, disse Phillips. Hildur, que é da Islândia, começou a compor para Coringa mesmo antes de ver as filmagens. “Foi algo realmente impressionante e nos ajudou muito, pois quando toquei a música no set, a dança fluiu.”

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Three weeks till #joker. Thanks for the pic 📸@austinhargrave @hollywoodreporter

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Há um futuro para Coringa?

Quando perguntados sobre uma possível sequência, ambos desconversaram. “Acho que vai depender da audiência”, disse Phoenix. “Isso é com o estúdio, mas eu topo fazer qualquer coisa que envolva o Joaquin”, falou Phillips.

O ponto é que Coringa não precisa de uma continuação. “A ideia do ‘DC Black’ foi pensada justamente para proteger esse filme.” Phillips também negou que o próximo Batman, dirigido por Matt Reeves, vá se conectar de alguma forma com o longa. Mas não escondeu o desejo de comandar outra história independente. “Meu herói favorito é o Demolidor, mas se pudesse, adoraria fazer um filme sobre o Rorschach [personagem de Watchmen] nessa mesma pegada intimista.”

A recente controvérsia

Nas últimas semanas, criou-se uma discussão em torno da violência do filme –  e o que ela poderia incitar. Para alguns críticos, Coringa pode ser potencialmente perigoso por, de certa forma, enaltecer um personagem mau, fazendo com que pessoas se identificassem com ele da maneira errada.

Nos EUA, por exemplo, o Exército tem tomado cuidado para que ataques não aconteçam durante a estreia do longa. A polêmica chegou até Phoenix: recentemente, ele abandonou uma entrevista após ser questionado se o filme poderia inspirar pessoas com os mesmos problemas do Coringa a fazer o mesmo que o vilão.

O papo com Phoenix e Phillips, porém, aconteceu antes de tudo isso. Mas ambos defendem que o personagem nunca foi pensado como alguém com distúrbios mentais ou com o qual as pessoas se identificariam (e defenderiam). “Eu sempre acreditei que, de um jeito ou de outro, filmes funcionam como um espelho, que reflete o que está acontecendo com a sociedade naquele momento”, disse Todd. “Nosso objetivo era que a história funcionasse de maneiras diferentes para cada pessoa que assistir. (…) E se elas começarem a discutir a partir do filme, é uma coisa boa.”

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