O brilho eterno das lembranças
O Comprehensive Textbook of Psychiatry é uma espécie de enciclopédia da mente humana, publicada e atualizada periodicamente desde 1968. O livro tem mais de meio milhão de linhas e descreve tudo o que se passa dentro das nossas cabeças. Milhares dessas linhas são dedicadas à depressão e à ansiedade. Outras centenas se debruçam sobre a raiva, o medo, a culpa e a vergonha. Mas apenas uma descreve a alegria. A obra serve para entender como a ciência enxergava a felicidade. Por muito tempo, simplesmente não enxergou.
A história começou a mudar em 1998, quando um pesquisador da Universidade da Pensilvânia, Martin Seligman, até então especialista em depressão, deu uma palestra na Associação Americana de Psicologia pedindo para que os cientistas começassem a se preocupar com as qualidades humanas – e não com seus defeitos. Assim foi inaugurada a “psicologia positiva”. Foi ela que descobriu que a felicidade está sob nosso controle – e que não precisamos ficar inertes, esperando ela dar as caras. Aos longo dos últimos 19 anos, os psicólogos finalmente descobriram o que você pode fazer para ser mais feliz – e não é pouca coisa.
O primeiro passo para conhecer a ciência da felicidade está em entender como os nossos cérebros registram o tempo. Para eles, o presente não existe. Mal começa e – puf – virou passado. Dura poucos segundos antes de se tornar uma memória armazenada na sua cabeça. Esse fato é, provavelmente, o maior obstáculo para a felicidade. Para que nos sintamos felizes no presente, algo de bom teria de acontecer conosco o tempo todo – como se chegássemos no ponto de ônibus bem na hora em que a nossa linha estivesse passando, depois de encontrar R$ 50 perdidos no bolso da calça, minutos antes de descobrir que vai ter estrogonofe no bandejão da firma. Não dá para contar com tanta sorte, não dá para ser feliz o tempo todo. Por isso, o segredo está em armazenar – e criar – memórias felizes, que poderão ser revisitadas para sempre.
O criador dessa teoria é o Prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman, um psicólogo obcecado em entender como nosso cérebro funciona. Segundo ele, o presente não dura mais de três segundos. Vivemos sempre divididos entre o “eu do presente” e o “eu do passado” – e somos feitos essencialmente de memórias. Para ser mais feliz, então, é preciso mexer no passado.
Segundo Kahneman, os dois “eus” não costumam concordar. Para exemplificar, ele cita o caso real de dois pacientes americanos submetidos a colonoscopias, quando esses exames ainda eram muito doloridos. Cada um deles passou por exames de duração e intensidade diferentes – e tinham de reportar minuto a minuto, no meio do procedimento, o quanto estavam sentindo dor. O paciente Ateve um exame mais longo e que começou com muitos minutos de dor seguidos por outros menos sofridos. Já o paciente B teve um exame mais curto, e quase indolor. No entanto, quando a colonoscopia estava para terminar, ele sentiu um grande pico de dor bem no final, quando tudo parecia acabar bem. Analisando objetivamente o relatório de dor, ficou claro que o paciente A teve uma experiência muito pior do que o B. Mas, quando perguntaram quem havia sofrido mais, foi o B que chorou as pitangas. Ou seja, o “eu do presente” é péssimo em influenciar a nossa felicidade (que, nesse caso, foi determinada pelos acontecimentos mais recentes). Nas próximas páginas, juntamos todos os ensinamentos que a neurociência já coletou para aumentar a felicidade – e que você pode começar a seguir hoje. As primeiras dicas, é claro, servem para hackear o passado e ter um presente melhor.