Já para fora de casa!
No Brasil, as condições conômicas tornam o ato de sair de casa um privilégio, diferente dos EUA.
Fernanda Campanelli Massarotto
Criamos os filhos para o mundo.” Lembro de ter ouvido essa frase quando tinha 15 anos. Apesar de não ter dado muita atenção na época, logo percebi como eram sábias as palavras da minha mãe. Saí de casa aos 19 anos, partindo de Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, para a capital paulista. Era tudo o que sempre havia sonhado: faculdade e liberdade.
Longe dos olhos e da proteção dos pais (sem falar na roupa lavada e passada), me descobri dividindo pela primeira vez um quarto com uma desconhecida e um banheiro com outras 26 universitárias. Chorei na primeira noite. Na segunda reclamei da falta da televisão. Em um pensionato de freiras tudo passa a ser compartilhado. Do telefone público (o aparelho mais desejado pelas adolescentes) às frutas deixadas na geladeira.
Até então, nunca tinha acreditado na afirmação sofrer é crescer. Afinal, atingir a maioridade sempre significou liberdade, ou seja, fazer tudo o que era proibido na adolescência. Ao pisar fora do território familiar, me deparei com as vantagens e as desvantagens de viver só. Tarefas domésticas como lavar a roupa, passar, fazer supermercado e cozinhar ganharam prioridade. Anos depois, quando fui estudar na Inglaterra, lembro da cena de um garoto de 17 anos, numa lavanderia, colocando duas enormes trouxas de roupa em três máquinas de lavar. Meias, toalhas e panos de prato dividiram a mesma água e o mesmo sabão em pó. O resultado foi catastrófico: peças esverdeadas e a certeza de que manter a roupa limpa, passada e sem manchas não é fácil.
Em diversos países, sair de casa jovem é um rito de passagem natural para a vida adulta. Uma espécie de serviço militar obrigatório para deixar de lado a dependência doméstica e provar que é possível se virar sozinho. Nos Estados Unidos, alguns estudantes preferem morar em alojamentos universitários mesmo quando a casa dos pais está localizada na mesma cidade. Além de ser encarado como uma forma de aproveitar ainda mais os anos da universidade, há uma certa pressão familiar para que os filhos cortem logo o cordão umbilical com os pais.
Nos países de cultura latina, a situação é outra. Uma pesquisa publicada em 1996 na Espanha revelou que, apesar da taxa de desemprego ser o dobro da taxa alemã, boa parte dos jovens desempregados espanhóis viviam melhor dos que os sem trabalho da Alemanha porque viviam com os pais.
No Brasil, as condições econômicas tornam o ato de sair de casa um privilégio. Mas é claro que essa não é a única razão para ver tantos jovens de classe média – muitos deles com mais de 30 anos – protegidos no ninho dos pais. Além das diferenças culturais, há uma certa mentalidade que não estimula a autonomia dos jovens no país. Talvez o traço mais visível dessa mentalidade seja a resistência que os jovens brasileiros têm para aceitar trabalhos considerados “menos nobres”. É incrível como, por aqui, tarefas como trabalhar em fast-foods, servir mesas em restaurantes e carregar malas em hotéis são vistas com menosprezo. Os pais também são culpados disso. Preferem ver os filhos fazendo nada sob suas asas a tê-los exercendo uma atividade “não tão nobre” como primeiro emprego. Em vez de se orgulharem de vê-los batalhando seu espaço no mercado de trabalho, ficam preocupados com o que as outras famílias vão pensar – como se eles não fossem capazes de sustentar sua prole.
É bem provável que esse comportamento típico da classe média brasileira seja uma herança da velha mentalidade da casa grande nas antigas fazendas, quando as famílias abastadas preparavam os seus filhos para se tornarem bacharéis e deixavam para os escravos todas as outras tarefas.
Sem a disposição para ganhar dinheiro antes de receber um diploma, perde-se a oportunidade de desenvolver o espírito empreendedor e de ganhar auto-suficiência para realizar tarefas domésticas. Ironicamente, boa parte dos jovens brasileiros somente ganham essa autonomia quando podem estudar em outro país. Lá fora, trabalhar como baby-sitter e regar plantas para complementar a renda é algo absolutamente normal.
É normal no Brasil ver jovens entediados clamando por autonomia sentados no sofá em frente à televisão. Mas como alguém pode ser independente sem ralar um pouco pela própria grana e pelo próprio futuro?
Jornalista, ex-correspondente do jornal O Globo na Itália
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