E do caos surgiu a ordem, na forma de uma deusa que seria a mãe de todas as coisas: a Terra. Conheça a origem do mundo e o nascimento dos primeiros deuses – e de seus ancestrais – segundo a mitologia grega.
Texto: Maurício Horta | Edição de Arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria
Primeiro havia o Caos, uma matéria completamente crua, indefinível, indescritível, que existia desde toda a eternidade e que era o princípio de todas as coisas. É impossível saber o que havia antes – como acontece no Universo do mundo real, em que os físicos não se arriscam a dizer o que antecedeu o Big Bang. Então, em meio ao próprio Caos, eis que num determinado momento surge o seu oposto: a fértil deusa Terra “dos seios fartos”, que os gregos chamam de Gaia. Em vez da desordem sombria do Caos, Gaia apresenta uma forma distinta, nítida, precisa, firme e estável.
É a Mãe Natureza, o conjunto de todas as partículas do mundo físico que darão origem aos seres. Embora já discutissem o heliocentrismo, os gregos acreditavam que a Terra fosse o centro do Universo. É o chão em que pisamos, ponto de referência a partir do qual surgem as relações de espaço.
Mesmo sendo o fundamento de tudo, Gaia tinha limites físicos, tanto acima quanto abaixo dela. Se atravessássemos em suas entranhas a distância percorrida por uma bigorna de bronze em queda livre por nove dias, chegaríamos novamente à desordem e à escuridão. Esse lugar, no entanto, não era mais o Caos, mas uma derivação sua: o Tártaro, abismo das trevas insondáveis, terror de qualquer deus.
Para os gregos, essa versão do inferno seria pior que a morte. Em vez de morrer, eles passariam a eternidade presos, sem ver um raio sequer de luz. Voltando a Gaia, nasce com ela uma insaciável força capaz de unir elementos para criar novos seres. Seu nome é Eros, o “amor”. E, com sua flecha, a história do Universo começa para valer.
Eros não era o amor entre humanos. Afinal, o mundo estava tão no princípio que nem sequer existiam os seres sexuados. Caos, em grego, é um substantivo neutro – nem masculino, nem feminino. E, ainda que Gaia fosse indiscutivelmente feminina, ainda não havia quem ela pudesse amar, senão o indiferenciado nada do Caos.
A vontade de gerar vida impulsionada por Eros faz com que Gaia crie à sua imagem o céu – ou Urano, em grego. E assim o Universo se divide em três camadas: a superior, que dará morada aos deuses imortais; a intermediária, dos homens; e a inferior, da morte e dos deuses subterrâneos. Tudo isso parido de Gaia sozinha, sem a necessidade de fecundação.
Mas Urano, que é tão grande e tão forte quanto ela, tem algo de especial. É o oposto de Gaia, só que numa relação diferente daquela “ordem versus desordem” que há entre Gaia e Caos. O nascimento de Urano cria o princípio do masculino, que complementa a feminilidade da fértil Gaia. Assim que Gaia gera Urano, o céu se deita sobre a Terra, e os dois ficam bem colados, como se um fosse o reflexo do outro num espelho-d’água.
É claro que Eros não demoraria a agir sobre o primeiro casal do mundo. A princípio, a virgem e solitária Gaia fica feliz por poder contemplar o céu estrelado sobre seu leito. Mas, ao se dar a ligação entre o macho e a fêmea, algo novo acontece. O ventre de Gaia começa a estufar, estufar de vidas que acabam de ser criadas.
Primeiro são gerados os seis terríveis titãs – Oceano, Céos, Crios, Hipérion, Jápeto e Cronos – e as seis titânides – Teia, Reia, Têmis, Mnemosine, Febe e Tétis –, que são impedidos de deixar o ventre da mãe para povoá-la. Urano não quer por nada deste mundo sair de cima da esposa. Sua essência manda que não faça outra coisa senão fecundá-la.
E a mãe Terra não para de gerar novas vidas, cada vez mais gigantes e monstruosas. Nascem os três ciclopes – criaturas fortes e engenhosas, com um único potente olho na testa, que trazem consigo a luz do relâmpago, as nuvens de tempestade e o rugir do trovão – e três hecatônquiros – gigantes com cem braços e 50 cabeças cada um, capazes de estremecer o mundo lançando rochas com a maior facilidade. Sim, eram duros os primeiros tempos do Universo, quando não havia o que limitasse o egoísmo e a crueldade de Urano. Tudo o que podia sentir por seus filhos era ódio, pois sabia que, tão logo viessem à luz, tentariam destroná-lo.
Mais triste ainda está Gaia, inchada e sufocada pelos 18 enormes filhos que guarda na escuridão de sua barriga. Ela então decide tomar uma iniciativa. Numa explosão de raiva, arranca um pedaço de seu corpo e com ele produz o ferro, para moldar uma grande foice dentada. Chega até seus filhos e lhes propõe um plano: “Filhos, se acreditais em mim, revoltai-vos contra vosso pai, pois ele vos ultraja e vos submete a agressões horríveis”. Sem jamais ter saído da escuridão, nenhum dos irmãos ousa rebelar-se contra um pai tão poderoso e vil. Isto é, exceto Cronos, deus do tempo, o mais novo e mais ambicioso dos titãs.
“Mãe, prometo que cumprirei essa tarefa. Não temo meu abominável pai, que já tramou contra nós tantas obras indignas.” Gaia fica contente com a resposta. Logo em seguida, põe Cronos em tocaia, dá em suas mãos a foice de ferro e lhe conta o estratagema para separar-se do céu. Se não é possível matar um deus, que ao menos ele nunca mais possa deitar-se sobre ela.
À noite, Urano se prepara para mais uma vez fertilizar o ventre de Gaia, sem perceber que seu filho Cronos espera por ele escondido. O titã salta então de seu esconderijo, agarra com a mão esquerda a genitália paterna e, com a direita, decepa tudo e joga no mar. Urano dá um longo grito de dor e, num único movimento, afasta-se de Gaia até instalar-se na abóbada celeste, em cima do mundo, para nunca mais voltar ao solo. E lá do alto dispara uma terrível maldição contra Cronos: “Irás pagar pelo crime de ter levantado a mão contra vosso pai!”.
HERDEIROS DO TERROR
Algo mais acontecia paralelamente à mutilação do céu. Sem satisfazer-se com o romance e a tragédia de Gaia e Urano, Eros estende seu arco e flecha também para o velho e indiferenciado Caos. E faz brotar dele, por geração espontânea, dois gêmeos, que, de certa forma, são uma continuidade da escuridão caótica. Um é o deus Érebo, a falta de vida, o vácuo total, que se volta imediatamente para o mundo subterrâneo. Já sua irmã, a deusa Nix, é a noite, a escuridão que paira sobre Gaia, a rainha dos astros noturnos, patrona das feiticeiras.
O masculino de Érebo e o feminino de Nix se aproximam imediatamente. E, no meio de tanta escuridão, Nix faz surgir a luz. De um lado, nasce Hemera, a deusa do dia, o oposto de Nix. Mãe e filha começam então a alternar-se sem parar sobre o manto de Gaia, noite e dia, sem jamais se encontrar. De outro lado, aparece Éter, o brilho em seu estado mais puro, ar que os deuses respiram, o oposto de Érebo. Assim, os deuses celestes passam a viver a luz eterna, enquanto, abaixo da Terra, os deuses subterrâneos e os derrotados vivem as trevas eternas.
Finalmente o Céu e a Terra estão separados por um enorme espaço livre. Entre o leito de Gaia e a abóbada de Urano, as criaturas podem viver, reproduzir-se, transformar-se. Com a liberação de Cronos do ventre da Terra, como vimos, é desbloqueado também o tempo. Nix e Hemera passam a se alternar, dia e noite. E, com a ação de Eros, o amor, gerações e gerações de criaturas vão se suceder. O mundo começa a ter cara de mundo.
Mas esse espaço é ocupado também pela rivalidade entre os titãs, os ciclopes, os hecatônquiros e os filhos dos titãs. Éris, a deusa da disputa, e seus herdeiros infames, além dos filhos surgidos do sangue de Urano, encontram um campo para agir livremente. Como poderá haver estabilidade num mundo em que vários deuses coexistem e não param de se reproduzir, lutando entre si para estabelecer seu poder? Quem será o soberano desse Universo?
CONFLITO DE GERAÇÕES
No alto do céu, iluminados eternamente pelo Éter, estão os seis titãs e as seis titânides, filhos e filhas de Urano, liderados pelo corajoso Cronos. Parece um destino mais natural que o chefe de todos seja o irmão mais velho, Oceano. Mas, justiça seja feita, eram do caçula a coragem e o mérito de libertar os irmãos ao castrar o pai opressor. Assim Oceano cede seu posto a Cronos, que se compromete a proteger os irmãos titãs. Surge então o primeiro político do mundo – e o mais tirânico de todos.
Cronos não pode deixar de sentir as pernas tremendo diante da maldição do pai castrado. Sabe que um dia pagará por seu crime. Por isso, fortalece os laços com seus aliados e se livra de vez de possíveis rivais que possam tramar algum golpe baixo. Enquanto mantém os irmãos titãs sob sua proteção, Cronos acorrenta os três ciclopes e os três hecatônquiros na escuridão do Tártaro, onde amargariam de ressentimento pelo deus do tempo. Para garantir que eles não fugiriam, leva até lá a monstruosa Campe, um dragão fêmea com cabelo de serpentes, patas com mil víboras e cintura circundada pelas cabeças de 50 das mais terríveis bestas selvagens.
Mas como será a vida sob a proteção desse tirano? Não das melhores. Cronos primeiro submete a titânide Reia à sua masculinidade. Os irmãos se casam, e nascem as filhas Héstia, Deméter e Hera, e os filhos Hades, Poseidon e Zeus. É uma nova geração de deuses. Mas a maldição que Urano mandou para Cronos continua a atormentá-lo. Com medo de perder seu poder, o deus do tempo cíclico passa então a engolir cada filho tão logo nasce, mal saído de entre os joelhos da esposa Reia.
Grávida de seu sexto herdeiro, Zeus, e desolada por saber que ele não poderia escapar da fome de poder do marido, Reia busca conselhos de sua mãe, Gaia, que bem sabe o que é ter os filhos tiranizados pelo pai. A Terra prepara então uma cilada para Cronos.
À noite, Reia parte para a Ilha de Creta, onde encontra as ninfas Adrasteia e Io, divindades do mel, e entrega a seus cuidados o filho Zeus, que fica escondido numa gruta secreta de um monte. A essa altura, o estômago de Cronos já espera avidamente receber mais um filho. Como enganá-lo? O conselho de Gaia é enrolar uma boa pedra em fartas fraldas e entregá-la aos braços do marido. É o que Reia faz.
Cronos agarra a pedra rapidamente e a enfia goela abaixo, com pano e tudo, sem tempo para que o suposto bebê possa sequer ver a luz do céu. Enquanto isso, Zeus cresce seguro em Creta. Ao lado de seu berço dourado – que balança preso à copa de uma árvore para que Cronos não o encontre na terra, no céu nem no mar –, ficam de guarda os Curetes. São gigantes armados e de cabeça raspada que protegem as montanhas selvagens. Mas para Zeus são os foliões de barulhentas danças guerreiras que o protegem da ira paterna: toda vez que a criança ameaça chorar, os Curetes entoam um ritmo com uivados e batidas de lanças metálicas nos escudos para que Cronos jamais possa ouvir a voz de Zeus.
Adrasteia e Io cuidam de criá-lo como o deus que é. Alimentam-no apenas com mel da montanha e leite mamado direto nas tetas da ninfa-cabra Amalteia. Assim, ele cresce com braços e pernas incrivelmente fortes, e com uma energia que mais tarde o fará soberano sobre os raios e trovões. Só que essa vida bucólica entre ninfas e pastores não apaziguaria uma ideia fixa. Zeus sente que é seu dever garantir que Cronos pague pelo crime contra seus irmãos e contra o avô Urano. Conforme cresce, percebe que a hora de se vingar do pai está chegando.
O sinal surge quando Amalteia morre. Triste, o jovem se aproxima do corpo da ninfa-cabra, tira seu couro, arranca um de seus chifres e faz uma prece que a transforma em imortal. Ao fim do velório, Zeus eleva Amalteia aos céus e a transforma na constelação de Capricórnio, em retribuição ao leite que o nutriu por anos. Chega, então, a hora de a vingança se concretizar. Carregando o couro de Amalteia, o escudo que mais tarde servirá de disfarce e blindagem, Zeus atravessa o mar em direção à morada de sua prima Métis, filha do Oceano e da titânide Tétis. Ela é a deusa do bom conselho, e a mensagem que reserva a Zeus é procurar pela mãe, Reia, apesar do risco de ser descoberto por Cronos.
Quando recebe seu filho de volta, Reia é tomada por um sentimento contraditório de alívio e preocupação, mas uma visita secreta de Métis a convence de que o filho está fazendo o certo. Dela recebe um pequeno recipiente de poção mágica e um conselho: “Faça de Zeus o copeiro de Cronos, e garanta que seu marido beba deste fármaco”.
E assim Zeus vai ao encontro do pai. Cronos não faz ideia do que se passa, e, sem pestanejar, aceita do copeiro uma taça de néctar, a bebida dos deuses. Tudo desce num gole só. Mas ele não se dá conta de que no líquido está diluída a poção de um vomitório horrendo. Então a barriga de Cronos começa a se revirar e a empurrar todo o seu conteúdo goela acima. A garganta fica entalada, mas basta um engasgo para que a pedra seja lançada a distância. Em seguida, saem em meio a seu vômito os outros cinco filhos, um a um, intactos, em ordem invertida à do nascimento, como se o tempo voltasse para reparar a injustiça contra Reia. E assim todos os irmãos se reúnem, elegendo Zeus seu líder.
A guerra dos Titãs
No mundo dos deuses, os titãs foram se casando entre si e fizeram um filho atrás do outro. Oceano e Tétis deram à luz três ninfas e um número igual de rios. Hipérion, soberano do dia e da noite, casou-se com Teia, deusa do éter, e juntos tiveram o Sol, a Lua e a Aurora. Jápeto, deus da mortalidade, juntou-se a Têmis, deusa das leis divinas, e tiveram Atlas, Meneceio, Epimeteu e Prometeu. Céos, deus da mente inquisitiva, casou-se com Febe, deusa da mente profética, e tiveram Leto e Astéria.
Crios teve com a divindade menor Euríbia os filhos Astreu, Palas e Perses. Mnemosine, deusa da memorização (que era extremamente importante em tempos sem escrita), ficou sozinha. E, acima de todos, estava Cronos e Reia, com seus filhos recém-vomitados, prontos para lutar pelo domínio do Universo.
Titãs não se importam que seu reino seja desordenado e injusto, mas sim em se manter soberanos. São deuses primordiais, aqueles que formam a matéria da qual o Universo é feito, e assim usam toda a brutalidade das forças naturais – nunca a razão e a justiça. Isso alimenta o ressentimento de Zeus e dos outros filhos de Cronos. Querem estabelecer uma nova ordem, banindo os titãs e impondo a supremacia da razão e da justiça sobre as forças da natureza.
Pobre Tessália, região fértil no centro da Grécia, que abriga os dois montes em cujo pico as duas gerações adversárias se ampararão para iniciar uma guerra colossal e prolongada entre imortais igualmente fortes e determinados. Zeus e seus irmãos Poseidon e Hades se refugiam a 2.917 metros de altitude, no Monte Olimpo, e são então chamados de deuses olímpicos. Já os titãs escolhem o Monte Ótris, a 1.728 metros, e nomeiam Atlas, o filho mais velho de Jápeto, como seu líder.
Começa a guerra e dez “grandes anos” se passam sem que a luta pare por um momento sequer. Pouco? Não. Cada “grande ano” vale até mil anos. São milhares de eras em que as duas gerações se batem sem parar, em total equilíbrio de forças. Parece que a guerra jamais terá fim. Mas, para os gregos, o Destino nunca falha. Lembremos que, para manter seu poder, Cronos não apenas comeu os filhos. Ele também prendeu nas profundezas do Tártaro os monstruosos hecatônquiros e ciclopes. Condenados à escuridão, estes não deixam por um momento sequer de nutrir seu ódio pelo terrível irmão.
A estratégia para acabar com aquele empate sem fim na guerra até que é simples. Gaia propõe a Zeus que desça até o Tártaro e liberte esses monstros. Os ciclopes e os hecatônquiros têm algo que os olímpicos não possuem: a brutalidade das forças naturais e a desordem apaixonada. Embora não sejam deuses, esses monstros são da mesma geração dos titãs.
Zeus cai então dos céus por nove dias, e por mais nove dias mergulha em queda livre nas trevas até chegar ao Tártaro. Uma vez lá, mata o horrendo dragão fêmea que guarda os portões infernais e arranca de sua cintura as chaves das celas. Pronto. Estão livres seus parentes monstruosos. Tios que, de tão gratos, dão aos sobrinhos olímpicos as armas mágicas que garantem sua vitória: a Zeus, o infalível relâmpago, um feixe condensado de luz e fogo com poderes ilimitados lançado diretamente de seu olho. A Hades, dão o capacete da invisibilidade. E, a Poseidon, entregam um tridente capaz de destruir rochas e fazer a terra tremer.
Para compensar a mortalidade de seus tios, Zeus alimenta os monstros com a mesma comida dos deuses: néctar e ambrosia. Ao provarem dos acepipes sagrados, os hecatônquiros e os ciclopes sentem emergir um forte espírito em seu peito. Então, Zeus lhes diz: “Ouvi-me, esplêndidos filhos de Gaia e Urano. Os titãs e os filhos de Cronos já têm lutado por muito tempo uns contra os outros. Agora, mostrai seu poder e sua força invencíveis opondo-se aos titãs”.
O hecatônquiro Cotus responde: “Ó divino Zeus, já sabemos muito bem o que dizes. Foi por causa de seu plano que saímos da lúgubre terra da escuridão. Agora, pois, com uma resolução firme e planejamento prudente, lutaremos para defender seu poder”. Os olímpicos, finalmente, têm tudo a seu lado: a astúcia dos deuses e a força bruta dos monstros.
Hades veste seu capacete da invisibilidade e, sem ser percebido, invade os domínios de Cronos no Monte Ótris para roubar as armas titânicas. Em seguida, os três hecatônquiros catam rochas com suas centenas de braços musculosos e começam a lançá-las contra os imensos titãs. Mas esses violentos deuses não se intimidam tão facilmente. Mesmo sem armas, eles respondem à altura, e o céu é assim recortado por saraivadas de rochas vindas dos dois lados.
Isso faz com que um furor tome as vísceras de Zeus, que começa a chicotear os titãs com os raios, trovões e relâmpagos, mas esse fogo que cruza o céu para cegar seus inimigos também acaba por atingir a terra.
As florestas se incendeiam, o mar entra em ebulição, montanhas desabam, ventos erguem a poeira e, do chão, profundas rachaduras se abrem, por onde começa a emergir a neblina do Tártaro, onde a noite é eterna. As fundações que mantinham a ordem no Universo começam a ruir, e eis que Urano, o céu, lentamente volta a se deitar no leito de Gaia, a Terra. O mundo volta ao Caos, ao estado primordial de desordem, quando nada ainda possuía formas. Mas a superioridade dos irmãos olímpicos se impõe aos titãs desarmados. Quando esses já estão enfraquecidos, os três hecatônquiros erguem por fim 300 rochas imensas e soterram os tiranos.
Terminada a guerra, os três irmãos vencedores dividem o Universo entre si, inspirados por conselhos de Gaia. Hades fica com o Tártaro, Poseidon, com o mar, e Zeus, com o céu. Assim, pela vontade de todos, Zeus torna-se o rei dos deuses. Ele institui um mundo hierarquizado, em que cada divindade recebe as devidas honras e privilégios. Pela primeira vez, naquele princípio dos tempos, o Universo é guiado por um sentido de justiça, e não apenas por constrangimento e violência.
INFERNO TITÂNICO
Derrotados pelos deuses olímpicos, os titãs foram condenados à escuridão eterna. Mas a punição de Atlas foi pior.
Ser um deus tem grandes vantagens. Arrasados na titanomaquia – a guerra contra as divindades olímpicas –, os titãs, por também serem deuses, não morreram. Mas esses seres ancestrais tiveram de colocar o rabo entre as pernas e se deixar levar passivamente até as profundezas do Tártaro. Um lugar nada agradável. Na fenda pela qual se chega a esse terrível mundo inferior, são enfiadas todas as raízes da terra. Tudo para que os titãs fiquem privados de qualquer frestinha de luz. Breu total. Para sempre. E aquele que, assim mesmo, tente escalar esse abismo será tragado novamente por tufões, um seguido do outro.
Se a escuridão nesse inferno já é uma punição terrível, algo pior ficou reservado para Atlas. O líder do time titânico tem um castigo exemplar. Uma vez que a guerra mostrou que a ameaça de o Universo voltar ao caos é real, para garantir que isso nunca mais aconteça, Zeus condena Atlas a carregar o céu em seus ombros por toda a eternidade – para que nunca mais Urano recaia sobre Gaia no abraço primordial que deu origem aos titãs (Daí aquela imagem clássica do gigante carregando o globo sobre os ombros.). É pelo fato de esse deus sustentar o céu que mais tarde os homens nomeariam de Atlas a imensa cordilheira de montanhas do noroeste africano.