A auto-hipnose não apenas existe como é um poderoso instrumento, capaz de aumentar o nível de concentração, combater vícios e enfrentar traumas. Você deve atuar como hipnólogo e hipnotizado ao mesmo tempo.
Texto: Agência Fronteira | Edição de Arte: Jorge Oliveira | Design: Andy Faria | Imagens: Getty Images e Thales Molina
Você está dirigindo quando se lembra de um problema importante. Fica tão concentrado na solução que, quando percebe, o carro já está estacionado. Você não lembra por onde passou e se pergunta como pôde dirigir por tanto tempo sem prestar atenção no trânsito. Acredite: você acaba de praticar auto-hipnose – sem querer. Algo que pode ocorrer quando uma pessoa está altamente concentrada em uma leitura, em um jogo ou em qualquer situação que prenda a atenção de verdade. Os estímulos periféricos são desligados do cérebro racional, e instintos básicos, como a fome, surgem somente quando a tarefa acaba.
Mas a pergunta que você deve estar se fazendo é outra: é possível se hipnotizar de propósito a ponto de criar transes com objetivos específicos? Sim. A auto-hipnose já traz bons resultados para aplacar dores e auxiliar no tratamento de traumas e fobias. Ou apenas para melhorar a saúde física e mental. Miriam Farias, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Hipnose (SBH), ensina um ritual diário de auto-hipnose. Em meio à rotina atribulada de seu consultório, no Rio de Janeiro, ela faz uma pausa de duas horas entre a manhã e a tarde. Primeiro, ela almoça. Depois, induz a si mesma a um estado de transe, orientando a própria mente a relaxar e dormir de maneira revigorante. Entre a hipnose e o sono, o relax geralmente dura uma hora e meia.
Conhece-te a ti mesmo
Assim como a hipnose, a auto-hipnose é uma técnica testada e comprovada cientificamente que potencializa a concentração. Um estado de foco total. A hipnose tradicional depende de duas pessoas: uma para induzir ao transe e coordenar as sugestões e outra para receber as instruções. Mesmo sozinho, o princípio se mantém o mesmo. Na auto-hipnose, ambos os sujeitos se restringem à mesma pessoa: você. A auto-hipnose funciona quando a pessoa consegue criar uma situação em que o corpo aceita comandos da mente como se pertencessem a indivíduos distintos.
Para isso, é fundamental conhecer o próprio corpo. Como a hipnose é um estado neurofisiológico, a pessoa só percebe que está de fato em transe quando pernas, braços e tronco dão sinais de relaxamento e de tranquilidade. Aí, sim, a sessão começou. A autossugestão pode ser feita para quase tudo: auxiliar no combate às dores, ao tabagismo, ao alcoolismo, à timidez ou à busca pelo emagrecimento. Tudo na base de mantras como “vou me estressar menos com meu chefe” ou “vou comer menos comidas gordurosas”. Tudo dito de maneira positiva. Mas, as sugestões dependem do perfil de cada pessoa e devem ser personalizadas. Se você não lida bem com ordens de terceiros, provavelmente não vai receber instruções diretas nem de você mesmo. Busque um método mais sutil.
No rol de seus pacientes, Miriam ensina a técnica da auto-hipnose a uma categoria peculiar: concurseiros. Praticando o transe hipnótico antes das provas, as pessoas que fazem concursos conseguem maiores níveis de concentração, focando a atenção apenas no objeto de estudo. “Memória é resultado de atenção, concentração e foco. Quanto mais tiver isso, maior será o conhecimento em relação a determinado assunto”, explica a psicóloga.
Há mais de 20 anos trabalhando com o Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP, Fabio Puentes também está habituado a ensinar pacientes a praticar a auto-hipnose, já que pouco adiantaria alguém eliminar uma dor apenas na hora da consulta. Por isso, alguns pacientes são orientados a usar processo de ancoragem, criando uma espécie de gatilho que dispara uma emoção ou um pensamento positivo quando não estiverem ao lado do terapeuta. “Um sujeito que decide parar de fumar pode usar uma ‘âncora’ instalada previamente em sua mente para diminuir a ansiedade e evitar o uso do cigarro”, explica o psicólogo e hipnoterapeuta Alberto Dell’Isola. Pode ser um gesto, como colocar as mãos sobre as pernas, ou mesmo uma simples palavra. Em uma sala de aula, por exemplo, ao estudar um idioma, você pode utilizar o verbo “reter” como âncora para fixar o aprendizado – basta acionar o gatilho quando precisar usar esse conhecimento.
Não existe contraindicação para a auto-hipnose – assim como não existe fórmula mágica para colocar alguém em transe. Alguns macetes, no entanto, podem facilitar a vida de quem queira tentar. Primeiro, crie um ambiente agradável, com luz baixa. Livre-se de barulhos que possam atrapalhar, como o celular. Sente-se em uma poltrona confortável, relaxe a musculatura e procure um ponto fixo para observar, como um quadro na parede. Agora conte regressivamente de 10 até 1, de maneira pausada. Eis aí um cenário que favorece a prática da auto-hipnose. Mas tudo vai depender da capacidade de concentração. Qualquer um pode conseguir. Basta treinar. Boa sorte.
Confira o passo a passo da busca pelo autotranse.
Assim como na hipnose, a auto-hipnose depende diretamente da força de vontade: é preciso estar disposto e se deixar levar. Para que os músculos relaxem, pense em cada membro como se fosse um corpo individual. Mentalize a figura de um macarrão cozinhando. Aos poucos, você vai amolecendo, tal como a massa. Tanto faz fechar os olhos ou mantê-los abertos, desde que você se sinta altamente concentrado enxergando ou não. Aprenda a criar o clima ideal para isso em oito passos:
1. Faça uma lista
Descreva aqueles objetivos que você deseja trabalhar na auto-hipnose. A sessão pode valer tanto como complemento de uma terapia à base de hipnose quanto para diversos outros fins. Entre eles, melhorar a concentração, amenizar dores crônicas ou mesmo perder o medo de ir ao dentista.
2. Acenda uma vela
Alguns exercícios podem facilitar o procedimento. Todos os dias, coloque uma vela acesa sobre um prato em uma mesa. Observe a chama da vela por 30 segundos, tempo suficiente para reter a imagem sem cansar a mente. Feche os olhos por 30 segundos. Abra os olhos e repita o processo por cerca de quatro minutos. Aos poucos, a imagem vai ficar retida em sua memória pelo tempo que você desejar.
3. Deixe o ambiente na penumbra
O momento ideal do dia para praticar a auto-hipnose é pela manhã. Depois de uma boa noite de sono, o despertar é a hora em que você está mais descansado e com a mente mais alerta.
4. Controle o ambiente
Reduza os barulhos da rua e mantenha a temperatura em torno de 23 oC.
5. Se acomode
Escolha a poltrona ou o sofá mais confortável da casa.
6. Fale de maneira pausada e monótona
Estique as palavras na sílaba tônica: “Profuuundo”, “leeeeeeve”. Fale em voz alta, mas não grite. Dê ordens a si mesmo: “durmo”, “faço”, “imagino”. Repita as mesmas palavras. Quanto mais se repete, maior é a indução. Ao sugerir uma imagem, seja concreto. Ao pedir a si mesmo para deixar um dos braços rígido, por exemplo, pense nele como se fosse feito de chumbo.
7. Respire fundo
Ao puxar e soltar o ar de maneira ritmada e profunda, o corpo todo entra em processo de relaxamento, chegando a um estado mais favorável ao transe. Expire pela boca contando até seis. Retenha o fôlego por três segundos e só então respire. Encha os pulmões de ar. Pare e conte até três novamente. Expire, recomeçando o ciclo. Durante o exercício, mentalize a imagem de um fole abrindo e fechando.
8. Teste sua sensibilidade
Estique os braços. Deixe a mão direita espalmada para cima, e a esquerda fechada, fazendo sinal de positivo com o polegar. Feche os olhos. Imagine uma melancia apoiada sobre a mão aberta. Mentalize a fruta, seu tamanho, a cor, e sinta o peso. Ela está cada vez mais pesada – repita isso em voz alta. Na esquerda, visualize uma cordinha que segura um balão com gás amarrada num dos dedos. Sinta o barbante preso à sua mão e a bexiga leve, puxando sua mão para cima. A melancia pesa cada vez mais, enquanto o balão vai subindo. Sinta a diferença entre os dois braços. Abra os olhos e compare a altura das duas mãos. Quanto mais alto seu braço estiver, maior é a sua sensibilidade à hipnose.
Calma. Não tem nada de mais se, por algum motivo, você estiver perdendo a concentração durante o transe. Pode acontecer. Alguns exercícios costumam ser bem eficazes para resolver eventuais descaminhos. Uma das técnicas, bastante simples, é a do relaxamento muscular: sentado em um local confortável, tencione e solte seus músculos sucessivas vezes. Depois, acaricie a própria testa com a ponta dos dedos. Caso não dê certo, tente fazer uma contagem regressiva de 99 até 1. Detalhe: abra o olho e visualize o número. Depois feche e abra novamente, enxergando o próximo número, até chegar ao fim da contagem.
Geralmente, o despertar é iniciado com uma ordem (“eu vou acordar”) e uma contagem regressiva. Pode ser de 10 até 1. Se preferir, construa uma imagem: imagine-se subindo uma escada de dez degraus onde o último é o final da sessão.