Texto: Alexandre Carvalho | Design: Andy Faria | Imagens: Divulgação
De Francis Ford Coppola (1979), é uma mistura moderna da Odisseia com O Coração das Trevas – e o que sai daí é o melhor filme de guerra já feito.
“Eu adoro o cheiro de napalm pela manhã. Cheira a… vitória”. O contexto em que essa frase famosa emerge no filme confirma a indiferença com a morte que as palavras expressam. O tenente-coronel Bill Kilgore (Robert Duvall) descobre que um surfista-celebridade está entre os soldados. Ele, então, organiza um ataque aéreo a uma praia dominada pelos vietcongues.
Só porque o lugar tem ótimas ondas. Durante a ofensiva, seu pelotão de helicópteros toca a todo volume A Cavalgada das Valquírias, do compositor Richard Wagner, enquanto bombardeia vilarejos e massacra camponeses. Quando enfim as aeronaves pousam, é um tiroteio danado. Mas o oficial ordena que seus comandados peguem onda assim mesmo – com bombas explodindo a poucos metros das pranchas.
Kilgore é um personagem secundário no épico de Coppola, mas incorpora à perfeição a mensagem principal do filme: a aventura dos Estados Unidos no Vietnã foi uma insanidade desvairada – e era preciso perder a razão também para não sucumbir. Esse mergulho na loucura é o caminho percorrido pelo capitão Willard (Martin Sheen, pai do Charlie), que precisa subir um rio vietnamita com a missão de localizar e matar um oficial americano de alta patente (Marlon Brando), que supostamente perdeu a razão, abandonou o Exército e agora domina, como um tirano paternalista, um povoado local – onde é cultuado como uma divindade.
Nessa jornada – comparada pelo próprio Coppola à Odisseia grega –, Willard vai se deparar com um cenário dantesco: restos de aviões caídos às margens do rio, corpos dependurados, esquartejados, boiando… e a progressiva perda da sanidade de seus companheiros de barco. O roteiro é baseado no romance dark O Coração das Trevas, de Joseph Conrad, lançado em 1899, e dele empresta a conclusão mais absoluta quanto ao que se passava no Vietnã à época: “o horror… o horror…”
Essa abordagem psicológica de um conflito armado entre nações ganhou um status absolutamente novo com a Guerra do Vietnã. A grande maioria dos filmes a respeito da 2ª Guerra Mundial tinha um ponto de partida que simplificava as coisas: Hitler era o vilão, e os Aliados, os mocinhos. Matar nazistas parecia com exterminar um mal absoluto. Mas, quando os EUA decidiram mandar seus jovens para a matança no Sudeste Asiático, o país se dividiu – e o cinema passou a reproduzir essa desconfiança. O maniqueísmo e os protagonistas heroicos dos filmes da 2ª Guerra deram lugar à ambiguidade, ao autoquestionamento e a uma tortura psicológica sem precedentes.
Realizado poucos anos após o fim do conflito, Apocalypse Now não foi o primeiro grande filme a tratar dos horrores do Vietnã – lançado um ano antes, o pioneirismo coube a O Franco Atirador, com Robert De Niro. Mas, até hoje, a superprodução de Coppola foi o mais ambicioso nessa tarefa. Não sem pagar um preço alto por isso.
As filmagens foram tão caóticas quanto a realidade que o filme quis mostrar. Sheen, o ator principal, teve um ataque cardíaco logo de cara e quase morreu – Coppola teve de esconder isso dos produtores para o filme não ser cancelado. Brando chegou 40 quilos acima do peso, sem ter lido o roteiro. E o prazo de seis semanas de filmagem se estendeu para um ano e meio. Parece muito? A pós-produção demorou três anos, sem que Coppola se decidisse quanto à edição final das cenas. Demorou tanto que a imprensa começou a chamar o filme de “Apocalypse Nunca”.
Entre a insegurança com o próprio trabalho e pressões de todo lado, o diretor tomou uma decisão intempestiva: mandou para o prestigioso Festival de Cannes uma versão inacabada do filme – uma “obra em progresso”. E, mesmo assim, ganhou a Palma de Ouro. Era o começo da glória de um dos filmes mais inquietantes da história do cinema – que mostrou, melhor do que todos os outros, como a investida dos EUA no Vietnã foi uma temporada no inferno.