Reportagem originalmente publicada pela Super em 2019
Para escapar da atração da gravitacional da Terra e chegar ao espaço aberto, é preciso alcançar uma velocidade de 11,2 mil metros por segundo (m/s), o suficiente para ir de São Paulo a Londres em 14 minutos. Só para comparar: de avião, quase à velocidade do som, a viagem dura 12 horas.
Parece muito rápido – é muito rápido –, mas o foguete Atlas V modificado que tirou a sonda New Horizons do chão atingiu 81,5 mil m/s, o que dá sete vezes mais. E olha que a gravidade da Terra não é lá essas coisas. Se o objetivo for mais ambicioso – digamos, sair do Sistema Solar –, é preciso acelerar no mínimo até os 42 mil m/s. O que diminui o tempo hipotético da viagem até Londres para três minutos.
Velocidade de escape é um conceito antigo: sabemos como calculá-la desde a publicação dos Principia de Newton, em 1687, uma época em que nem se imaginava a existência de foguetes (e em que os físicos eram chamados de filósofos naturais). Outro conhecimento mais idoso do que se imagina é a velocidade da luz: o primeiro a estimá-la foi o dinamarquês Ole Rømer, em 1676. Ele chegou a 227 milhões de m/s, não tão longe assim do valor aceito atualmente, de 299 milhões. Ou seja: a luz é 3,6 mil vezes mais rápida que um foguete Atlas V envenenado. Ela chega a Londres em três centésimos de segundo (0,03).
Em 1783, um século depois, esses dois conceitos – velocidade de escape e velocidade da luz – mexeram com a imaginação de um reverendo britânico chamado John Michell, que ensinava geologia em Cambridge. Ele se perguntou: o que aconteceria se existisse uma estrela com tanta gravidade, mas tanta gravidade, que sua velocidade de escape fosse maior que a velocidade da luz? Essa aberração não apareceria no telescópio: seria completamente preta. Retinta. Engoliria o próprio brilho.
Foi um palpite muito à frente do tempo dele. Hoje, sabemos que as tais “estrelas” existem, têm nome – buraco negro – e até um retrato, revelado em abril de 2019 pelos mais de 200 cientistas de 60 instituições envolvidos no projeto Event Horizon Telescope (em português, “Telescópio do Horizonte de Eventos”, ou só EHT). A foto é a mais significativa da astronomia até hoje – e não é só porque o dito-cujo engole toda a luz que se aproxima. É que a estranheza de um buraco negro supera exponencialmente o que Michell podia imaginar só com a física disponível na época de Newton. Lá dentro, o tempo deixa de existir. E as leis da física que conhecemos dão pau. Vamos mergulhar dentro de um buraco negro. Solte os cintos. Eles não farão a menor diferença.