O WikiLeaks é só o começo
O site de Julian Assange pode não resistir à pressão e deixar de existir. Mas a cultura de vazar informações pela Internet sai dessa mais fortalecida do que nunca
Vinícius Querobino e Alexandre Versignassi
Destruir o Napster. A marretadas, se possível. Prender os donos e arrebentar os computadores. Era o que gravadoras e artistas queriam fazer com o programa de troca de músicas, há 10 anos. Queriam e conseguiram: o primeiro serviço que possibilitava baixar músicas de graça fechou as portas em 2001, debaixo de uma torrente de processos. Hoje, a torrente é de downloads piratas. Eles só cresceram e se multiplicaram. A troca ilegal de músicas e filmes responde por metade de todo o tráfego da web. Para acabar com ele, só destruindo a própria internet.
A ordem agora é acabar com o WikiLeaks, a criação do ex-hacker australiano Julian Assange. E vem do governo americano. Se der a lógica, Assange perde a batalha. Mas ganha a guerra.
Vamos fazer uma recapitulação, para deixar essa história mais clara. O WikiLeaks já tem 4 anos . O que ele faz é estimular pessoas que tenham acesso a documentos secretos a divulgá-los de forma anônima. Não é nada diferente do que os jornais sempre fizeram. A diferença é que Assange revelou coisas grandes nos últimos meses – e soube vender seu peixe, associando-se à mídia tradicional.
A bomba veio em abril, com o vídeo Assassinato Colateral. A gravação, feita em um helicóptero dos EUA em 2007 durante a guerra no Iraque, mostra um ataque que mata dezenas de civis iraquianos e dois jornalistas da Reuters. Em julho e outubro, o WikiLeaks divulgou documentos confidenciais das guerras do Afeganistão e do Iraque. Logo em seguida, no final de novembro, os 250 mil telegramas confidenciais da diplomacia dos EUA, vindos de escritórios e embaixadas do mundo todo, começam a ser revelados. Mas o site não fez isso sozinho. Fechou um acordo com os jornais New York Times (EUA), Guardian (Reino Unido), Le Monde (França), El País (Espanha) e a revista Der Spiegel (Alemanha). Um acordo bom para ambas as partes: a mídia tradicional trouxe fama e credibilidade ao WikiLeaks. Assange levou as notícias. E contou com o trabalho dos editores das publicações para pescar o que havia de mais relevante no meio da maçaroca – um trabalho complexo: até o fechamento desta edição, só 2 mil desses telegramas tinham sido divulgados.
Os documentos não chocam tanto pelas revelações – quem se surpreende com a cooperação dos EUA com tiranos no Oriente Médio ou a presença da máfia no governo russo? Mas foi a gota d’água.
Hillary Clinton, secretária de Estado dos EUA, classificou a divulgação como “um atentado”. A líder republicana Sarah Palin disse que quer ver o australiano “caçado”. Já Brad Manning, o militar de 22 anos suspeito de ser a fonte anônima dos documentos, pegou 52 anos de prisão e está na solitária.
Depois, várias empresas passaram a atacar a organização como se participassem de um plano orquestrado. A Amazon, que hospedava a WikiLeaks em seus servidores, tirou o site do ar. Visa e Mastercard não permitem mais doações para a WikiLeaks com os seus cartões. O PayPal não só seguiu o mesmo caminho como também bloqueou a conta de Assange, mesma atitude do banco suíço Post Finance. Isso significou, para o australiano, que mais de – 1 00 mil euros em sua conta foram congelados – e novas doações, proibidas. Depois dessas ações sem precedentes, uma provável mostra do poder de influência do Estado americano sobre companhias privadas, começou uma reação. Centenas de hackers se organizaram para atacar as páginas das empresas envolvidas nas retaliações. Não faltaram protestos em defesa da liberdade de expressão. E centenas de servidores passaram a abrigar o site em vários endereços, como wikileaks.ch.
Em meio a esse furacão, Assange é acusado pela Justiça sueca de agressão sexual contra duas mulheres e até o fechamento desta edição ele aguardava preso a audiência sobre extradição para a Suécia. E teve o pedido de fiança negado. Para a proteção dele mesmo, disse o juiz. Enquanto segue “protegido”, Assange sabe que, mesmo se escapar desta, será processado pelo governo americano. E, se condenado, estará numa pior do que hoje.
O que os EUA vão resolver com essa caça ao bruxo? Nada. Os documentos que o WikiLeaks já tem estão, agora, em milhares de computadores. Não vão desaparecer. Mais: a cultura de vazar informações pela internet sai dessa fortalecida. Novos sites dedicados a isso estão chegando – um deles, ainda sem nome, será tocado pelo ex-número 2 do WikiLeaks, o alemão Daniel Domscheit-Berg. Aos governos e empresas, resta tomar mais cuidado com seus dados sigilosos. Porque o que não vai faltar é gente querendo virar o novo Assange. Com cadeia e tudo.
75 mil documentos da guerra do afeganistão
400 mil documentos da guerra do iraque
251 287 telegramas diplomáticos