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Ecologia nas fábricas

Para evitar riscos e amenizar as mazelas da poluição são necessários muito trabalho e idéias engenhosas.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h58 - Publicado em 31 out 1992, 22h00

Flávio Dieguez

Eles são engenheiros, advogados, gerentes, ou cientistas cuja preocupação permanente é proteger a natureza e limpar o planeta. Nem por isso precisam freqüentar manifestações públicas, complicados debates sobre a química da atmosfera, ou perigosos confrontos com baleeiras em pleno mar. Como funcionários de grandes empresas, seu trabalho consiste em inventar meios que tornem as atividades produtivas mais compatíveis com as exigências ambientais. As soluções são às vezes surpreendentes — como a que levou à troca pura e simples dos aparelhos de ar condicionado por um conjunto de simples tanques de gelo. em uma unidade industrial da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo, SP.

Produzido à noite por refrigeradores elétricos e acumulado em 24 tanques de 9 000 litros cada um, o gelo durante o dia mantém a temperatura dos escritórios da empresa em amenos 24 graus C. Com isso, a Mercedes estima que reduziu em 40% o uso dos perigosos clorofluorcarbonos, ou CFCs, gases empregados nos aparelhos de ar condicionado. Depois de liberados para a atmosfera, eles podem provocar elevação na temperatura do planeta e danificar a camada de ozônio que protege contra a radiação ultravioleta do Sol. De quebra, faz-se uso mais racional da energia, já que durante o dia os refrigeradores são desligados. O excesso de máquinas ligadas no período diurno é uma ameaça permanente de panes no sistema de distribuição das hidrelétricas.

Não está claro qual será o resultado dessas pequenas e engenhosas sacadas sobre a indústria moderna. Mesmo porque elas vêm se acumulando há cerca de vinte anos sob crescente pressão da angústia ecológica, e em alguns casos não são tão pequenas: podem aposentar fábricas no mundo inteiro e colocar novas unidades no lugar das antigas. Foi como parte de um terremoto assim que, em março deste ano, a gigante internacional Du Pont inaugurou em Uberaba, MG, instalações aprimoradas para produzir óxido de titânio um pigmento que se emprega para branquear e dar brilho aos produtos de muitos ramos industriais, sejam plásticos e papéis de todos os tipos, ou materiais de limpeza e higiene pessoal.

O problema é que o dióxido de titânio era gerado a partir de reações químicas com sais de enxofre, que deixam resíduos altamente poluentes. A solução, como descobriram pesquisadores da Du Pont, foi substituir o velho processo por algo diferente, e menos tosco, a partir de sais de cloro que podem ser reciclados e praticamente não deixam restos. Por isso, a empresa foi agraciada com uma medalha de ouro ambientar, conferida pelo Centro Mundial para o Meio Ambiente, com sede em Washington. Outro importante processo industrial ameaçado de aposentadoria compulsória é a expansão de espumas para poltronas, assentos e outros itens de largo uso atualmente.

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Como se empregam CFCs para dar consistência de espuma a certos derivados de petróleo, diversas empresas, em muitos países, procuram se livrar das espumas. Mas também se pode alterar o processo de expandi-las. A Mercedes anuncia, por exemplo, que é possível substituir os CFCs pelo inofensivo vapor de água. Este é um dos meios de que a empresa lança mão para chegar à planejada redução de 40% no uso dos CFCs. São 2 200 quilos a menos, todos os meses, só em conseqüência desse novo processo. Além disso, a empresa investiga alternativas à espuma para fazer os bancos de seus ônibus e caminhões — por exemplo, a fibra de coco aglomerada com látex de seringueira. Essa novidade é parte de uma nova cabine em que se testam inúmeras tecnologias verdes, vale dizer, potencialmente menos agressivas ao meio ambiente que suas antecessoras.

Seus pára-lamas são feitos com estopa endurecida com resina; os pára-sóis que protegem os olhos do motorista, com as populares buchas de tomar banho; e o revestimento interno emprega a juta, planta comum na Amazônia. De acordo com os técnicos, até 96% dos materiais empregados na cabine são recicláveis. Pneus velhos, por exemplo, podem ser transformados em tapetes e assolalhos internos. Só se não se encontrou ainda alternativa viável para componentes como os vidros laminados, as massas de vedação e a pintura. Naturalmente, todas essas experiências custam dinheiro, exigem mão-de-obra especializada e permanente coordenação administrativa.

E as experiências certamente são apenas a menor parte do trabalho, embora representem o lado mais criativo. Gasta-se muito mais tempo, na verdade. em tarefas de rotina, verdadeiro estado de alerta permanente contra todo tipo de problemas reais e potenciais. Nem podia ser diferente quando se lida diariamente com muitas toneladas de quaisquer substâncias — a ameaça existe pela simples quantidade. Até água pode causar dano. Num caso bem conhecido, se as usinas nucleares brasileiras despejassem no mar a água limpa, mas ligeiramente aquecida de suas turbinas, matariam parcela considerável da população de peixes.

É preciso controlar cada vez melhor as substâncias eliminadas como resíduo na operação rotineira das empresas. Para isso se usam instrumentos como o medidor de DQO, que determinam a quantidade de oxigênio natural destruído pelos líquidos. A partir daí se podem montar planos práticos para amenizar tal tipo de poluição. Na Rhodia, um dos maiores complexos químico-têxteis mundiais, o novo medidor acabou com muita dor-de-cabeça.”Nosso objetivo não é apenas obedecer à legislação, mas lançar mão da melhor tecnologia disponível para evitar gastos”, diz o engenheiro Lisê Monteiro, gerente de segurança e meio ambiente. Ele afirma que em pouco mais de dois anos, entre 1989 e 1991, o nível de DQO da Rhodia caiu 40% e a meta é reduzi-lo em mais 30% até 1993.

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Em sua opinião, a empresa inovou, pois antes se media apenas o oxigênio degradado por via biológica e em presença de ar, por meio de um índice chamado DBO; o novo índice mede também a parcela que se perde mesmo quando as reações químicas não são biológicas. A mesma filosofia se aplica aos gases poluentes, em especial os – sigla química dos vários óxidos de enxofre. Esses gases são fantasmas comuns a inúmeras indústrias porque são liberados durante a queima de óleo combustível fonte primária de calor para as caldeiras e energia para fazer girar as engrenagens de produção. A cada 3 200 toneladas de óleo diesel queimadas, vão para o ar 100 toneladas de 2, o dióxido de enxofre.

A arma que se aprontou para caçar tais fantasmas é um aparelho chamado dessulfurizador, com o qual se lava o óleo diesel com amônia para retirar o enxofre. Desde 1977, a Rhodia declara já ter reduzido em 55% suas emissões sulfurosas. Em parte, porque passou a queimar com menos enxofre, e em parte por causa do dessulfurizador. Do ponto de vista da empresa, isso significa investir no aprimoramento de um processo produtivo para não ter que, posteriormente, despender capital com a limpeza do ambiente. “O risco zero não existe”, ensina Monteiro. “Mas sempre é possível interpor barreiras para impedir danos eventuais.”Isso dá uma rápida idéia da infindável batalha criada pela complicada equação ecológica. Esta última nasceu, basicamente, com as fábricas — ou, em outras palavras, com as exigências do progresso social e do desenvolvimento tecnológico. Ela não será resolvida de modo simples e quando isso acontecer as fábricas provavelmente não serão mais as mesmas. Prova disso são as próprias soluções parciais que, a cada dia, se acumulam e modificam o seu perfil de maneira irreversível.

Para saber mais:

O mundo de cada um

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(SUPER número 4, ano 90)

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