Walter Benjamin
O ensaísta alemão só foi reconhecido 20 anos depois da morte trágica, por suicídio. Ficou conhecido como o filósofo da melancolia
Leandro Sarmatz
Se Walt Disney criou o Pato Donald para encarnar a má sorte absoluta, a história da filosofia do século XX também soube urdir seu azarão. E esse foi o alemão Walter Benjamin (1892-1940), o filósofo da melancolia, o fino crítico marxista que, em vida, penou pelo reconhecimento de seus pares. Morto, tornou-se objeto de veneração acadêmica a partir dos anos 60, por obra de um de seus amigos (e velado rival), o também filósofo Theodor Adorno. Tornou-se ídolo, foi lido e discutido – muitas vezes de forma destrambelhada. Já era de se esperar: a consagração póstuma torna-se mais um capítulo da longa história de equívocos que sempre rondaram a existência do filósofo.
Nascido em Berlim, filho de um rico antiquário de origem judaica, Benjamin tinha uma verdadeira paixão colecionadora. Colecionava, entre outras coisas, livros infantis e citações. “Citações em meu trabalho são como salteadores no caminho, que irrompem armados e roubam ao passante a convicção”, escreveu de forma lapidar em Rua de Mão Única, obra em que seu pensamento adquire uma forma surrealista de montagem de textos. E era esse, mesmo, o seu “método”. Alguns de seus principais textos são construídos à base de citações sobre citações. Um mosaico filosófico, no qual os dados e “iluminações profanas” vão se sucedendo numa forma em que cada observação reage com a seguinte e assim sucessivamente – até que o conjunto seja vislumbrado dialeticamente.
Benjamin não viveu tempos amenos, para dizer o mínimo. Com a ascensão de Hitler, ainda na década de 30, a situação para os judeus na Alemanha foi se tornando insustentável. Benjamin então se refugia em Paris, terra do romancista Marcel Proust (de quem fez a primeira tradução alemã) e de seu deus, o poeta Charles Baudelaire (1821-1867). Foi inspirado por Baudelaire e pelas galerias da Cidade-Luz que o filósofo – cuja pretensão era tornar-se o principal crítico da literatura européia – resolveu conceber sua mais ambiciosa obra, o Trabalho das Passagens. Lógico que o texto não seria concluído e somente seria editado muitas décadas depois da morte de seu autor. É também durante essa temporada parisiense que Benjamin tenta uma reaproximação com o judaísmo através do plano de emigrar para a Palestina, para onde já tinha se encaminhado seu amigo, o historiador da mística judaica Gershon Sholem. Será preciso dizer que tudo foi em vão?
A pensadora alemã Hannah Arendt – ela própria uma refugiada do pesadelo hitlerista – fala do “elemento de má sorte” na trajetória do filósofo. Rememora que, no inverno de 1939-1940, com a pauleira comendo solta na Europa, o suposto perigo dos bombardeios sobre Paris fez Benjamin buscar refúgio em Meaux, cidadezinha do interior da França. Embora nenhuma bomba caísse sobre a capital francesa, Meaux era local de concentração do exército e um alvo óbvio para um ataque alemão. Antes, no final da década de 20, perseguira sua grande paixão, a atriz Asja Lacis, em pleno inverno moscovita. Retornou deprimido e, pior ainda, solitário. E não viu nada adiante para si.
Walter Benjamin se suicidou em Port Bou, na fronteira da França com a Espanha, em 26 de setembro de 1940. Foi vítima, mais uma vez, do urubu pousado em sua sorte. Com medo da captura pelas tropas franquistas e alemãs (que, a essa altura, haviam confiscado seu apartamento parisiense), depois de saber que a passagem para a Espanha estava fechada, Benjamin tomou uma grande quantidade de morfina durante a noite. Apavorados com o suicídio do filósofo, no dia seguinte os oficiais da fronteira permitiram que os demais integrantes da caravana de refugiados seguissem em direção a Portugal. Afinal, a proibição de passar para a Espanha tinha valido apenas para o dia anterior. Justamente o dia em que Walter Benjamin escolhera para sair da França e tentar a sorte em alguma paragem menos conturbada.
* Doutorando em literatura, colunista de cultura pop da Super On-line