Você ri do quê?
"Mãe, é verdade que as pessoas na nossa família morrem de repente? Mãe? Mãããe?" Achou graça? Entenda por quê
Karin Hueck
Você já deve ter visto ao menos uma das cenas abaixo na TV nos últimos meses:
– Danilo Gentili encarnando o repórter inexperiente no programa Custe o Que Custar, o CQC. Ao padre Marcelo Rossi, Danilo perguntou se ele gravou um cd “demo” e o vereador Agnaldo Timóteo foi chamado de Agnaldo Rayol, enquanto o humorista derrubava o microfone e lia perguntas absurdas de um papel amassado.
– Marcelo Adnet, apresentador do programa 15 Minutos da MTV, imitando o ator José Wilker cantando funk: “Quem não dá incentivo para o cinema: créu / quem não gosta de arte em geral: créu, créu, créu”.
– O falecido deputado/estilista/apresentador Clodovil Hernandez sendo perseguido pela turma do Pânico na TV. Para lotar o teatro em que a peça de Clô estava em cartaz, os personagens Vesgo e Silvio levaram um ônibus cheio de senhoras à apresentação, na campanha batizada de “Lota Clô”.
Os 3 programas passam todas as semanas em 3 emissoras diferentes. E, apesar das diferenças no jeito de contar piada, todos os 3 têm o mesmo objetivo: fazer você rir. Como eles fazem isso e por que você dá uma risada no final são perguntas que até pouco tempo atrás ninguém sabia responder ao certo. Hoje, pesquisadores já encaram o ato de rir como assunto sério e digno de pesquisa. E é por isso que vamos tentar entendê-lo agora.
Humor é a capacidade de rir e fazer rir. É uma característica tão universal e inata, que até mesmo bebês cegos e surdos dão risada. Isso porque ele faz parte do sistema de recompensa do cérebro, aquele que libera dopaminas e outros hormônios reponsáveis pela sensação de prazer – o que torna uma boa risada comparável a fazer sexo, ouvir música ou usar drogas. É, também, um traço de personalidade muito valorizado, tanto que 94% das pessoas consideram ter um senso de humor acima da média (o que já é engraçado em si, porque em qualquer situação apenas 50% das pessoas podem estar acima da média).
Dentro da nossa cabeça, humor nada mais é do que a quebra de um padrão mental. Funciona assim: quando alguém conta uma piada ou narra uma história engraçada, a situação inicial parece perfeitamente normal. O que vem em seguida é que é inesperado – e causa a risada. Para entender essa lógica, vamos fazer aquilo que deveria ser evitado: explicar uma piada. Peguemos um exemplo:
– Mamãe, cansei de brincar com o vovô.
– Tá bom, filho. Guarde os ossos no caixão, escove os dentes e vá dormir.
A graça nessa piadinha de humor um tanto macabro está na parte final da história. Com base na primeira frase, ninguém esperaria que o avô da criança estivesse morto. Mas é exatamente isso o que acontece, e o inesperado fato de a piada se passar com uma família mórbida (a Adams, talvez?) faz você rir. Quanto mais impensada e inovadora for a situação, mais engraçada é a cena. Por isso, é hilário ver os repórteres do CQC perguntar ao presidente Lula sua opinião sobre a escalação do Corinthians ou ver o Marcelo Adnet cantando Sweet Child o’ Mine com a voz do Silvio Santos: a cena é tão inusitada que você ri.
Mas esse negócio de quebrar padrões só é engraçado porque nosso cérebro tem mania de organizar tudo em lógicas perfeitas. Essa habilidade foi reforçada durante milênios pela seleção natural para que pudéssemos, por exemplo, encontrar comida, abrigo e companhia agradável – 3 elementos que seguem padrões de distribuição. “A habilidade de reconhecer padrões significa que podemos observar e prever o mundo ao redor. Isso deu a nós uma imensa vantagem sobre as outras espécies”, diz Alastair Clarke, um teórico da evolução da Universidade de Oxford, na Inglaterra. A padronização não tem limites. Serve também para ligar um nome a um rosto, um resultado a uma conta matemática, um cheiro a uma lembrança. Nossos neurônios procuram padrões em tudo, inclusive em ideias. Se duas ideias forem muito distantes ou muito estranhas uma da outra, voilà, a gargalhada está garantida. E é aí que entram as diversas técnicas de fazer humor: a ironia (a Gisele Bündchen é mesmo horrorosa, né?), o exagero (faz 10 mil anos que eu não como), o duplo sentido (você tem dado em casa?) e o mais efêmero dos humores – o trocadilho (eu pinto retratos, o Jânio Quadros).
Mas, olhando para todas essas palhaçadas, ninguém diria que achar graça nas coisas é algo importante – o que de fato é. Por ser uma emoção, o humor tem funções que a própria razão desconhece. Primeiro, dar risada é uma forma de se comunicar. Sim, o ato de rir só foi criado pela evolução para que as pessoas ao nosso redor entendessem que estamos achando algo engraçado. “Nesse sentido, o humor é uma comunicação ainda mais antiga que a fala, porque até macacos conversam por meio do riso”, diz Rod Martin, professor de psicologia da Universidade de Ontário, no Canadá, que estuda o humor há 30 anos. Segundo, compartilhar histórias engraçadas serve para formar grupos e alianças sociais importantes. São as famosas “piadas internas”, que rolam soltas numa roda de amigos, mas que excluem aqueles que não as conhecem. E, terceiro, o humor tem a admirável função de deixar a vida mais leve e amenizar climas tensos. Há registros de que até os prisioneiros dos campos de concentração tiravam sarro dos nazistas. Afinal, quando algo de ruim acontece, nada melhor do que uma piada, certo?
O humor é meu
“Comédia é roleta-russa. Um dia me aplaudem porque fiz uma piada fácil da [cantora] Preta Gil, e outro dia porque fiz uma difícil sobre os pobres na África. Não existe nada infalível no humor”, diz Danilo Gentili, do CQC, que também faz shows de stand up. Danilo tem razão. Nem todas as piadas funcionam com todas as pessoas o tempo todo. Uma das maiores tentativas de definir a piada mais engraçada do mundo foi feita por um pesquisador inglês, que promoveu uma enquete via internet com 1,5 milhão de eleitores e 40 mil anedotas concorrentes. A piada vencedora foi a que recebeu mais votos de diversos países. É esta aqui:
Dois caçadores caminham pela floresta, quando um deles cai no chão e para de respirar. O outro caçador pega o celular, liga para o serviço de emergência e diz: “Meu amigo morreu! O que eu faço?” Com a voz pausada, o atendente explica: “Mantenha a calma. A primeira coisa a fazer é ter certeza de que ele está morto”. Vem um silêncio. Logo depois, se ouve um tiro. O caçador volta à linha e diz: “Ok. E agora?”
Achou engraçado? Não? Talvez a piada não mereça mesmo o título de melhor do mundo – ou talvez o seu humor seja outro. Sim, há dezenas de humores diferentes, e centenas de estudos tentando defini-los. Alguns são até engraçados. Por exemplo, descobriu-se que quem gosta de piadas escatológicas (aquelas que envolvem puns, cocôs e afins) também costuma ser mais negativo, hostil e, olha só, mais desleixado com a higiene. Outro estudo diz que quem prefere humor sexual e agressivo não valoriza o intelecto e tem menos complexidade psicológica. Já quem não gosta dessas piadas seria mais intelectual.
Tem estudo que diz até que fazer os outros rir é símbolo de status social – ou você acha que é por acaso que as piadas dos chefes são sempre recebidas com mais risadas? Tudo indica que traços de personalidade, tempo de estudo e experiências de vida são essenciais para definir do que você ri. “Eu tento direcionar minhas piadas para o público que me assiste. Em plateias de idosos, evito palavrões; numa pequena cidade do interior, já sei que falar de aeroporto não dá ibope porque lá ninguém anda de avião”, diz Marcelo Adnet, do programa 15 Minutos. Na falta de uma piada universal, o jeito é se adaptar mesmo.
Mas talvez o fator que mais determine o seu tipo de humor esteja entre as suas pernas. Homens e mulheres lidam com o assunto de maneiras bem diferentes. Pergunte a uma garota o que ela procura num rapaz. “Senso de humor” costuma estar entre os top 3 requisitos mais desejados. De fato, um estudo conduzido por um psicólogo da Universidade de Baltimore dá esperanças aos feinhos. O trabalho mostrou que elas preferem parceiros desprovidos de beleza, mas engraçados, aos bonitões sem graça. Para as mulheres, humor é sexy. Talvez isso explique, por exemplo, o fato de Chico Anysio ter se casado 6 vezes.
Já as mulheres não têm tanta sorte. Para os homens, beleza continua sendo fundamental – mesmo se ela não tiver lá muita graça. “Mulheres se sentem atraídas por homens que as fazem rir, mas homens preferem mulheres que riem das piadas deles”, diz Rod Martin. A consequência dessa diferenciação são milhares de homens palhacinhos. Pense na pessoa mais engraçada que você conhece. A chance de ela se chamar Joãozinho – em vez de Mariazinha – é muito maior. Isso, no entanto, não justifica a difundida (e injusta) crença de que mulheres não são tão engraçadas quanto homens. Só prova que eles estão mais acostumados e treinados a fazer piadas do que elas.
Experimente você também
Para alguns especialistas, humor é uma forma de inteligência ligada a habilidades sociais. Quem tem boa memória, e repara nos gestos e palavras alheios, costuma ser mais engraçado. Isso faz sentido: se você observa e se lembra de cenas divertidas, é mais provável que você possa imitá-las. “Eu presto muita atenção no que as pessoas dizem, e então pego as respostas e faço uma piada com isso. Mas, como um mágico (com perdão do trocadilho), o humorista também sempre tem uma carta na manga”, diz Wellington Muniz, o Ceará, que faz o personagem Silvio no Pânico na TV.
A carta na manga a que ele se refere é a parte trabalhosa do humor. Não há matéria do CQC, imitação do Adnet ou entrevista do Pânico que não precise de um pouco de estudo antes de entrar no ar. São técnicas (como as das piadas que ilustram esta matéria), que qualquer um pode usar – e que inclusive os humoristas profissionais demoram um tempo para aprender. Ou seja, você também pode se arriscar. E aí, já ouviu a última do papagaio?
O humor, aos olhos dos especialistas
Veja o que os humoristas pensam do assunto
Wellington Muniz, o Ceará, do Pânico na TV
“É um estado de espírito, em que o regozijo de quem ri ou faz rir deixa as pessoas com mais ânimo e com um bem-estar indescritível.”
Sabrina Sato, do Pânico na TV
“Tem o bom humor e o mau humor, sabe? Eu acho que nós, mulheres, a gente está sempre mudando de humor. Uma pessoa bem-humorada é uma pessoa açucarada, uma pessoa que come muito doce. O açúcar dá muito bom humor para mim. Mas eu gosto do mau humor também.”
Rafael Cortez, do CQC
“Humor é uma coisa que transcende os limites daquilo que se conhece como humor. As pessoas acham que o humor é simplesmente tudo que é engraçado. Mas tem muita coisa que não é engraçada, que provoca em mim reações muito mais fortes do que uma simples piada.”
Danilo Gentili, do CQC
“O humor é a forma que uma pessoa impotente, como eu, tem para se expressar sobre as coisas insignificantes, cruéis, estúpidas e atormentadas deste mundo. Mas, sendo mais sincero, hoje em dia humor é a forma como eu ganho dinheiro.”
Marcelo Adnet, do 15 Minutos
“Não descobri ainda o que é o humor. Acho que é uma forma de expressão e crítica. É achar algo subliminar, que está na sua frente, e traduzir isso em algo engraçado. Mas será que alguém sabe o que é o humor? É difícil essa pergunta.”
Qual é o seu?
Veja os 4 tipos de humor mais comuns e descubra com qual você se identifica
Agregador
É aquela pessoa que conta piadas, faz gracinha e é engraçada com o intuito de unir as pessoas e fazê-las se sentir bem. É o tipo de humor que reduz tensões num grupo – e, por isso também, costuma ser o mais popular de todos.
Agressivo
É o humor usado para criticar ou manipular os outros. Sarcasmo, ironia e provocações são as armas favoritas dessas pessoas, que acham graça em rir dos outros para se colocar numa posição mais bacana.
Autodepreciativo
Conhece algum gordinho que faz piada com seu peso para que os outros riam? Pois ele tem o humor autodepreciativo, que ri de si mesmo como mecanismo de defesa e para arrancar gargalhadas alheias.
Otimista
É a pessoa que se diverte sozinha, e que mantém um olhar positivo mesmo em momentos de estresse ou nervosismo. É o humor de bem com a vida, mas que não necessariamente faz os outros rir.
Para saber mais
The Pattern Recognition Theory of Humour
Alastair Clarke, Pyrrhic House, 2008.
The Psychology of Humor
Rod Martin, Elsevier Academic Press, 2007.