O parque de Noé
O Zoológico de San Diego, nos EUA, com o maior centro de pesquisas veterinárias do mundo, é uma arca de salvação para muitos bichos que precisam escapar da extinção
Lúcia Helena de Oliveira, de San Diego
O “Noé” de San Diego era um cirurgião
É quase um lar. É um zôo, doce zôo. O visitante percebe de cara. No Zoológico de San Diego, as 800 espécies de bichos parecem se sentir em casa. Cada animal mora em uma área onde, das plantas à terra, tudo veio do lugar em que ele nasceu. O que o turista não vê é um parque ali perto, dezoito vezes maior do que os 100 quilômetros quadrados do zoológico, onde os animais correm soltos e podem caçar, brigar, enfim, fazer o que a natureza pede.
Observando os habitantes desse cativeiro peculiar, veterinários, biólogos, geneticistas e até psicólogos se munem de informações para evitar o desaparecimento de mais de 100 espécies. Eles são craques nisso. Foram os primeiros a reproduzir fora de seus hábitats o mico-leão-prateado, o panda e o coala, todos ameaçados de desaparecer. Como queria seu fundador, o cirurgião Harry Wegeforth, há oitenta anos, o Zôo de San Diego conseguiu montar o mais importante time de especialistas em animais em extinção do mundo. Veja ao lado algumas de suas façanhas.
Os segredos dos cientistas casamenteiros
Genética, fisiologia, doenças e comportamento. Tudo isso é estudado pelos 124 especialistas do CRES (sigla em inglês para Centro de Pesquisa das Espécies Ameaçadas). Mas para o veterinário Werner Heuschele, que dirige essa ala científica do parque há dez anos, o maior desafio é conseguir a procriação no cativeiro. Desafio já vencido em vários casos.
“O segredo é observar o bicho na natureza”, afirma Heuschele. Foi assim que sua equipe descobriu por que os pandas nunca tinham filhotes em zoológicos. “Nas matas da China, eles vivem solitários até o acasalamento, em março”, diz o especialista em comportamento Donald Lindburg. “Ninguém dava atenção a esse hábito. Os próprios chineses mantinham o casal unido o ano inteiro. Então, ou os bichos não paravam de brigar – o que, descobrimos mais tarde, alterava os hormônios da reprodução – ou conviviam feito irmãos, perdendo o interesse sexual.”
Agora, o zôo está tentando identificar por meio da genética os pais dos filhotes mais fortes. Esses machos vão receber cuidados extras, como todo bom reprodutor. E certamente serão escalados para outras missões amorosas.
O zôo do futuro em embriões congelados
Os pesquisadores do CRES já traçaram o mapa genético de metade das espécies que acolheram. Com isso, eles são capazes de dizer se um bicho tende a ter câncer ou diabete, entre outros males. Mas há também os vírus. Um deles, suspeito de causar os tumores e as doenças oportunistas que vêm matando coalas adultos, tem dado trabalho à equipe de virologia. “É parecido com o da Aids”, informa Michael Worley. “Já o isolamos, mas precisamos provar que ele está por trás dos problemas detectados.”
Se todo esse esforço for insuficiente para poupar os coalas e outras espécies, resta outra saída. Os especialistas de San Diego montaram um banco de células congeladas, incluindo óvulos e espermatozóides, de todos os habitantes do zôo. Mais adiante, o material servirá para gerar filhotes de proveta. “Brincando de futurologia, podemos até imaginar clones de seres extintos feitos a partir desse arquivo”, diz Werner Heuschele. É bom saber, pois, como filosofa o próprio Heuschele, “quem garante que a sobrevivência do homem não estará ligada à de um desses animais?”
PARA SABER MAIS
Revista Zoonooz, diversos autores, editada mensalmente pelo Zoológico de San Diego, telefone 001 619 231 1515.
Eles não fogem do dilúvio. Fogem da extinção
A grande serenidade
Em ambientes estranhos, o gorila afriano (Gorilla gorilla gorilla) não quer saber de filhos. Por isso foi criada em San Diego uma África artificial de 3 000 metros quadrados, com milhares de plantas e 200 pássaros daquele continente. Só assim o grandalhão, com seus mais de 200 quilos, mantém a calma necessária para ser um bom pai e salvar a sua espécie.
Dieta rígida
Em tamanho, o orangotango (Pongo pygmaeus) só perde para o gorila. Ele tem, em média, 1,5 metro de altura e 75 quilos mantidos graças a uma dieta de folhas, frutas e ovos de pássaros. Nativa das ilhas da Oceania, a espécie conta hoje com menos de 1 000 exemplares.
Parece gente
Até ficarem fortes, os bebês macacos, como este gorilinha, são criados em um berçário com todos os cuidados de uma maternidade moderna.
Com bilhete de volta
Há uns 2 000 micos-leões-prateados (Macaca silenus) na Índia. Com a ajuda de San Diego, onde já nasceram 23 filhotes que voltarão à natureza, o número deve aumentar.
Como a nova casa imita o antigo endereço
Tempo de reclusão
Esta foto de um leopardo negro é rara, porque ele foge quando alguém está por perto. Na verdade, não se trata de uma espécie diferente, é o mesmo leopardo pintado (Panthera pardus) durante uma fase de troca de pêlos. Enquanto não recupera as manchas amarelas, o bicho prefere se esconder na floresta asiática reproduzida em San Diego.
Água importada
O hipopótamo (Hippopotamus amphibius) passa o dia nadando. Por isso, os especialistas analisaram os rios africanos. Assim, injetaram na água de San Diego os minerais e micróbios inofensivos encontrados por lá. Ninguém queria que o nadador estranhasse o mergulho.
Espaçoso
O panda gigante (Ailuropoda melanoieuca), símbolo de campanhas ecológicas mundo afora, precisa de grandes áreas. Na China, ele some à medida que os povoados se expandem.
Livre para ter filhos
Esta espécie rara de gazela (Oryx leucoryx) está ameaçada na Arábia. Mas já nasceram 272 filhotes nos berçários do zôo americano.
Hora do lanche
Após as refeições
A cara é de quem quer carinho, mas os coalas (Phascolarctos cinereus) costumam repudiar os afagos. Só não reagem agressivamente quando estão com a barriga cheia de folhas de eucalipto.
Bonecos garçons
O filhote do condor-dos-andes (Vultur gryphus) nunca aceita comida de estranhos. Para contornar o bloqueio, o tratador se esconde e usa um fantoche imitando o papai condor.