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O mapa do inferno de Dante

Uma reflexão profunda sobre o que acontece após a morte - e a obra-prima que fundou o humanismo

Por Alexandre de Santi (edição: Bruno Garattoni)
Atualizado em 27 out 2020, 15h23 - Publicado em 10 dez 2015, 13h00
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  • Livro: A Divina Comédia
    Autor: Dante Alighieri
    Ano: 1308-1321
    Por que ler? Faz pensar sobre a morte – e a vida.

    O que acontece após a morte? Essa inquietação acompanha o homem desde que ele começou a refletir sobre a própria existência. tão antiga quanto é a ideia de um submundo no além – um lugar de dor, ódio e medo. Há mais de 4 mil anos, os sumérios já falavam em um vasto abismo sob a Terra onde moravam os mortos. Os gregos descreveram um precipício tão profundo que uma alma poderia cair por mais de um ano sem que atingisse o fim. O Livro de Jó, escrito do Antigo Testamento que leva o nome de seu protagonista, vítima de uma aposta cruel entre Deus e o Diabo, fala do Sheol (túmulo, cova ou abismo, em hebraico), um lugar de purificação espiritual ou punição para os mortos. Na Bíblia, Jesus Cristo avisa seus discípulos sobre a Geena de Fogo, um depósito de lixo além dos muros de Jerusalém em que as chamas são mantidas sempre acesas com enxofre.

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    Ainda que bastante vivo no imaginário popular, até o século 14 o inferno havia sido abordado apenas em termos muito vagos. Em 1308, no entanto, um homem descreveu-o em detalhes. O autor da proeza foi Dante Alighieri, poeta italiano que fez uma viagem imaginária pelos três reinos do além-túmulo – inferno, purgatório e paraíso. Cada um desses mundos é descrito em um longo poema. Juntos, eles formam a Comédia, décadas depois renomeada pelo poeta e crítico literário italiano Giovanni Boccaccio como Divina Comédia. Embora os capítulos dedicados ao purgatório e ao paraíso contenham passagens de uma elaborada poesia – a obra inteira é composta por estrofes tríades (de três versos), em uma alusão à Santíssima Trindade -, são os primeiros 34 cantos, que narram a viagem dantesca por um lugar de sofrimento eterno, antro de pecado, desespero e punições, que compõem o maior legado do bardo italiano.

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    A obra começa com um encontro de Dante com três feras: o leão, o leopardo e a loba. Perdido em uma selva escura – interpretada pelos estudiosos da obra como uma representação simbólica da perdição no pecado -, Dante se reúne com um dos grandes poetas da Antiguidade, Virgílio (que viveu de 70 a 19 a.C.). Autor do épico A Eneida, Virgílio é quem convida Dante para realizar uma espécie de “itinerário da salvação”: “Convém fazeres nova viagem / Disse-me, então, ao ver-me soluçando / E escaparás deste lugar selvagem”. Frente aos portões do inferno, Dante e Virgílio dão de cara com uma mensagem não muito animadora: “Deixai toda esperança, ó vós que entrais”. Esperança era um conceito essencial na Idade Média – porque a vida, a não ser para a aristocracia, era brutal e curta. Para muitos, a esperança de vida eterna dava uma razão para enfrentar o sofrimento cotidiano. Mas a chegada ao inferno significava que ter esperança já não fazia mais sentido.

    O HOMEM DECIDE

    Dante não só criou a geografia física do submundo, mas também uma geografia moral: para cada pecado, um círculo específico. O primeiro e mais ameno é o limbo, onde ficam todas as almas sem batismo. Ali, a única punição é a eternidade sem a visão de Deus. É a partir do segundo, o círculo da luxúria, que se iniciam as punições mais severas. Conforme descem os nove círculos do inferno, distribuídos em uma estrutura cônica, os pecados se agravam. Virgílio e Dante ainda passam pelo lago de lama (gula), as colinas de rocha (ganância), o rio Estige (ira), o cemitério de fogo (heresia), o vale do Flegetonte (violência), o Malebolge (fraude) e o lago Cocite (traição) – este, o mais terrível dos pecados. Ou seja, a punição era pior conforme o tipo de crime. O conceito foi revolucionário. Num ambiente medieval onde tudo era atribuído ao poder divino, sobretudo o destino dos homens, Dante propôs a inversão da lógica: era o homem quem decidia seu futuro com suas ações. Se traísse, iria para o lago Cocite. Se não traísse, tinha uma chance de subir ao paraíso. Logo, a Divina Comédia é, antes de tudo, um livro sobre escolhas. A mudança pode parecer banal, mas é considerada o marco do início do Renascimento e do humanismo, quando Deus deixou o centro de tudo para dar espaço ao homem e suas escolhas.

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    Por mim chega-se à cidade dolente / Por mim chega-se à eterna dor / (…) Deixai aqui toda esperança, vós que entrais.

    Pouco se sabe sobre Dante. Sua mãe morreu quando ele era muito jovem. Escreveu sobre política, filosofia, ciência e fez literatura. Mas Dante não foi apenas um escritor reconhecido: foi também um político bem-sucedido. Em 1300, elegeu-se como um dos seis magistrados que governariam a cidade italiana de Florença. Dois anos depois, contudo, sua carreira política terminou com um golpe. Quando estava fora da cidade, foi condenado a pagar uma multa gorda ao novo governo. Não pagou e foi novamente condenado: se colocasse os pés na cidade de novo, iria direto para a fogueira. Nunca mais voltou. A Comédia, por isso, também pode ser entendida como a história de uma vida – uma espécie de autobiografia na qual o autor precisou conhecer o inferno para encontrar o caminho da redenção.

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    A influência do poema na sociedade florentina foi tal que ele mudou o jeito de falar dos italianos. Era comum que os livros da época fossem escritos em latim – o que Dante fez em De Monarchia. A Comédia, contudo, foi lançada no dialeto fiorentino-toscano (também conhecido como volgare, o latim para vulgar). A língua de Florença se tornou a base para o que, mais tarde, se tornaria o idioma oficial da Itália.

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