Um dos protagonistas do Monte Olimpo, Apolo é dos mais adorados entre os deuses gregos. Até por ser uma divindade multifunção: é o deus do Sol, da luz, da verdade, da profecia, da cura, da beleza masculina, do equilíbrio, da razão...
Texto: Maurício Horta | Edição de Arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria |
Imagens: Adobe Stock e Getty Images
NOME ROMANO – FEBO • DIVINDADE – DEUS DA PERFEIÇÃO
O deus Apolo representa a essência dos valores da civilização helenista. Ele incorpora a pureza, a grandeza e a prudência. Sua luz é a luz metafórica, que inspira o coração da mesma forma que o Sol ilumina o mundo. Mas o termo “apolíneo”, no que significa de “harmonia” e “equilíbrio”, talvez não pudesse ser aplicado a esse deus antes que ele atingisse a maturidade. Até lá, Apolo foi movido a paixões exageradas – um comportamento que lhe rendeu muitos dissabores, mas que também pavimentaria o caminho para o desenvolvimento de uma personalidade mais madura e, aí sim, análoga à perfeição. Mas antes vamos ver como esse deus veio ao mundo, segundo a mitologia grega.
Ainda nos tempos em que o titã Prometeu roubou o fogo do Monte Olimpo e o entregou aos mortais, Zeus ordenou que o irmão Poseidon, deus do mar, provocasse um dilúvio grande o suficiente para acabar com todos os humanos. Dele só se salvou um casal de cada espécie, que se protegeu numa arca construída por Deucalião sob o conselho de Prometeu. Terminado o dilúvio, a Terra foi coberta de um espesso lodo, que a fez produzir uma enormidade de coisas, tanto boas quanto más. Entre as piores delas está Píton, uma serpente gigante.
Quando Hera descobre que Leto, a deusa do anoitecer, está grávida de Apolo e Ártemis, filhos de Zeus, ela envia a terrível Píton para que impeça a rival de dar à luz. Sem poder parir em nenhum território, Leto consegue se livrar da maldição tendo seus filhos na ilha flutuante de Delos. Apolo nasce de um parto difícil, mas basta ser alimentado com néctar e ambrosia para que cresça imediatamente e diga: “A música e o arco e a flecha serão caros para mim, e declararei aos homens o desejo infalível de Zeus!”. Nesse momento, Delos se torna dourada com a luz que dele irradia.
Ainda aos 4 dias de idade, Apolo segue ao Monte Olimpo para cantar junto aos deuses, e logo desce de volta à Terra para destruir a serpente Píton, que se esconde em uma caverna no Monte Parnaso. Apolo pega seu arco e flechas e acerta o monstro. Píton começa a se debater e a rodar, jorrando sangue até que conclui seu último suspiro em um grito ensurdecedor. “Agora apodrece sobre o solo que alimenta o homem!”, exclama Apolo. “Finalmente não serás mais uma maldição para aqueles que se alimentam das frutas nem trará nenhuma outra desgraça!”.
Mas o poeta romano Ovídio nos conta que Apolo é tomado por uma vaidade tão grande quanto a bravura de ter matado a serpente. “Ou talvez ainda maior”, pensa Eros, deus da paixão arrebatadora. Apolo vê Eros com seu arco e flechas e lhe pergunta: “O que fazes aí, menino insolente, com armas dignas da guerra?
O arco e a flecha existem para ser usados somente pelos maiores dos deuses celestes, cuja força é capaz de matar bestas selvagens – tal como Píton, que acabo de aniquilar. Contenta-te com as chamas de tua tocha e deixa para mim a glória que me pertence!”.
Eros responde: “Lembra-te, Apolo, que tu podes conquistar o mundo inteiro com teu arco, mas com esta pequena flecha posso eu atingir o peito teu, e assim a minha glória será maior que a tua”.
Dito isso, Eros abre suas asas e sobrevoa o Monte Parnaso. De lá, puxa seu arco e lança duas flechas diferentes, uma com a ponta de ouro afiada, que anima o amor, outra com a ponta de chumbo rombuda, que o repele. A primeira atinge Apolo, que sente o coração encher-se de amor, a segunda acerta a ninfa Dafne, filha do rei Peneu, que então fica tomada pelo horror à ideia de amar. Em vez disso, a ninfa resume seu prazer à vida na natureza.
Quando seu pai a aconselha a se casar e lhe dar netos, Dafne se envergonha e responde: “Querido pai, permita que eu viva para sempre virgem da mesma forma como Zeus prometeu a virgindade a Ártemis”. Mas, ainda que seu pai conceda seu desejo, Dafne permanecerá irresistivelmente atraente. E Apolo, mesmo presidindo todos os oráculos do mundo, não pode deixar de se enganar pela esperança de amá-la.
Quando vê os cabelos loiros de sua amada balançando em seu pescoço, o deus pensa: “Quão lindos seriam se ela os penteasse”. Para seus olhos, os olhos de Dafne são como estrelas; seus lábios, os mais doces para beijar; suas mãos, seus dedos, seus braços, seus ombros, tudo o que vê na ninfa é o mais belo do mundo.
De nada adianta Apolo correr atrás de Dafne, pois, ao fugir, seus delicados pés são mais rápidos que o vento. Mesmo que o deus chame: “Ó ninfa, ó Dafne, não sou teu inimigo; por que foges de mim como a ovelha foge do lobo enraivecido, como o tímido fauno foge do leão, como a pomba foge da águia? Não corre, pois podes cair. Pergunta para quem quiseres e saberás que não sou um homem rude das cavernas nem um pastor.
Sou filho de Zeus, e todos me veneram. É das minhas palavras que os oráculos informam sobre o presente, o passado e o futuro, e é da minha harpa que saem os sons que animam os deuses. Fui eu quem inventou a medicina e o poder das ervas, mas, por mais que minha obra seja aclamada em todo o mundo, não há poção que possa remediar a ferida do meu coração!”.
Mesmo com essas palavras, Dafne continua a correr. E, quanto mais ela foge, mais linda parece a Apolo, que a persegue loucamente, tal qual o cão de caça ao notar o medo de sua presa. Até que Dafne começa a fraquejar, enquanto Apolo mantém seu vigor; sua respiração ofegante alcança os cabelos da amada. Ao sentir que não terá mais forças, ela invoca seu pai: “Ajuda-me, pai! Cobre-me com a terra! Destrói a beleza que me feriu ou transforma o corpo que destrói a minha vida!”.
Antes mesmo de terminar sua prece, seu corpo é tomado pelo torpor; uma casca envolve seu seio e seus cabelos se tornam folhas. Seus braços se transformam em galhos, seus pés penetram a terra como raízes e sua face vira a copa da árvore. Apolo abraça-a e sente os seios sob a casca do tronco. Tenta beijar seus ramos, mas eles se afastam dos lábios apolíneos. “Tu podes não ser minha esposa, mas serás minha árvore preferida, e suas folhas, o louro, serão para sempre minha coroa.”
A MORTE DO FILHO
Somente uma vez Apolo causará desgosto a seu pai, Zeus. Mas esse desgosto será o maior que o rei dos deuses jamais poderá sofrer. Tudo começa depois de Apolo se deitar com a mortal Corônis. Embora ela carregue um filho seu, apaixona-se por um príncipe. Ao saber da traição, Apolo decide matar a mulher e o amante, mas consegue salvar, ainda na barriga da mãe, seu filho Asclépio.
Conforme Asclépio se torna adulto, começam a surgir por todos os cantos do mundo histórias de que ele não só cura os doentes como consegue trazer os mortos de volta à vida. Hades, rei do Tártaro, se irrita com a audácia daquele que rouba almas de seu reino sombrio e envia ao Monte Olimpo uma queixa formal contra o filho de Apolo. Zeus julga correta a indignação de seu irmão e, com seu raio, sentencia e executa a pena de morte de Asclépio.
Apolo fica desolado com a morte de um filho tão talentoso, e essa desolação se torna ódio cego. Em vingança contra o pai celeste, Apolo leva seu arco e flecha até o Monte Etna e mata os ciclopes, que produzem os raios de Zeus. O crime é tão grave que o rei dos deuses decide mandar Apolo, seu próprio filho, à escuridão do Tártaro.
Antes de Zeus levar a cabo sua nova sentença, Leto, mãe de Apolo, intervém e clama pela piedade celeste. Com isso, Zeus diminui a pena para um ano de trabalho forçado, e Apolo desce à terra dos mortais para pastorear o rebanho de vacas do rei da Tessália. Por mais indigno que esse trabalho possa parecer para um olímpico, Apolo o cumpre com dedicação. É durante esse período que ele conhece Hermes, seu meio-irmão e melhor amigo.
Na ocasião, o rapaz rouba 50 das vacas que Apolo pastoreava, mas em troca o presenteia com a lira, cujo som vale mais do que os animais. Também é durante essa penitência que Apolo finalmente aprende a humildade. Depois de sua prepotência ter-lhe custado Dafne e quase tê-lo confinado no Tártaro, o deus da luz passa a sempre pregar a moderação. Dali em diante, as frases “Conhece-te a ti mesmo” e “Nada em excesso” jamais sairão de seus lábios.
ORÁCULO DE DELFOS
No templo dedicado ao deus da profecia, sacerdotisas intoxicadas falavam em nome de Apolo.
Era na cidade de Delfos que ficava o mais importante centro religioso da Grécia Antiga: um templo dedicado a Apolo, em cujos subterrâneos funcionava o Oráculo, a quem os cidadãos recorriam para receber previsões sobre o futuro, conselhos e orientações.
Duas falhas geológicas atravessam Delfos. Estudos feitos em 1996 mostraram que o subsolo do local é formado por pedra calcárea betuminosa, que pode emitir etileno, um gás capaz de produzir alucinações. Isso explicaria os “vapores sagrados” presentes no Templo de Apolo.
Quando esses vapores eram inalados no local por uma sacerdotisa – uma mulher de vida irrepreensível, escolhida entre as camponesas gregas –, essa religiosa entrava numa espécie de transe mediúnico e seria possuída pelo espírito de Apolo, que fazia as profecias.
Esse centro místico de Delfos se manteve em atividade entre os séculos 8 a.C. e 2 a.C., e era muito procurado tanto por cidadãos comuns quanto pelas maiores autoridades da Grécia.