Quem vê Peirópolis no Google Maps – um vilarejo de nove ruas e uma rotatória em Uberaba, no Triângulo Mineiro – nota algo peculiar: a pousada local se chama Lago dos Dinossauros. Um restaurante foi batizado de Toca do Dinossauro; outro, de Caçarola do Dino. Quem quer cerveja vai ao Jurassic Bar. A estação de trem desativada tornou-se o Museu Paleontológico de Peirópolis. Em seu jardim, o artista plástico Northon Fenerich esculpiu em tamanho real um titanossauro – dino herbívoro pescoçudo, com patas de elefante. Por lá, a Pré-História gera mais de cem postos de trabalho.
É que a formação geológica Marília, sobre a qual se assenta Uberaba, contém uma das maiores concentrações de fósseis de dinossauro conhecidas no Brasil. São fragmentos (em geral, ossos, dentes e até cocôs fósseis) de répteis que viveram ali entre 80 e 66 milhões de anos atrás – o fim do período Cretáceo, que termina com a queda de um asteroide na península de Yucatán, no México. Só o CPPLIP, centro de pesquisa fundado na década de 1990 para explorar a região, extraiu cerca de 4 mil desses fragmentos. Além dos dinos em si, há alguns de seus contemporâneos: tartarugas, crocodilos, rãs e peixes.
Desde 2006, vigora uma lei que obriga o terreno de qualquer obra de construção civil em Uberaba a passar pela avaliação prévia de um paleontólogo. Funciona: “Em 2016, nas fundações de um shop- -ping no centro, encontramos dois esqueletos de titanossauro, um deles bem articulado”, conta Luiz Carlos Borges Ribeiro, professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e ex-diretor do museu em Peirópolis.
Ribeiro já teve seu momento Indiana Jones: em 2004, durante a duplicação da BR-050, que liga Uberaba a Uberlândia, uma escavação na encosta da Serra da Galga revelou vértebras encravadas na rocha. Ribeiro passava de carro pelo trecho em obras e viu os fósseis de longe. Lá, se escondiam 230 ossos, pertencentes a uma família de dinossauros da espécie de nome científico Uberabatitan riberoi: Uberaba por causa da cidade, titan pelo porte (16 toneladas), riberoi em referência a Luiz Ribeiro. O riberoi, como o dino da escultura de Peirópolis, era um titanossauro – o do pescoço longo. É, talvez, o maior do Brasil.
Uberaba está no ramo dinossáurico desde 1945. A estrada de ferro Mogiana, que ia até o sertão de Goiás, passava por Uberaba e transpunha a Serra da Galga. Era um trecho íngreme e perigoso; um desvio mais seguro começou a ser construído após um descarrilamento. O engenheiro responsável por essa obra encontrou ossos petrificados ao dinamitar uma encosta de morro, e a notícia chegou ao patriarca dos dinossauros brasileiros, Llewellyn Ivor Price.
O nome tem explicação: Price nasceu no Rio Grande do Sul, mas era filho de missionários metodistas dos EUA. Estudou na Universidade de Oklahoma e foi trazido de volta ao Brasil pelo governo Vargas para trabalhar na seção de paleontologia do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Era o workaholic perfeito para a missão: “Ele colecionava tudo o que dizia respeito a fóssil do Brasil”, contou a paleontóloga Vera da Fonseca em uma entrevista em 2011. “Tirava xerox e colocava em umas pastinhas. Dizia: ‘Pode pegar o que quiser, desde que coloque um papelzinho aqui dizendo que levou.’”
Assim que chegou a Uberaba, Price viu os operários da ferrovia jogando bocha com um ovo de titanossauro no lugar da bola; a casca já estava fragmentada pelo atrito com o chão. Foi o primeiro ovo fóssil da América do Sul. Daquele dia até 1976, Price liderou as escavações e despachou centenas de descobertas para o Museu de Ciências da Terra, no Rio de Janeiro, que pertence ao Serviço Geológico do Brasil.
Price não fez descobertas só em Uberaba, é claro. Seu primeiro achado brasileiro, diga-se, foi em outra formação geológica: a de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Lá estava um Staurikosaurus pricei, caçador pequeno e ágil, de dentes afiados [ele é o da ilustração nº 1 – de agora em diante, os dinossauros serão numerados]. O exemplar foi despachado para os EUA, e só seria analisado na década de 1970. Calhou que era valioso: viveu há 233 milhões de anos, no Triássico – o que significa que o gaúcho é um dos dinos mais antigos do mundo, em oposição aos mineiros, que estão entre os mais novos.