O senhor dos anéis
Então beleza: um qubit é zero e um ao mesmo tempo. Assim, ele faz simultaneamente operações que os computadores comuns precisam fazer uma de cada vez [veja o gráfico abaixo]. Resta a questão: como isso é fisicamente possível? Como é o hardware que roda os qubits?
Ele é bem diferente de um amontoado de transistores colado em uma pastilha de silício – que é o que encontramos no recheio de uma máquina convencional. Para uma coisa assumir o papel de qubit, ela precisa ser capaz de se manter por algum tempo (mesmo que seja apenas uma fração de segundo) naquele estado de incerteza do gato de Schrödinger.
Os qubits do Google e da IBM (pois é, a IBM também investe pesado na tecnologia) são anéis microscópicos fabricados com materiais supercondutores. Os supercondutores são metais que, resfriados a uma temperatura baixíssima, conduzem corrente elétrica sem oferecer nenhuma resistência – daí o nome.
A corrente elétrica, por sua vez, é uma fila indiana de elétrons – que são partículas fundamentais minúsculas. A ideia, então, é que se você fizer um anel com um fio supercondutor e soltar elétrons para rodar nesse fio, eles vão rodar para sempre, sem parar. Lembre-se: resistência zero.
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Os elétrons podem rodar tanto no sentido horário quanto no sentido anti-horário. Para onde eles vão? Você pode decidir. Basta atingi-los com um pulso de ondas eletromagnéticas. Se elas forem de uma certa frequência, os elétrons rodam no sentido horário. Se forem de outra frequência, no sentido anti-horário.
Aqui entra o pulo do gato (de Schrödinger): existem frequências intermediárias que deixam o anel confuso. Ele acaba entrando no tal estado de superposição quântica, em que os elétrons rodam nos dois sentidos ao mesmo tempo. Assim, o qubit pode ser lido como zero ou como um – o que for mais conveniente.
Os anéis não são a única solução. “Várias plataformas estão em desenvolvimento em empresas e universidades pelo mundo. Qual vai ganhar, ninguém sabe. Talvez o que seja equivalente aos nossos transistores atuais ainda esteja alguns anos à frente”, diz Udson Cabral Mendes, professor do Instituto de Física da UFG (Universidade Federal de Goiás). Certos computadores funcionam usando íons aprisionados, por exemplo. Mas a explicação desses métodos é ainda mais cabeluda que a dos anéis.
Um chip quântico com 53 qubits, como o do Google – eram 54 inicialmente, mas um dos anéis deu problema –tem capacidade de processar 253 (um número com 53 zeros) combinações ao mesmo tempo. Já é muito. Mas então, para ter computadores cada vez mais potentes, basta empilhar o maior número de qubits possível, certo?
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Sim. Mas boa sorte fazendo isso. O fenômeno de superposição quântica é muito sensível. Dura apenas uma pequena fração de segundo. Depois disso, os qubits decidem para que lado vão rodar, e é preciso calibrar todo o sistema novamente.
Além disso, quanto mais perturbado pelo ambiente exterior uma máquina quântica é, mais suscetíveis a erros estão os resultados de um cálculo. Qualquer coisa que tente interagir com esse sistema – como luz, calor ou qualquer vibração – pode fazer com que qubits assumam uma das faces da moeda.
Para evitar interferências ao máximo, os computadores quânticos são mantidos em um ambiente extremamente controlado. A começar pela temperatura. Um chip quântico precisa operar próximo ao zero absoluto: -273 ºC. Só nessa friaca que os anéis se tornam supercondutores de elétrons. É preciso, também, que as partes mais sensíveis estejam isoladas em uma câmara selada, sem uma molécula de ar. Vácuo, mais vazio que o vácuo do espaço.
“O difícil não é fazer novos qubits em laboratório, mas sim controlá-los”, explica Francisco Rouxinol, coordenador do Laboratório de Física em Circuitos Supercondutores para Dispositivos Quânticos da Unicamp.
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O pesquisador lidera o projeto que, até o início de 2021, pretende fazer funcionar o primeiro dispositivo com qubits supercondutores do país. No começo, o modelo vai operar com até 3 qubits. “Precisamos, primeiro, demonstrar que temos controle sobre essa tecnologia. Só depois começar a montar um número maior de qubits.”