Eles têm três corações e nove cérebros. São capazes de alterar o próprio RNA – e imitar coisas que sequer viram. Conheça as características mais surpreendentes do animal mais “alienígena” da Terra.
Texto Bruno Garattoni e Olívia Fraga
Polvos não enxergam cor. Dentro dos olhos, eles só têm o equivalente dos bastonetes (células que, na retina humana, são responsáveis por detectar luz). Os cientistas sabem disso faz tempo. Inclusive o biólogo Roger Hanlon, que está acompanhando um polvo a 20 metros de profundidade na costa da Espanha. O polvo se aproxima de um montinho de algas marinhas – e, aí, algo extraordinário acontece.
O bicho muda de cor e fica marrom, imitando as algas. Mas, se ele não é capaz de ver as cores, como sabe que as algas são marrons? Alguns cientistas acham que os polvos detectam as cores pela pele: possivelmente graças à opsina, uma proteína sensível à luz. Outros dizem que o segredo está em suas pupilas, que têm formatos bizarros (em “u” ou “w”, não circulares como as nossas) e por isso funcionariam como prismas, decompondo as cores em pedaços que os olhos dos polvos conseguiriam processar. Mas, no fim das contas, ninguém sabe.
Da mesma forma, ninguém sabe explicar o caminho evolutivo que fez os polvos desenvolverem três corações (um deles distribui sangue oxigenado pelo corpo todo, e os outros dois recebem sangue sem oxigênio e o levam até as brânquias, para que seja oxigenado) e, mais estranho ainda, um conjunto de nove cérebros. Eles possuem um cérebro central e oito paralelos, um dentro de cada tentáculo – num conjunto que totaliza 500 milhões de neurônios. É a mesma quantidade de um cachorro.
Mas os polvos são capazes de algo que nenhum canino faria: pensar com as pernas. Os tentáculos concentram 70% dos neurônios, e são capazes de se comunicar diretamente uns com os outros, sem passar pelo cérebro central.
Essa arquitetura exótica confere aos polvos uma capacidade cognitiva surpreendente, como biólogos americanos constataram em 2003. Eles deram um frasco de remédio à prova de crianças, daqueles que parecem impossíveis de abrir, para Billye, uma fêmea de Polvo-gigante-do-Pacífico. Billye se interessou pelo objeto, ficou brincando com ele – e, em menos de uma hora, aprendeu sozinha a abri-lo.
Já o polvo Otto, que vivia num parque aquático em Colônia, na Alemanha, ficou irritado com uma luz de 2.000 watts colocada em cima do seu tanque. Mas descobriu que podia apagá-la subindo na beira do tanque e esguichando água na lâmpada, o que causava um curto-circuito. Os zeladores trocavam a lâmpada, mas depois ela queimava de novo. Eles acharam que fosse um problema na instalação elétrica, e só descobriram o que realmente estava acontecendo depois de passar três noites dormindo no parque: pegaram Otto no flagra.
O livro Outras Mentes: o polvo e a origem da consciência (Editora Todavia), do cientista australiano Peter Godfrey-Smith, narra um episódio similar. Aconteceu num laboratório da Universidade de Guelph, no Canadá, mantido pelo biólogo Stefan Linquist. Alguns polvos ficavam zanzando por seus tanques, como se estivessem “testando” o lugar e seus compartimentos – além de testarem também, por tabela, a paciência dos cientistas.
Um belo dia, Linquist chegou para trabalhar e encontrou uma bagunça: os polvos tinham tapado, de propósito, as válvulas de drenagem dos tanques. Eles transbordaram, e o laboratório ficou inundado. “Quando você trabalha com peixes, eles não têm ideia de que estão num tanque, um lugar que não é natural.
Com os polvos é totalmente diferente. Eles sabem que estão dentro de um contêiner, e que você está fora”, diz Linquist. Talvez os polvos estivessem querendo fazer alguma traquinagem para brincar com Linquist. Mas o mais provável é que aquilo fosse uma tentativa de escapar e fugir para o mar.