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Massive Attack uniu povos indígenas, metaleiros e os próprios fãs em prol do clima

Em meio à COP, show em São Paulo foi um misto de apresentação musical com campanha política junto aos povos originários.

Por Eduardo Lima
Atualizado em 17 nov 2025, 21h56 - Publicado em 17 nov 2025, 19h01

“Mais um?” Já passavam de 22 horas de quinta-feira (13) quando ouvi alguns engomadinhos na pista premium do show do Massive Attack, em São Paulo, começando a ficar impacientes.

Robert “3D” Del Naja e Grant “Daddy G” Marshall, membros fundadores banda britânica Massive Attack, subiriam ao palco em poucos minutos – mas era a vez dos povos indígenas falarem. Foram três discursos num momento de protesto que durou pouco mais de 10 minutos.

O Massive Attack fez um show especial durante a COP30, conferência do clima da ONU que está acontecendo em Belém. Para isso, eles chamaram a banda de metal Cavalera, dos irmãos e fundadores do Sepultura Iggor e Max Cavalera, além de organizações indígenas para compartilhar o palco.

Fundado em 1987, Massive Attack é uma banda de trip hop, gênero que o próprio grupo ajudou a criar na cidade de Bristol. Mistura samples de soul, rock, dub e jazz com as baterias de hip-hop e das subculturas de música eletrônica e psicodélica que floresciam no Reino Unido na década de 1990.

A ideia do show em São Paulo era divulgar a campanha “A Resposta Somos Nós”, que foca nas propostas dos povos originários para combater a crise climática. A tônica dos discursos das lideranças e das bandas era a mesma: proteger os territórios dos povos da floresta é essencial para proteger o clima.

Lideranças indígenas da campanha
Lideranças indígenas da campanha “A Resposta Somos Nós” discursam durante show do Massive Attack. (Gustavo Oliveira) (Gustavo Oliveira/Superinteressante)

Não é achismo: um relatório da ONU divulgado em 2021 revisou mais de 300 estudos publicados desde o começo do milênio e concluiu que os melhores guardiões das florestas tropicais da América Latina e do Caribe são os indígenas. Dados do MapBiomas mostram que, entre 1990 e 2020, territórios demarcados na Amazônia perderam 1% de sua área de vegetação nativa, enquanto áreas privadas perderam cerca de 20%.

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Quem abriu a noite foram os metaleiros da Cavalera. Eles tocaram músicas do Chaos A.D., álbum lançado em 1993 pelo Sepultura, que trata de conflitos territoriais e brutalidade policial, e fecharam com uma favorita dos fãs do álbum Roots, de 1996, que teve algumas faixas gravadas com ajuda de indígenas xavante.

Além de um interlúdio de bateria com backing vocals gravados de música indígena, as músicas políticas e pesadas empolgaram parte da plateia, que aplaudiu depois de ouvir Max gritando “tira a mão da Amazônia, porra!”. Mesmo assim, era óbvio que o Espaço Unimed, no bairro da Barra Funda, comportava dois públicos distintos: os metaleiros e os apaixonados pelo trip hop do Massive Attack, que ainda precisariam esperar um pouco para assistir ao show dos britânicos.

“Negociadores brancos, não-indígenas, que não conhecem dos nossos territórios, estão negociando por nós [na COP30]”, disse Dinamam Tuxá, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), abrindo os discursos da noite enquanto o telão mostrava cenas de incêndios florestais e enchentes no Rio Grande do Sul. “A gente quer que nossos filhos tenham futuro, tenham território para viver”, emendou Luana Kaingang, da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul). “Não só os nossos filhos, mas os de vocês também.”

Entre discursos, os alto-falantes enchiam o ambiente com os sons de água e pássaros da floresta amazônica. “Se a Amazônia cair, o mundo cai”, disse Alana Manchineri, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Fotografia do show do Massive Attack, Alana Manchineri discursa durante show do Massive Attack. Alana Manchineri discursando no palco.
Alana Manchineri discursa durante show do Massive Attack. (Gustavo Oliveira) (Gustavo Oliveira/Superinteressante)
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A ativista indígena Ângela Kaxuyana fez o último discurso da noite. “O meu povo foi arrancado de seu território tradicional pelo Estado brasileiro. Minha família foi obrigada a viver no território dos inimigos, aprender a vida dos outros e viver a vida dos outros. A guerra continua, mas nós, povos indígenas, escolhemos lutar pela vida.”

Todos os líderes indígenas subiram ao palco com bandeiras – até uma do anime One Piece, usada em protestos recentes do mundo todo (como no Nepal) – e uma faixa com o slogan da noite, “a resposta somos nós”. Depois disso, era hora do discurso musical.

As letras do Massive Attack não são explicitamente políticas como o metal dos Cavalera, mas o telão ajudava a dar o tom da noite: antes dos músicos entrarem no palco, diversas manchetes sobre a COP30 eram exibidas em alta velocidade. O ritmo frenético das projeções contrastava com as batidas graves e densas do trip hop. 

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Fotografia do show do Massive Attack, Grant “Daddy G” Marshall cantando no palco, ao lado do guitarrista.
Grant “Daddy G” Marshall cantando durante show do Massive Attack. (Gustavo Oliveira) (Gustavo Oliveira/Superinteressante)

A banda entrou no palco para sua última apresentação da turnê pela América do Sul, que também passou por Bogotá, Buenos Aires e Santiago. Apesar da importância dos samples nas músicas, quase tudo era tocado ao vivo, com músicos equipados de sintetizadores, baixo e guitarra entre dois bateristas nas extremidades do palco.

Quando 3D e Daddy G não estavam fazendo rap, eles levavam convidados para ajudar nos vocais. Junto deles no Brasil estavam Horace Andy (cantor de reggae jamaicano que aparece em todos os álbuns do Massive Attack), a cantora inglesa Deborah Miller (que ajudou a cantar o hit “Unfinished Sympathy”) e a escocesa Elizabeth Fraser (mais famosa por ser a voz angelical à frente da banda Cocteau Twins).

Na primeira vez que subiu ao palco, Fraser começou a cantar “Song to the Siren”, música folk de Tim Buckley que a cantora gravou em 1983 com a banda This Mortal Coil. No telão, imagens de Gaza e Ucrânia devastadas por bombas se misturavam a cenas do filme Orfeu, de Jean Cocteau.

Fotografia do show do Massive Attack, Horace Andy cantando no palco.
Horace Andy cantando no show do Massive Attack em São Paulo. (Gustavo Oliveira) (Gustavo Oliveira/Superinteressante)
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Quem produziu muitos dos vídeos para o telão foi o jornalista britânico Adam Curtis, documentarista da BBC que cria filmes com imagens de arquivo da emissora e histórias complexas que misturam psicologia, sociologia e história. Amigo da banda, Curtis ajudou a dar sustância para os argumentos políticos do show, exibindo mini-documentários sobre teorias da conspiração e neocolonialismo enquanto o Massive Attack toca, com todos os textos traduzidos para o português.

A plateia se empolgou com a união de arte e política, com gritos de “free Palestine” (“Palestina livre”, em português) ecoando pelo auditório enquanto a bandeira do país era projetada atrás dos músicos. Desde 2003, o Massive Attack faz parte de um boicote cultural a Israel em solidariedade com os povos palestinos e se recusa a fazer shows por lá. 

Fotografia do show do Massive Attack.
Durante o show do Massive Attack em São Paulo, imagens dos destroços de Gaza foram projetadas no telão. (Gustavo Oliveira) (Gustavo Oliveira/Superinteressante)

No caso do Massive Attack, a preocupação política e ambiental guia todos os aspectos do espetáculo. Eles são responsáveis por criar o “ACT1.5”, manual de práticas sustentáveis para produzir shows feito com ajuda do centro de pesquisa britânico Tyndall, que eles seguem à risca desde 2024. Em entrevista para a Folha de S.Paulo, 3D disse que foi fácil cumprir os parâmetros no Brasil, por causa da energia renovável abundante e do transporte público de São Paulo.

Quando eu entrevistei Adam Curtis em 2024, para o Le Monde Diplomatique Brasil, ele disse que a arte pode ser boa para descrever o mundo, mas que é o jornalismo que realmente pode ajudar as pessoas a transformar a realidade, quando “reporta as coisas que são muito ruins para as pessoas” e ajuda elas a terem raiva e pressionar pela mudança.

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Não à toa, o show também teve seu momento jornalístico: durante “Safe from Harm”, a primeira faixa do primeiro álbum da banda, o telão exibia dados precisos sobre a devastação da Amazônia e os impactos causados no clima mundial.

Fotografia do show do Massive Attack, xxxx cantado no palco.
Elizabeth Fraser cantando durante show do Massive Attack em São Paulo. (Gustavo Oliveira) (Gustavo Oliveira/Superinteressante)

A apresentação do Massive Attack acabou perto das 00h, sem bis. Para a última música, o telão foi desligado, as luzes reduzidas ao essencial e a plateia se empolgou com “Teardrop”, a canção mais famosa da banda. A voz de Elizabeth Fraser parecia sair direto da gravação de 27 anos atrás e a música elevou os fãs, que saíram do auditório esperançosos. Talvez a resposta realmente seja coletiva.

Numa das primeiras músicas do show, o telão ficou repleto de perguntas, trocadas em poucos segundos. “A arte é a mentira que revela a verdade?” foi uma delas. A projeção não apresentou uma resposta imediata, mas a impressão que fica é que o show do Massive Attack respondeu “sim”.

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