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o movimento Black Rio: Desarmado e perigoso

Texto Luciano Marsiglia O subúrbio do Rio fervia ao balanço da música negra em 1977. O gênero que fundia a soul music ao samba ganhava uma projeção inédita e transbordava e importava idéias: os artistas burilavam suas canções, enquanto os adeptos em geral se espelhavam na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos para combater […]

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Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 31 out 2004, 22h00
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  • Texto Luciano Marsiglia

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    O subúrbio do Rio fervia ao balanço da música negra em 1977. O gênero que fundia a soul music ao samba ganhava uma projeção inédita e transbordava e importava idéias: os artistas burilavam suas canções, enquanto os adeptos em geral se espelhavam na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos para combater o preconceito racial. O assédio das gravadoras, que buscavam seu quinhão black, transformava a música negra em uma arma prestes a disparar

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    Era nesse clima vitorioso que Gérson King Combo aguardava no camarim do clube Magnatas o início do que prometia ser “o lançamento do movimento Black Rio”.

    No ano anterior, ele havia levado cerca de 30 mil pessoas ao Portelão para dançar as músicas de Volume I. Como de costume, chegou com seu Dodge Dart com bancos de veludo e hipnotizou a platéia com uma performance incendiária, que incluía os músicos da União Black e um funcionário exclusivo para pôr e tirar sua capa de “rei”. Dessa vez, entretanto, o empregado não teria trabalho.

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    “Estava tudo bem organizado, todos pareciam unidos naquele ideal black, da vestimenta à posição de enfrentamento”, lembra Zé Rodrix, que esteve no show. “Mas quatro camburões da Polícia Federal chegaram e colocaram todo mundo para fora com truculência. Não fiquei para ver o final…” A repressão ao show de Combo não era um fato isolado. Os órgãos da repressão estavam preocupados com o possível direcionamento político do movimento black. Em entrevista à Folha de S.Paulo de dezembro de 2001, o executivo da Philips André Midani confirmou o temor com o engajamento dos artistas negros. “Os militares achavam, com toda a razão, que, se um dia a favela fosse se politizar, se militarizar, era a revolução social neste país. Não sei quem inventou isso, mas se uma vez tive problema, foi quando alguém disse que eu recebia dinheiro do movimento black norte-americano para comandar a subversão nas favelas. Aí passei uns dias ruins.”

    A incorporação dos artistas negros aos festivais, no início da década, já havia sido conturbada. E dias ruins quem viveu de fato foi Erlon Chaves, que subiu ao palco para defender “Eu Também Quero Mocotó”, ao lado de sua Banda Veneno, no FIC de 1970. Como parte da performance, duas garotas loiras surgiram no palco e os três se beijaram na boca. Foi o suficiente para Chaves ser preso e torturado pelo Dops. Curiosamente, o mesmo FIC revelou Toni Tornado com “BR-3”. Chaves ainda faria arranjos em Ela (1971), disco de Elis que continha “Black Is Beautiful”, mas nunca mais exibiu a mesma confiança profissional. Tornado também foi alvo de investigações da polícia, que temia que ele disseminasse um movimento semelhante ao dos Panteras Negras – também pesou o namoro com a atriz branca Arlete Sales.

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    Em 1974, no lançamento de um disco da equipe Soul Grand Prix pela WEA (gravadora criada no Brasil por Midani), um comando da polícia invadiu o Guadalupe Country Clube, no Rio de Janeiro. Portanto, a repressão policial fazia parte da realidade dos nossos funk soul brothers desde sempre. Cabelos black power e sacolas de discos eram revirados à procura de drogas quando se ia ao Clube Renascença e ao Canecão, onde ocorriam os Bailes da Pesada de Ademir Lemos e o DJ Big Boy. Mas, então, não havia uma preocupação formalizada dos militares. A música negra até meados dos anos 70 ia do suingue de Bebeto ao easy listening de Ed Lincoln, passando por Orlandivo, Franco e, claro, o samba-rock de Jorge Ben. A posterior conscientização do subúrbio carioca é que começou a incomodar os órgãos de repressão.

    Primavera black

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    Ameaça ou não, a black music prometia ser a trilha do final dos anos 70. Os bailes se espalhavam pelo Rio de Janeiro a ponto de o Jornal do Brasil criar a coluna “Black Rio”. Em São Paulo, a Chic Show começara a organizar no Palmeiras as festas que seriam o embrião do hip hop. A Rede Globo analisava a possibilidade de fazer um programa tendo como apresentadores Tony & Frankye, Tim Maia, Toni Tornado e Gérson King Combo. E a indústria fonográfica procurava se filiar ao segmento, afinal tratava-se também de consumo, que poderia ser multiplicado se o movimento fosse regionalizado em Black São Paulo, Salvador, Belo Horizonte…. “Acredito que esse Black Rio seja mesmo um mercado extraordinário!”, afirmou Midani na época.

    A WEA conseguiu dar forma à sua banda black depois de contratar a Soul Grand Prix como produtora. Primeiro surgiu o Senzala, com ex-integrantes da Abolição – entre eles Oberdan Magalhães. Depois, nasceu a Banda Black Rio, tudo o que os diretores do selo queriam. Maria Fumaça (1977) incluía arranjos de “Na Baixa do Sapateiro” (Ary Barroso) e “Baião” (Luiz Gonzaga) para salientar a proposta verde-e-amarela. A banda manteve a fórmula ao acompanhar Carlos Dafé em Venha Matar Saudades (1978).

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    A Phonogram tinha dois tradutores do soul: Tim Maia e Cassiano. Desde 1968, Tim difundia o gênero. Após a viagem mística de sua fase “Racional”, estava de volta ao mercado secular. A sonoridade daqueles renegados álbuns fora extremamente influente na passagem da soul music para o funk. Cassiano privilegiou a suavidade em seus arranjos, conseguindo êxito com “Primavera”. Em 1976, ele estava com Cuban Soul e a pérola “A Lua e Eu” nas mãos. A Polydor cuidava de Gérson Combo e União Black, cujo álbum saiu em 1977.

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    A CBS vinha com Robson Jorge, Rosa Maria e Alma Brasileira, formada por músicos da Mocidade Independente de Padre Miguel. A Polydor, por seu turno, entrava no jogo com Hyldon, badalado depois de “Na Rua, na Chuva, na Fazenda”, de 1974. A Continental correu atrás com Dom Mita. O fim da década ganhou mais tons negros com Miguel de Deus (“Black Soul Brothers”) e Tony Bizarro (“Nesse Inverno”), além de “Pensando Nela”, de Dom Beto, na novela Dona Xepa.

    Diluição

    Diferentemente da tropicália, os artistas negros tornaram-se subversivos por exibir orgulho de sua cultura e cor. Não pretendiam, necessariamente, se víncular à luta armada ou, apesar da importação de valores, aos Panteras Negras. Gérson disse que “na época da ditadura era um radical sem consciência”. Pára-quedista, ele viu Caetano e Gil presos no Realengo, em 1968, mas, como definu “cabeça de soldado é feita para obedecer”.

    A musicalidade era o ponto de convergência daquela geração e a influência estrangeira surgiu como uma opção à MPB, que não oferecia canais para ela se expressar. Como escreveu Ana Maria Bahiana no Jornal da Música, os blacks “acreditavam que o samba tinha capitulado aos brancos e era coisa de turista”.

    Seja como for, a ação repressiva surtiu efeito neutralizador. “Todos recuaram, a proposta black ficou descaracterizada e a consciência, perdida”, acredita Zé Rodrix. Já em 1978, muita coisa mudou. Tim Maia preferiu mergulhar nas discotecas com “Sossego” (título sugestivo). Jorge Ben deu uma guinada para um som mais dançante e menos atrelado à poesia de subúrbio em A Banda do Zé Pretinho. Dom Beto buscou Lincoln Olivetti para lançar Nossa Imaginação desatrelado do movimento. Gérson, depois de Volume II, passou anos no ostracismo até ser resgatado pela geração hip hop. Seu discurso não resistiu às novas regras do mercado, que, mesmo com o fim do AI-5, redirecionaria os artistas para a disco music, que considerava uma vertente de fácil manipulação e maior potencial de venda. As equipes de som tiveram de buscar no miami bass as sementes do funk carioca. O ímpeto e a atitude original se esvaíram. A cabeça (pensante) do movimento adormeceu e, a partir do advento da discoteca, a música black dirigiu o foco para os quadris para “dançar bem, dançar mal, dançar sem parar”.

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    Tesouros perdidos do rock e da black dos anos 70

    Trio Esperança

    Trio Esperança (Odeon, 1974)

    O Trio chegou aos anos 70 unindo a inocência da jovem guarda a doses de soul, samba e psicodelia. Inclui o sucesso “Replay”.

    Tim Maia

    Racional vols. 1 e 2 (Seroma, 1974/75)

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    Talvez a fase mais completa de Tim, com souls, rocks, baladas e módulos dançantes louvando um certo “Racional Superior”.

    Arnaldo & Patrulha do Espaço

    Elo Perdido (Vinil Urbano, 1977)

    Lançado somente em 1988, trazia o ex-mutante liderando uma afiada banda de hard rock, com direito a tocantes baladas, como “Sunshine”.

    Vários

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    Posições (Odeon, 1971)

    Quatro bandas entre o folk e a psicodelia: Equipe Mercado, Módulo 1000, Som Imaginário e A Tribo.

    Miéle

    Melô do Tagarela (RCA, 1979)

    Precursor do rap nacional, nasceu de uma criação de Miéle e Arnaud Rodrigues em cima de “Rapper’s Delight”, do Sugarhill Gang.

    Guilherme Lamounier

    Guilherme Lamounier (Continental, 1973)

    Pop-rock com sotaque carioca, baladas carregadas, toques de soul e letras de imagens fortes.

    Os Lobos

    Miragem (Top Tape, 1971)

    Rock com belas harmonias vocais e influências de Beatles. Revelou o cantor Dalto (de “Muito Estranho”).

    Mão Branca

    Melô do Mão Branca (Sinter, 1979)

    Gérson Combo, disfarçado, homenageia uma figura conhecida das páginas policiais dos anos 70.

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