O deputado pirata
Rick Falkvinge fundou um partido político que tem uma única plataforma: liberar geral os downloads na Internet.
Bruno Garattoni
Nos anos 70, os partidos verdes ganharam espaço na política e mobilizaram a juventude para defender a ecologia. No século 21, o ativismo jovem parece ter encontrado uma nova causa: a liberação, geral e irrestrita, dos downloads. O primeiro passo foi dado em janeiro, quando o sueco Rick Falkvinge revoltou-se com a perseguição a quem baixa arquivos ilegais e fundou o Piratpartiet, o Partido Pirata. A idéia deu origem a organizações Europa afora que se preparam para concorrer nas eleições do Parlamento da União Européia, em 2009.
Falkvinge, um ex-funcionário da Microsoft, viaja pela Suécia fazendo comícios como guru dos direitos digitais. Em junho, sua causa ganhou a ajuda involuntária do governo americano, que tentou tirar do ar o site sueco The Pirate Bay, um dos maiores centros de downloads ilegais na internet. A idéia não só deu errado – a interdição durou apenas 48 horas – como deu fama mundial ao Piratpartiet, que encampou a defesa do site.
Nas eleições suecas de setembro, os piratas levaram 34 918 votos. Seria o suficiente para assumir uma cadeira não fosse a cláusula de barreira adotada no país, que impede a presença de partidos nanicos no Parlamento. A ideologia do partido pode parecer bobinha, mas não é: quando alguém baixa uma música, está trocando dados com outro internauta. Isso é uma comunicação particular. Reprimir os downloads ilegais exige o monitoramento de todas as comunicações privadas – ou seja, significaria acabar com a privacidade na internet.
P. Antes do partido, você trabalhava em empresas de internet e chegou a fazer parte da Microsoft. O que o levou a criar o Partido Pirata?
R. Os políticos tinham posições unilaterais sobre a questão dos direitos autorais. Só ouviam a indústria do entretenimento e criavam leis mais e mais repressoras. Eu pensei: só com argumentos e debates será impossível fazê-los nos entender. A única maneira, então, era agir diretamente e disputar votos nas eleições. Ignorar os políticos, que não nos ouviam, e falar diretamente com os eleitores.
Entre as propostas do Partido Pirata, qual é a mais importante?
Reverter as mudanças na lei sueca, que, em 2005, criminalizou os downloads. Mas só isso não faz muita diferença – nós também queremos descriminalizar o upload [envio de arquivos piratas para a internet]. Afinal, você não consegue fazer download se não houver alguém fazendo o upload. Creio que, inicialmente, as penas poderiam ser reduzidas. Depois, totalmente abolidas.
Vocês não se elegeram. E agora, qual o futuro do Partido Pirata?
Nos primeiros dias depois da eleição, fiquei um pouco decepcionado. Mas então aconteceu algo que eu não previa: fui tratado com respeito por outros políticos. Porque nós chamamos a atenção dos eleitores. Os dois candidatos a primeiro-ministro acabaram dizendo, na reta final das eleições, que downloads devem ser descriminalizados – algo impensável um ano atrás. Nossa existência tornou politicamente impossível apertar as leis de direitos autorais ou aumentar as penas para quem as descumpre. Existe um grande debate na opinião pública, mesmo depois das eleições, e nós estamos bem no meio dele: tivemos 6 vezes mais votos do que os analistas estimavam e superamos políticos veteranos, com campanhas multimilionárias, e tudo isso sem dinheiro, só com voluntários. Foi o melhor resultado que um partido estreante já conseguiu na Suécia. Como disse Winston Churchill, “foi apenas o fim do começo”. Já começamos a coordenar os Partidos Piratas que estão surgindo em países como França, Itália, Bélgica e Espanha para um esforço conjunto nas eleições do Parlamento Europeu, em 2009. Até lá, vamos continuar educando os políticos. Não é tão importante que nós entremos no Parlamento sueco; o importante é que as nossas questões sejam discutidas lá.
É praticamente consenso que a indústria fonográfica cobra caro demais pelos cds. Mas, se, como o Partido Pirata propõe, a cópia e a distribuição de músicas forem totalmente liberadas, co–mo as gravadoras vão ganhar dinheiro e sobreviver?
O modelo de negócio das gravadoras ficou obsoleto. Basicamente, o negócio delas é transportar informações de um lado para outro, usando discos como meio. Acontece que esse serviço perdeu o valor, pois agora qualquer pessoa pode transmitir e receber informações digitais via internet. Se as gravadoras conseguirem mudar e oferecer alguma coisa que tenha valor dentro da nova realidade, vão sobreviver. Caso contrário, vão acabar – da mesma maneira que, ao longo da história, setores inteiros da economia foram extintos pela chegada de uma nova tecnologia.
Mas, na realidade, esse debate não importa. O que realmente está em jogo é o seguinte: hoje, as violações dos direitos autorais acontecem na esfera privada. Não há qualquer diferença entre os bits que formam uma música e os bits que formam uma mensagem enviada ao seu médico particular. Tecnicamente falando, eles são idênticos. Então, para defender os direitos autorais, é preciso monitorar todas as comunicações privadas. A questão não é “os artistas devem ser pagos quando eu mando músicas para os meus amigos?” Na verdade, a pergunta é: “Os artistas devem ser pagos, mesmo que para isso todas as comunicações privadas tenham de ser abertas e examinadas pelo governo?” Porque essa é a conseqüência. A única maneira de preservar os direitos autorais, como eles são hoje, é abolir a privacidade e criar um Estado policial. Os piratas entendem isso. Os políticos não. É loucura sacrificar um dos pilares da democracia [a privacidade nas comunicações particulares] para proteger o modelo comercial desatualizado da indústria do entretenimento.
Mas a privacidade na internet é um direito absoluto? Ou existem situações em que ela deve ser quebrada, como o combate a terroristas e à pornografia infantil?
Nós não achamos que a privacidade deva ser absoluta. Mas ela tem que ser a norma da sociedade. O governo pode violar a privacidade dos suspeitos de crimes graves. Mas não pode violar a privacidade de todo mundo, todo o tempo. Quem não é suspeito de crimes graves [para os piratas, download de música não é crime] deve ter a sua privacidade defendida.
As gravadoras e os estúdios de Hollywood fizeram enorme pressão para fechar o site The Pirate Bay – e não conseguiram. E o Partido Pirata? Já recebeu alguma ameaça?
Ainda não. Perseguir alguém que você acusa de criminoso e tentar acabar com ele é uma coisa. Perseguir um partido democrático, com enorme apoio popular, que não está quebrando as leis, e sim tentando mudá-las, é uma coisa bem diferente. Não há como nos pressionar sem causar revolta popular. Mas não é segredo que as nossas propostas batem de frente com a indústria do entretenimento – e as ramificações dela dentro do governo dos EUA.
Falando no The Pirate Bay, qual é a sua relação com os donos desse site? Eles são filiados ao Partido Pirata?
Nós nos encontramos algumas vezes, mas não temos vínculo formal.
A indústria está tentando mudar e oferecer uma alternativa aos downloads ilegais, como a loja de músicas iTunes, da Apple, que já vendeu mais de 1,3 bilhão de músicas via download. O que você acha desses serviços?
São irrelevantes. A sociedade precisa escolher: liberar o compartilhamento de arquivos na internet, ou então abolir as comunicações privadas. Não há meio-termo. Você não pode resguardar o sigilo postal de algumas cartas e de outras não – pois não há como saber o que elas contêm sem romper a privacidade de quem a enviou e de quem vai receber.
Nós não somos contra o comércio musical. Se alguma empresa vende músicas e filmes via internet, ótimo, que vá em frente. Nós estamos lutando é contra o monopólio protegido pelo Estado. Se o serviço que você está oferecendo é bom, não deveria precisar de proteção legal como a lei de direitos autorais.
Você baixa ou compartilha arquivos na internet?
Considerando as leis atuais, não posso responder a essa pergunta. Mas, depois que conseguirmos entrar no Congresso e mudarmos a legislação, terei muito prazer em responder.
Rick Falkvinge
• Trabalhou na Microsoft e como desenvolvedor de sites antes de largar tudo para comandar um partido político.
• O Piratpartiet fez um documentário, o Steal This Film (www.stealthisfilm.com), em que conta sua história; a pirataria do filme é encorajada.
• O partido sueco se sustenta com doações e a renda obtida pelo Relakks (www.relakks.com), um serviço que custa ¤ 5 mensais, está aberto a qualquer pessoa e promete esconder a sua identidade na rede.
Onda de litígios chega ao Brasil
As grandes gravadoras e os estúdios de cinema estão travando uma verdadeira guerra contra a pirataria na internet. Elas montaram equipes de investigação, que estão infiltradas nas redes de troca de arquivos (peer-to-peer, ou P2P) para achar e identificar as pessoas que distribuem músicas e vídeos de maneira ilegal. Ou seja: quando você, usando um software como o popular Kazaa, compartilha um arquivo com alguém, a pessoa que está do outro lado pode ser uma espiã.
Em todo o mundo, essa onda já vitimou mais de 20 mil fãs do mp3 – muitos foram obrigados a pagar multas de, em média, US$ 3 mil. E agora, finalmente, a perseguição está chegando ao Brasil: em outubro, a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) entrou na justiça contra 20 internautas tupiniquins. É um número pequeno, mas, se os acusados foram condenados, isso deve desencorajar o uso de programas P2P.
Mas a iniciativa da IFPI é meio suspeita. Primeiro, a entidade não revela o nome dos internautas que estão sendo acusados – tudo porque, supostamente, os processos estão sob “segredo de Justiça”. Ou seja: na verdade, pode ser um blefe. Além disso, a investigação feita pelas gravadoras freqüentemente dá resultados errados: nos EUA, chegaram a acusar idosos que nem tinham computador.
Outro problema, para as gravadoras, é o avanço da tecnologia. No submundo da internet, vão ganhando força as chamadas darknets (ou redes escuras), que são especialmente projetadas para proteger o anonimato e a privacidade dos usuários – ou seja, que permitem compartilhar músicas e vídeos sem medo.