Por que Jesus muito provavelmente existiu e qual era o conteúdo de sua mensagem apocalíptica.
Texto: Reinaldo José Lopes | Edição de Arte: Estúdio Nono / Cris Kashima
Design: Andy Faria | Imagens: Getty Images
identificação entre a figura do Deus absoluto e transcendente e o profeta camponês Jesus de Nazaré, é a maior reviravolta da história religiosa do Ocidente. A ideia chocante de um salvador crucificado é, para praticamente todos os historiadores sérios, aterradora demais para ter sido inventada do nada. Isso significa que, por trás dela, houve um homem de carne e osso executado sumariamente em Jerusalém lá pelo ano 30 d.C.
Não existem evidências arqueológicas diretas que comprovem a existência de Jesus, mas isso não é um problema tão grande quanto pode parecer porque, como membro das classes mais baixas da Antiguidade, ele dificilmente teria deixado para trás bens não perecíveis. O exame das fontes literárias – ou seja, dos textos antigos – é suficiente para demonstrar a alta probabilidade de que ele tenha existido mesmo.
Fora do Novo Testamento bíblico, esses textos são escassos – Jesus quase não é mencionado em fontes literárias não cristãs no primeiro século após sua morte. Note, porém, que “quase” não é a mesma coisa que “nunca”. Examinemos essas fontes com calma – primeiro as judaicas, depois as pagãs.
O mais correto, aliás, é dizer “a judaica”, no singular, porque o único historiador judeu que estava na ativa durante o século 1º d.C. no território da Terra Santa é um membro da aristocracia de Jerusalém chamado Flávio Josefo (37 d.C.–100 d.C.). Ainda jovem, ele se tornou um dos generais da rebelião dos judeus contra Roma. Derrotado, fez as pazes com os romanos e escreveu livros como A Guerra dos Judeus e Antiguidades Judaicas.
Josefo mencionou Jesus de Nazaré ao menos uma vez, de acordo com quase todos os estudiosos do tema. Em dado momento de sua narrativa, Josefo relata a chegada ao poder do sumo sacerdote Hananias, o Jovem. Hananias aproveitou sua ascensão, e o fato de que Roma estava trocando o governador da província da Judeia, para atacar alguns de seus desafetos políticos impunemente.
“Sendo portanto esse tipo de pessoa, Hananias, pensando ter uma oportunidade favorável, pois que Festo havia morrido e Albino ainda estava a caminho [Festo era o antigo governador romano, que seria substituído por Albino], convocou uma assembleia de juízes e colocou diante dela o irmão de Jesus, o chamado Cristo, de nome Tiago. Acusou-os de terem transgredido a lei e os entregou para serem apedrejados”, escreve Josefo.
A outra possível menção a Jesus em Antiguidades Judaicas é potencialmente muito mais interessante – mas também muito mais problemática. O texto que chegou até nós nos manuscritos gregos de Josefo diz o seguinte, sem tirar nem pôr (com alguns detalhes esquisitos destacados em negrito, para começar a dar algumas pistas sobre onde está a polêmica):
“Por esse tempo apareceu Jesus, um homem sábio – se na verdade se pode chamá-lo de homem. Pois ele foi o autor de feitos surpreendentes, um mestre de pessoas que recebem a verdade com prazer. E ele ganhou seguidores tanto entre muitos judeus quanto entre muitos de origem grega. Ele era o Cristo. E quando Pilatos, por causa de uma acusação feita por nossos homens mais proeminentes, condenou-o à cruz, aqueles que o haviam amado antes não deixaram de amá-lo.
Pois ele lhes apareceu no terceiro dia, novamente vivo, exatamente como os profetas divinos haviam falado deste e de incontáveis outros fatos assombrosos sobre ele. E até hoje a tribo dos cristãos, que deve esse nome a ele, não desapareceu.”
Acho que deu para perceber onde estão os problemas da passagem. Josefo nasceu, viveu e morreu como judeu. Não há nenhuma notícia de que tenha se convertido à fé em Jesus. Não faz sentido ele afirmar que o Nazareno “era o Cristo” (ou seja, era o Messias; a palavra “Cristo” nada mais é que a tradução grega do termo hebraico “Messias”, que significa “Ungido”). E seria maluquice ainda maior achar que Josefo acreditava na ressurreição de Jesus de Nazaré. Conclusão: a passagem como a temos hoje quase certamente foi manipulada por copistas cristãos.
Seria simples a coisa se ficássemos só nisso, mas a maioria dos estudiosos hoje afirma que a manipulação foi tão tosca que conseguimos ver qual era mais ou menos o conteúdo original do texto. E se o parágrafo escrito pelo próprio Josefo fosse o seguinte?
“Por esse tempo apareceu Jesus, um homem sábio. Pois ele foi o autor de feitos surpreendentes, um mestre de pessoas que recebem a verdade com prazer. E ele ganhou seguidores tanto entre muito judeus quanto entre muitos de origem grega. E quando Pilatos, por causa de uma acusação feita por nossos homens mais proeminentes, condenou-o à cruz, aqueles que o haviam amado antes não deixaram de amá-lo. E até hoje a tribo dos cristãos, que deve esse nome a ele, não desapareceu.”
Repare que os trechos cortados nessa reconstrução não apenas são os que exaltam Jesus. São também os únicos que quebram o fluxo da narrativa para inserir apartes explicativos que destoam do resto do texto.
Sintetizando toda essa discussão meio bizantina: o mais provável é que Josefo não só sabia da existência de Jesus de Nazaré como também dispunha de um pequeno e precioso conjunto de informações que também aparecem nas fontes cristãs: o Nazareno tinha sido um mestre que realizava feitos impressionantes, atraíra seguidores, fora denunciado pela elite judaica a Pilatos e condenado a morrer na cruz.
Curiosamente, são mais ou menos os mesmos dados que aparecem numa passagem dos Anais, escritos pelo historiador romano Tácito (56 d.C.–118 d.C.). O contexto, porém, é bem diferente, já que a menção a Jesus vem quando Tácito está abordando o reinado do imperador Nero – aquele que teria colocado fogo em Roma de propósito no ano 64 da Era Cristã. A suposta culpa no cartório de Nero teria caído na boca do povo, e o imperador resolveu desviar a atenção de si mesmo culpando uma minoria perseguida. Nesse texto, Tácito também fala da execução de Jesus a mando de Pilatos (veja abaixo).
Essas duas menções são só o que temos sobre Jesus em fontes literárias não cristãs produzidas menos de um século após a morte do Nazareno. Trata-se, de fato, do proverbial “blip” na tela do radar – insignificante, de fato, mas não inexistente.
Tácito fala sobre os cristãos e Jesus
“Assim, para fazer calar o rumor [de que teria sido o mandante do incêndio], Nero criou bodes expiatórios e submeteu às torturas mais refinadas aqueles que o povo chamava de cristãos, um grupo odiado por seus crimes abomináveis. Seu nome deriva de Cristo, que, durante o reinado de Tibério [um imperador romano anterior], tinha sido executado pelo procurador Pôncio Pilatos. Sufocada por um tempo, a superstição mortal irrompeu novamente, não apenas na Judeia, terra onde se originou esse mal, mas também na cidade de Roma, onde todos os tipos de práticas horrendas e infames de todas as partes do mundo se concentram e são fervorosamente cultivadas”, escreveu Tácito.
Critérios e fontes
Vamos partir do princípio, portanto, de que Jesus existiu. Dá para imaginar critérios razoavelmente objetivos que nos ajudem a estabelecer quem ele foi e o que fez e disse? Nas últimas décadas, os historiadores têm trabalhado com um conjunto pequeno e bem azeitado de métodos para estudar o “Jesus histórico”, como eles dizem – ou seja, o Jesus cuja carreira pode ser reconstruída usando apenas a leitura cuidadosa e cética de textos antigos, sem levar em conta a fé. E talvez o mais importante seja o chamado “critério do constrangimento”.
Trata-se, no fundo, de puro bom senso: ninguém gosta de registrar para a posteridade um fato constrangedor ou vergonhoso sobre si mesmo ou sobre alguém que admira, a não ser que isso seja indispensável – ou, para usar uma linguagem menos generosa, a não ser que não dê para fugir do fato constrangedor porque todo mundo já o conhece mesmo. É por isso que, se há algo a respeito da carreira de Jesus que não desperta dúvidas em nenhum historiador, é a morte na cruz.
Estamos falando de uma morte de não cidadão, quase de “não pessoa”, reservada apenas a guerrilheiros, escravos fugidos e bandidos de beira de estrada. Pior ainda, as Escrituras judaicas, a base da cultura à qual pertenciam Jesus e seus discípulos, afirmavam que pessoas crucificadas tinham sido amaldiçoadas por Deus.
É óbvio que nem todos os detalhes da vida de Jesus a respeito dos quais podemos bater o martelo usando o critério do constrangimento serão tão óbvios. Mas há outros dois exemplos-chave: o batismo de Jesus no rio Jordão, realizado por outro profeta, João Batista (aliás, o Batista também aparece nos textos de Josefo), e as menções a Nazaré.
Todas as fontes antigas concordam que o batismo de João tinha como objetivo alguma forma de purificação espiritual. Por que diabos o Messias, em tudo superior a um mero profeta como João, precisaria disso? No entanto, o fato era tão conhecido e inescapável que quase todos os evangelhos canônicos – ou seja, os “oficiais” da Bíblia cristã – registram o batismo.
Quanto a Nazaré, tratava-se de um vilarejo obscuro até não poder mais – e, pior, localizado na parte errada da Palestina, a rústica Galileia, no Norte, enquanto o natural era supor que o Messias viesse do território da antiga tribo israelita de Judá, nos arredores de Jerusalém. Outro critério crucial é o da “múltipla confirmação de fontes”. Ou seja, um detalhe que está presente em diversas fontes históricas independentes tem mais probabilidade de ser histórico do que outro que dá as caras em apenas uma fonte.
Em geral, os pesquisadores tendem a incluir no rol das fontes potencialmente úteis os textos escritos até o fim do século 1º d.C., durante as primeiras gerações cristãs – o que, na prática, parece incluir não apenas os evangelhos canônicos como também os Atos dos Apóstolos (escritos pela mesma pessoa que a tradição cristã conhece como o evangelista Lucas), várias das cartas atribuídas ao apóstolo Paulo e alguns outros textos.
O consenso entre os especialistas é que existem várias fontes históricas independentes nesse conjunto. As cartas de Paulo, que remontam ao ano 50 d.C., são as mais antigas. Entre os evangelhos, o primeiro a ser escrito foi o de Marcos. Mateus e Lucas utilizaram Marcos como sua fonte, mas também teriam usado outro documento, apelidado de Q (termo que vem do alemão quelle, ou “fonte”), que inclui trechos similares nos dois evangelhos, mas que não aparecem em Marcos.
E o Evangelho de João, o mais singular de todos, teria sua própria fonte original de informações sobre Jesus. Quando informações presentes em diversas dessas fontes batem, aumenta muito a probabilidade de que elas remontem à figura histórica de Jesus.
Jesus histórico: um retrato 3×4
A seguir, vamos detalhar um brevíssimo retrato (em 3 ×4, digamos) do Jesus histórico, para que tenhamos uma ideia da imagem mais provável que o profeta de Nazaré tinha em vida, antes de ser divinizado.
Para não confundir, gentil leitor, sugiro que sigamos por ordem cronológica. Primeiro, claro, Jesus nasceu. Seus pais, segundo seus contemporâneos, eram Maria e José (a filiação divina de Cristo, por ser uma afirmação teológica, não tem como ser verificada historicamente). Nasceu onde? Embora tanto Mateus quanto Lucas insistam que foi em Belém, para cumprir uma profecia do Livro de Miqueias, no Antigo Testamento, cada um desses evangelistas relata o fato de modo totalmente diferente um do outro (os famosos magos do Oriente só aparecem em Mateus, os pastores e os anjos, apenas em Lucas, por exemplo), o que por si só é suspeito. Marcos e João não tomam conhecimento dessa tradição. O mais provável, portanto, é que Jesus tenha vindo ao mundo em Nazaré mesmo.
A coisa fica ainda mais obscura quando tentamos descobrir como foi sua infância, adolescência e juventude. A breve narrativa em Lucas sobre a performance de Jesus como menino-prodígio no Templo de Jerusalém, aos 12 anos, só consta do texto desse evangelista (nada de múltipla confirmação, portanto) e parece ter se baseado fortemente num lugar-comum literário da Antiguidade, no qual alguém destinado a se tornar um grande homem invariavelmente demonstra a precocidade de seus talentos quando ainda menino.
O mais provável é que ele tenha passado as três primeiras décadas de sua vida em Nazaré, em meio a uma família grande, com vários irmãos e irmãs (talvez de um casamento anterior de José, mas mais provavelmente filhos de Maria também).
Jesus certamente aprendeu o ofício de José. Pode ser que soubesse ler e escrever, em especial para entender o hebraico das Escrituras de seu povo, embora sua língua materna fosse o aramaico – mas a probabilidade disso é bastante baixa. Camponeses da Galileia normalmente não eram letrados, assim como algo entre 90% e 95% da população do Império Romano. Os nazarenos levavam uma vida extremamente humilde, para não dizer miserável, no limite da subsistência – mas ao menos era uma vida pacata.
Para Jesus, tudo isso mudou por volta dos 30 anos de idade. Não temos como saber o que motivou o rapaz de Nazaré a deixar sua terra natal e descer para o vale do Rio Jordão, em busca de um estranho profeta chamado João. Tampouco sabemos se de fato havia parentesco entre os dois, como diz o Evangelho de Lucas. Mas o indiscutível é que o filho do carpinteiro decidiu ser batizado por João, uma atitude que indica, no mínimo, que Jesus parecia concordar com a mensagem do Batista.
E estamos falando de uma mensagem escatológica – que prega o fim dos tempos, abrindo caminho para a chegada de um mundo novo. Quase todos os relatos sobre João Batista que chegaram até nós ressaltam que o profeta buscava a purificação espiritual do povo judeu – o arrependimento dos pecados cometidos e o compromisso de evitar os pecados futuros – na expectativa do fim dos tempos. Para João, o Deus de Israel estava prestes a agir com todo o seu poder na história do mundo, condenando os injustos e salvando os que tinham se mantido fiéis a ele de uma vez por todas.
Sabemos ainda que João esperava que “aquele mais forte do que eu” colocaria esse plano divino em prática, mas não dá para ter certeza se essa expressão era uma referência a uma intervenção direta do próprio Deus, a um Messias humano auxiliado pelas hostes divinas ou a uma figura sobrenatural intermediária, uma espécie de general do exército celeste.
A tradição cristã, é claro, em especial os evangelhos escritos depois de Marcos, afirma que João acabou percebendo que a figura “do mais forte” era o próprio Jesus, o “Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo”. O cenário histórico é bem mais impreciso. Mas, de qualquer modo, Jesus foi além da mera concordância básica com a mensagem de João, ou de atuar como uma espécie de discípulo do Batista durante algum tempo.
A experiência do batismo parece ter levado Jesus a elaborar sua própria mensagem escatológica, e essa “boa-nova” – ou “evangelho”, em grego – embora também incluísse a iminência do julgamento de Deus, tinha uma ênfase inovadora: a da misericórdia e do acolhimento, da cura que, se aceita, poderia evitar a condenação.
Dá para reunir tudo isso numa única expressão memorável que, se não foi propriamente inventada por Jesus, ganhou com ele sua formulação mais forte e criativa. Trata-se da ideia do Reino de Deus, provavelmente o elemento da pregação de Jesus mais atestado pelo critério da múltipla confirmação de fontes. À primeira vista, o conceito é absurdamente simples: a ideia de que Deus finalmente vai retomar o controle sobre seu povo e sobre a Criação inteira, colocando as coisas nos eixos. Mas o cenário descrito por Jesus é muito mais fascinante e complicado.
Digo isso porque o Reino de Deus tem muito de subversivo, no sentido etimológico da palavra – “subversivo”, afinal, quer dizer, literalmente, pegar aquilo que está embaixo e colocar em cima, virar as coisas do avesso. É esse o mundo descrito nas parábolas de Jesus, por exemplo. O Nazareno, ao que tudo indica, via essa subversão como uma “janela de oportunidade” salvífica que está aberta para todos, e em especial para aqueles que a sociedade do tempo de Jesus mais desprezava: cobradores de impostos (aliados do odiado poderio de Roma, opressores do povo), prostitutas, pobres, cegos, leprosos, párias de todos os tipos.
Não foi por acaso que eu mencionei portadores de deficiência física e doentes no último parágrafo. Ao mesmo tempo em que prega a chegada iminente do Reino de Deus, Jesus também afirma que seu ministério já é a manifestação desse reino, já representa os primeiros movimentos dessa transformação cósmica – e curar os doentes e os possuídos pelo demônio é o sinal mais claro disso. Jesus é o “dedo de Deus que expulsa os demônios”, como ele diz no Evangelho de Lucas.
Não há motivos para acreditar que, diante de sua missão escatológica, Jesus tenha se colocado contra preceitos básicos do judaísmo, a começar pelo fato de que ele via sua missão como um ministério dirigido somente “para as ovelhas perdidas da Casa de Israel”, e não para o mundo inteiro. O Nazareno certamente defendia uma interpretação própria da tradição judaica, que às vezes batia de frente com outras interpretações mais severas, como a do grupo dos fariseus. Mas não há evidências sólidas de que ele tenha defendido o fim das regras alimentares típicas do judaísmo ou outros preceitos rituais.
Porém, isso não significa que Jesus não despertasse antagonismo entre seus conterrâneos, tanto entre quem interpretava as Escrituras de um jeito diferente (já falamos dos fariseus) quanto, principalmente, entre quem tinha mais a perder com o advento repentino do Reino de Deus. Trocando em miúdos: se você sai por aí pregando que o mundo atual é dominado pelas forças das trevas, é óbvio que quem governa o mundo agora não vai ficar nem um pouco contente com você.
Por isso, é natural que os inimigos jurados de Jesus pertencessem principalmente à coalizão entre romanos e membros da aristocracia sacerdotal de Jerusalém que garantiam a governabilidade da Palestina. Jesus pode não ter despertado muita atenção enquanto não passava de um pregador excêntrico vagando pelas colinas da Galileia, mas quando decidiu “purificar o Templo” – uma cena provavelmente real, na qual ele tentou expulsar os comerciantes que vendiam animais para o sacrifício e faziam operações de câmbio em Jerusalém – a coisa mudou totalmente de figura.
O templo cujas operações ele (temporariamente) bagunçou, afinal, era o mesmo no qual os sacerdotes israelitas ofereciam sacrifícios regulares em favor da saúde… do imperador de Roma. Não se mexe com esse tipo de coisa impunemente.
Não sabemos ao certo “com que autoridade fazes essas coisas”, como representantes da elite de Jerusalém teriam perguntado certa vez a Jesus. No mínimo, o Jesus histórico se considerava um profeta, e talvez o profeta, o mensageiro definitivo cuja ação traria o Reino de Deus. Há indícios de que ele tinha uma compreensão messiânica de si mesmo, de uma relação especial com Deus que talvez lhe desse o comando do reino divino assim que ele fosse implantado.
É bem menos provável, no entanto, que o Nazareno, em vida, considerasse a si mesmo como uma figura praticamente igual ao próprio Deus, como defende o Evangelho de João. É só no Quarto Evangelho que Jesus diz coisas como “eu e o Pai somos um”, “eu sou o caminho, a verdade e a vida” etc.
No fim das contas, no plano puramente humano, o desafio de Jesus às autoridades da Palestina ocupada por Roma, ainda que essencialmente pacífico, só podia terminar em desastre. Não há motivos para duvidar que ele tenha sido traído por um de seus seguidores mais próximos – critério do constrangimento: ninguém seria burro de inventar um detalhe embaraçoso como esse. O que aconteceu entre a prisão e a cruz, no entanto, é muito mais incerto.
Governadores romanos – e Pôncio Pilatos era um dos exemplares mais cruéis da espécie, ao que sabemos – não costumavam perder tempo com julgamentos públicos de camponeses, muito menos gastavam seu latim em discussões filosóficas com gente dessa laia. Para todos os efeitos, a execução de Jesus pode muito bem ter acontecido de forma sumária. Os discípulos fugiram. Aquele que anunciara o Reino de Deus tinha sofrido a pior das mortes, provavelmente na Páscoa judaica por volta do ano 30 d.C.
Seu cadáver teria sido jogado numa vala comum ou, o que é menos provável, sepultado num túmulo emprestado, obtido graças à caridade de um membro da elite judaica que não concordara com a execução. Teria sido o fim – se não fosse pelo fato de alguns dos mesmos discípulos que tinham fugido sem deixar rastros passarem a anunciar o impossível: Jesus tinha ressuscitado.