Texto: Bruno Garattoni | Ilustração: Rafael Eifler | Design: Juliana Krauss
OPlayStation 2 era uma arma de guerra. Quando a Sony lançou o console no Japão, em março de 2000, ele foi um sucesso instantâneo: vendeu 500 mil unidades só no primeiro dia (e se tornou o videogame mais bem-sucedido de todos os tempos, com 155 milhões de unidades e 1,5 bilhão de jogos vendidos). Mas o governo japonês percebeu que o aparelho, capaz de executar 6,4 bilhões de operações por segundo, também poderia ser usado em sistemas de orientação de mísseis – e proibiu sua exportação para o Irã, o Iraque, a Líbia e a Coreia do Norte. Na época chegou a circular uma notícia, jamais comprovada, de que o ditador Saddam Hussein havia contrabandeado 4 mil consoles.
Vinte anos se passaram, Saddam está morto, e não há ninguém querendo usar os videogames da nova geração para fins militares. Mas eles, com boa parte do mundo trancada em casa por causa da pandemia, estão tendo a recepção mais quente de todos os tempos: a Sony vendeu todas as unidades do PlayStation 5 que colocou no mercado, no mundo inteiro, e a chegada dos Xbox Series X e Series S fez a internet ferver – na Inglaterra, seu lançamento aumentou o tráfego de toda a rede em 30%, superando 25 terabits por segundo, enquanto as pessoas baixavam games para os novos consoles da Microsoft.
Qual dos três é o melhor? Para descobrir, passamos um mês testando exaustivamente os novos consoles, mais de 30 jogos, e também o serviço Project xCloud, da Microsoft, que permite jogar direto no smartphone ou tablet.
O Xbox Series X é o mais potente da nova geração, com chip gráfico capaz de executar 12 teraflops (trilhões de operações por segundo). O Play Station 5 fica um pouco atrás, com 10,88 teraflops. Mas essa diferença de 10%, na prática, não importa muito. Em quase todos os games multiplataforma que testamos, como Watch Dogs: Legion, Assassin’s Creed Valhalla, Dirt 5 e Call of Duty: Black Ops Cold War (leia mais sobre os jogos no quadro abaixo), as máquinas da Sony e da Microsoft tiveram desempenho equivalente, com gráficos essencialmente idênticos. Ambas possuem a tecnologia ray tracing, que usa física real para desenhar a iluminação e os reflexos das cenas na tela (a luz não é simulada, como antes), e deixa os jogos bem mais bonitos e realistas.
E ambas dispensam o disco rígido em favor de um solid state disk (SSD), que carrega os games muito mais rápido. A verdadeira diferença entre o Xbox Series X e o PS5 está nos games exclusivos de cada um. Nisso, a Sony saiu na frente: Spiderman: Miles Morales é, claramente, o jogo mais impressionante da nova geração até agora. Ele é o primeiro game da era moderna a abolir o malfadado “loading” – o SSD do PlayStation 5 reage instantaneamente, carregando o jogo e seus cenários em frações de segundo (inclusive quando você pula diretamente de um lado para o outro da cidade), e os gráficos também impressionam. A Nova York em que se passa o game é extremamente detalhada, com bem mais pessoas e coisas do que nos games da geração passada. As superfícies do cenário, como vitrines, carros e até poças d’água no chão, usam ray tracing para distribuir a luz, com resultados muito bonitos e envolventes. Ao jogar Miles Morales, fica claro que você tem em mãos um game da nova geração.
Esse também é o caso de Astro’s Playroom, que vem instalado de fábrica no PlayStation 5. Ele foi projetado para demonstrar os recursos do controle DualSense, que usa duas novas tecnologias: os gatilhos adaptáveis e a vibração háptica (veja quadro abaixo). O novo sistema de vibração é ultradetalhado, capaz de simular sensações como patinar no gelo, caminhar na areia, andar de metrô ou tomar chuva. É um efeito inédito – e bastante impressionante. Os gatilhos (botões que ficam na parte de trás do controle) também são interessantes, pois se alteram conforme o que você está fazendo no jogo: quando você vai pegar um objeto ou puxar uma corda, por exemplo, eles ficam mais duros. O DualSense também tem microfone e sensor de movimento (ambos usados, de forma bem inteligente, em Astro’s).
Ele é uma clara vantagem do PlayStation 5 em relação ao Xbox, cujo controle é bem mais tradicional. Isso fica especialmente evidente no jogo de tiro Call of Duty: Black Ops Cold War, que explora muito bem os gatilhos adaptáveis do PS5: além de oferecer resistência, como o gatilho de uma arma real, eles mudam de “peso” de acordo com a arma que você está usando. NBA 2K11 também usa bem o novo recurso: o gatilho direito (R2), que é usado para correr, fica mais pesado ao decorrer da partida, conforme os atletas se cansam. Essas coisas realmente aumentam a imersão nos games – e não dá vontade de voltar a jogar com um controle comum.
Mas os jogos precisam usar os novos recursos, o que não é garantido – na geração passada, o touchpad do PlayStation 4 acabou sendo praticamente ignorado pelos desenvolvedores de jogos. Em Miles Morales e Watch Dogs: Legion, por exemplo, o sistema háptico e os gatilhos são pouco explorados. Em Assassin’s Creed, ignorados. E, no jogo de corrida Dirt 5, meio mal usados: por alguma razão, a vibração do DualSense nesse game é estranha (lembra uma escova de dentes elétrica). O Xbox, com seu controle tradicional, acaba simulando muito melhor os solavancos dos carros nas pistas off-road. Mas é uma exceção.
Em suma: o console da Sony leva vantagem no gamepad e nos jogos exclusivos, inclusive os que serão lançados nos próximos anos – The Last of Us, God of War e Horizon, as obras-primas que marcaram o PlayStation 4, terão continuações no PS5. A Microsoft responde com uma arma igualmente poderosa. Na verdade, três.