Marshall Berman
O autor de Tudo que é Sólido Desmancha no Ar fala do seu novo livro e da vida urbana em Nova York, São Paulo e Brasília.
Jerônimo Teixeira
Quando era menino no Bronx, em Nova York, o escritor Marshall Berman ficava fascinado toda vez que escutava que vivia …………….numa cidade “moderna”, num edifício “moderno”. Desde então, dedicou boa parte da sua vida à tentativa de decifrar o que é, enfim, a modernidade. O resultado, nos anos 80, foi o livro Tudo que é Sólido Desmancha no Ar (Companhia das Letras), um ensaio de fôlego sobre o tema, que inclui da poesia de Baudelaire ao Manifesto Comunista de Marx e Engels, do Fausto de Goethe às reformas urbanas de Nova York ao longo do século XX. Berman logo se destacou como um dos últimos intelectuais capazes de falar com a mesma desenvoltura de literatura, política e arquitetura.
Além do recente Aventuras no Marxismo (Companhia das Letras) – uma coletânea de ensaios sobre a influência de Marx na sua vida –, está escrevendo sobre um dos lugares mais glamourosos de Nova York: a Times Square. Berman concedeu a seguinte entrevista enquanto estava de passagem por Porto Alegre, no mês de agosto, onde falou em um encontro promovido pelas faculdades de Arquitetura e Letras da PUC, poucos dias antes dos atentados terroristas que mudaram a fisionomia de Nova York. Curiosamente, Nova York foi um dos temas centrais da entrevista, assim como outras cidades – incluindo as metrópoles brasileiras.
Super – Sobre o que é Aventuras no Marxismo?
É uma coleção de ensaios que escrevi desde os anos 60. O texto mais recente foi escrito especialmente para o livro. É autobiográfico, sobre como me transformei no tipo particular de marxista que sou. Fala da minha família, do meu pai, de como eu senti que ele foi destruído pela sociedade comercial (o pai de Berman morreu de enfarte após revézes nos negócios). Quando eu era um adolescente, meu sentimento era: “Desgraçados! Eles o mataram! Eu vou destruí-los”. Mas quem são “eles”? Tive, então, um professor que me ensinou que a política da vingança é mais horrível do que eu poderia imaginar. Ele me direcionou para os manuscritos de juventude de Marx, que haviam sido publicados há pouco. Fui a uma livraria comprá-los, a 50 centavos cada um – eram livros azuis. Lembro a data e a editora: The Foreign Language Publishing House (Editora de Línguas Estrangeiras), Moscou, 1956. Comprei 20 cópias e dei a vários amigos.
Você continua achando que o capitalismo hoje, no modelo americano, é desumano?
Uma vida dedicada somente ao dinheiro e à dominação é desumanizadora. A crítica à sociedade comercial que estava lá em Marx ainda se sustenta. O curioso é que esses mesmos livros publicados por Moscou, que li na juventude, também foram lidos pelas pessoas que formaram a nova esquerda nos Estados Unidos. Nosso slogan era “democracia participativa”. Mas tudo o que fizemos foi canalizado para o Vietnã, pela necessidade de resistir a uma guerra que foi se tornando cada vez mais estúpida e cruel. Pusemos energia demais tentando parar algo, o que nos deixou sem reservas para outras lutas. Mas creio que ajudamos a interromper a guerra. Quando os papéis e as fitas de Nixon foram divulgados anos depois, ficou claro que uma das coisas que limitaram as suas ações bélicas foi a extensão dos protestos. Havia gente que queria jogar a bomba, ou bombardear represas e inundar o Vietnã. Kissinger provavelmente era um deles.
Enquanto isso, nos países comunistas, os mesmos livros publicados por Moscou para difundir o marxismo terminaram servindo para criar uma oposição dentro desses regimes. Foi uma prova de que quando o Estado está controlando tudo, as pessoas podem ser ainda mais alienadas.
Uma das preocupações em Tudo que é Sólido Desmancha no Ar é a de que as pessoas possam reivindicar a rua e a cidade onde vivem como o seu lugar. Você acha que o novaiorquino perdeu esse direito com a política de tolerância zero do prefeito Giuliani?
Algumas regiões continuam muito dilapidadas, outras melhoraram. Manhattan está passando por um grande boom imobiliário. Se eu estivesse indo para Nova York hoje, não poderia pagar moradia. Se eu tivesse filhos recém-saídos da faculdade, eles teriam que viver no Brooklyn, ou Queens ou em Nova Jersey. A boa nova é que muitas regiões que estavam muito dilapidadas no Brooklyn, no Queens ou em Nova Jersey foram revitalizadas porque estão sendo ocupadas por gente jovem, na casa dos 20 ou 30 – gente que tem trabalho e algum dinheiro para gastar. Vizinhanças que pareciam cortiços 20 ou 30 anos atrás hoje são lugares fascinantes, cheios de vida. O Harlem, que esteve tão dilapidado, está se tornando de novo um lugar excitante. Algumas pessoas reclamam que os brancos estão entrando lá e blá-blá-blá. Mas quando os brancos não estavam lá, havia quarteirões inteiros em ruínas.
Você é muito crítico em relação ao planejamento de Brasília, à sua falta de espaços públicos….
Acho que já se disse demais contra Brasília. Claro, eu não gostaria de viver lá. Depois de uma palestra em Porto Alegre, um rapaz de cerca de 20 anos veio me procurar. Já havia morado em Brasília. Disse que tinha saudade da cidade – que a ausência de espaços públicos tornava possível que as pessoas de lá fossem autênticas em contextos privados. Brasília não tem ruas populosas, mas teria alguns clubes que, segundo ele, são maravilhosos. Eu disse que ele deveria escrever sobre isso – sobre como pode ser maravilhoso viver em Brasília. Eu não acredito nisso, mas, enfim, uma boa parte da história da cultura consiste em pessoas criando utopias a partir dos materiais mais improváveis. Por outro lado, Brasília também está ficando mais velha e mais desalinhada. Minha impressão é de que as cidades ficam mais interessantes desalinhadas, bagunçadas.
Coisas novas podem acontecer, uma contracultura pode se desenvolver – e parece que já se desenvolveu, com bandas de rock cujo vigor vem justamente do ódio do lugar onde viveram. Há muitos casos assim, de escritores que escrevem com ódio sobre o lugar de onde saíram. John Steinbeck, por exemplo, escrevia sobre o Vale Salinas, na Califórnia, mas passou três quartos da sua vida longe de lá, e teria morrido se fosse obrigado a voltar para lá.
E São Paulo?
Parece muito com Los Angeles: você precisa de um carro se quer ir a qualquer lugar. Por outro lado, tem muitos lugares fascinantes como Los Angeles. Se você tem carro, pode ir de um lugar fascinante para outro. Se não tem, está perdido. São Paulo me parece mais fechada que o Rio, uma cidade onde se pode caminhar mais. No Rio, é mais fácil andar pela cidade e ver o que ela oferece – a pobreza inclusive, mas também a beleza. Quando estive no Brasil pela primeira vez, em 1987, visitei muitas favelas em São Paulo. As pessoas lá tinham empregos, entravam nos ônibus para ir trabalhar na segunda-feira de manhã. Empregos vinculados ao parque industrial de São Paulo. As indústrias que abandonaram as cidades americanas, de que eu falei antes, muitas vezes foram para lugares como São Paulo. E há algo de muito excitante em uma cidade industrial, ainda que as pessoas não se dêem conta disso. Somente quando esses espaços são desocupados, as pessoas passam a enxergar a beleza deles.
Você acha que há alguma forma específica de vida urbana moderna no Brasil que tornaria suas cidades diferentes de Nova York ou Londres?
Não sei. O Brasil tem muitos países diferentes. Porto Alegre tem muitos descendentes germânicos. Salvador tem muitos negros. São Paulo é uma cidade ocupada com o trabalho, com os negócios, de uma maneira diferente das outras cidades brasileiras – em um certo sentido, São Paulo tem a textura de Los Angeles, mas em outros, parece mais com Pittsburg ou Detroit.
Frase
“Há algo de muito excitante numa cidade industrial, ainda que as pessoas não se dêem conta disso”