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Os apetrechos dos deuses e o modelito de Thor

O Deus do Trovão ganha seu martelo. E a vez em que ele quase vira noiva e mata o noivo.

Texto: Reinaldo José Lopes | Edição de Arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria | Imagens: Rômulo Pacheco

T

udo começou quando Loki teve a brilhante ideia de deixar a linda Sif, esposa de Thor, sem seus cabelos – “brincadeirinha inocente, diversão sadia”, deve ter pensado ele. Enfurecido ao ver a pobre deusa totalmente calva, o Senhor do Trovão estava prestes a quebrar todos os ossos do corpo de Loki quando o deus trapaceiro se pôs a jurar de pés juntos que certos anões, os filhos de Ivaldi, seriam capazes de criar cabelos mágicos feitos de ouro, os quais cresceriam de maneira idêntica à dos cabelos naturais.

Para a sorte de Loki, os artífices anões realizaram essa missão maravilhosamente bem, além de produzir, a pedido dele, dois outros tesouros: a lança Gungnir, que nenhum escudo ou armadura seria capaz de deter; e o navio Skidbladnir, que podia ser dobrado feito um guardanapo e colocado no bolso de seu dono, caso fosse necessário, além de ter uma espécie de “bom vento embutido” – onde quer que estivesse, suas velas sempre seriam capazes de propeli-lo sem problemas.

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Já os problemas de Loki estavam só começando – e, de novo, por culpa do próprio sujeito. Em vez de se contentar com as três obras-primas dos filhos de Ivaldi, o deus resolveu apostar com outros dois irmãos anões, chamados Brokk e Eitri, que a dupla jamais seria capaz de produzir criações tão engenhosas e úteis quanto o cabelo, a lança e o navio. Só que, em vez de apostar mil moedas de ouro ou coisa que o valha, Loki, num acesso suicida de autoconfiança, apostou a própria cabeça com Brokk e Eitri.

Aparentemente doidos para serem os felizes proprietários de uma cabeça de deus, os irmãos anões partiram para a sua oficina. Eitri começou o trabalho colocando um pedaço de couro de porco na forja e pediu que Brokk ficasse soprando o objeto com seu fole sem parar.

Assim que Brokk se pôs a insuflar o fogo, uma mosca altamente suspeita (provavelmente o próprio Loki disfarçado) pousou em uma de suas mãos e o picou. Isso não foi o suficiente para atrapalhar o trabalho do anão, porém, que continuou a operar o fole. Eitri enfim retirou o objeto do fogo: era um javali com cerdas de ouro no lombo.

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No segundo passo da labuta, tudo aconteceu de modo muito parecido. Eitri colocou um pouco de ouro na forja e saiu, deixando o fole a cargo do irmão. Vem a mosca, pica o pobre Brokk no pescoço – mas em vão, já que o trabalho termina e o ferreiro tira do fogo um anel de ouro. Para o derradeiro objeto, Eitri decide trabalhar com ferro. Desta vez, a mosca se lança sobre Brokk com tamanha fúria, enfiando seu ferrão nas pálpebras do artífice, que o sangue dele escorre aos borbotões, de modo que ele nem consegue enxergar mais.

Certamente fulo da vida, Brokk deixa o fole de lado um instantinho e faz de tudo para tentar esmagar a mosca (Loki?), que foge voando, satisfeita com a bagunça que causara. O pobre Brokk ainda acaba ouvindo uma bronca: “Quase estragaste tudo ao parar de usar o fole, irmão”, diz Eitri. O anão, enfim, retira da forja um martelo, sua última obra. Com a cara toda inchada, cabe a Brokk ir para Asgard e lá tentar resolver o assunto da aposta.

<strong>Por tentar enganar os anões, Loki acaba com a boca costurada.</strong>
Por tentar enganar os anões, Loki acaba com a boca costurada. (Rômulo Pacheco/Superinteressante)

Num momento meio “mitologia escandinava encontra Masterchef”, os objetos produzidos pelas duas dinastias de artífices anões passam a ser julgados por uma comissão formada por Odin, Thor e Frey. Primeiro, Loki oferece os apetrechos forjados pelos filhos de Ivaldi aos asgardianos: o novo cabelo de Sif vai para Thor, é claro, enquanto a lança Gungnir se torna propriedade de Odin e o navio Skidbladnir vai para Frey. Depois, é a vez de Brokk. “Este anel se chama Draupnir, ó Pai-de-Todos”, diz o anão. “A cada nove noites, produz por si só outros oito anéis, tão valiosos quanto ele próprio.”

O javali, explica Brokk a Frey, será uma montaria valiosa para o príncipe dos Vanir: montado nele, Frey conseguirá cruzar o céu ou o mar com rapidez inigualável, e as cerdas de ouro em seu dorso produzem uma luz capaz de iluminar a maior escuridão ou as brumas mais espessas. Finalmente, o anão dá o martelo a Thor. O Mjölnir, explica Brokk, é basicamente à prova de quebra: Thor pode dar o golpe mais violento da história dos Nove Mundos com a arma e mesmo assim ela jamais sofrerá danos. Quando Thor empunhar o martelo, ele sempre acertará o alvo e, ainda que seja lançado para longe, sempre retornará às mãos do deus.

No “momento Masterchef” decisivo, o trio de deuses se declarou fã de carteirinha do Mjölnir: a arma seria uma defesa inigualável contra os ataques dos gigantes do gelo, os maiores inimigos dos Æsir. Brokk e Eitri tinham ganhado a aposta. Imagine você a diarreia que deve ter se apossado do pobre Loki. O filho de Laufey perguntou se os anões não aceitariam uma indenização em troca de sua cabeça: nem pensar, responderam eles.

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Disse então que topava ceder sua cabeça, desde que o pegassem – e saiu correndo pelo ar usando seus sapatos voadores, o que só funcionou temporariamente, porque Thor o agarrou a pedido dos irmãos anões. Loki então deu sua cartada decisiva: sim, é claro, Brokk e Eitri tinham direito à sua cabeça, mas nada no acordo lhes dava acesso ao seu pescoço: eles que lhe arrancassem a cabeça, mas sem tocar no pescoço, por gentileza.

Sem saber o que responder diante desse argumento técnico maluco, e certamente roxo de raiva, Brokk acabou abrindo mão da cabeça de Loki, mas não sem antes se vingar do deus da maneira mais dolorosa possível. Pegou um pedaço estreito de couro, uma espécie de agulha usada para furar esse tipo de material e, com tais apetrechos, costurou a boca de Loki. É claro que isso não foi suficiente para calar a Fonte de Todos os Enganos por muito tempo, mas as cicatrizes deixadas pela horrenda punição marcaram para sempre a face do filho de Laufey.

Thor, a noiva em fuga

Thor, certa vez, teve de usar vestido de noiva como estratégia desesperada para recuperar seu poderoso martelo.

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Sim, o insuperável Mjölnir tinha sido roubado, descobriu o Deus do Trovão um belo dia, ao despertar – o martelo não estava ao lado dele na cama, como de costume. Thor resolveu pedir a ajuda de alguém com cérebro (Loki, é claro) para localizar sua arma, e os dois, por sua vez, foram até Freyja: queriam emprestar o manto de penas da deusa, que permitia a quem o usasse voar com a desenvoltura de uma ave. A deusa assentiu e, munido do manto, Loki descobriu que Thrym, senhor dos ogros, tinha roubado o martelo. E só toparia devolvê-lo caso a bela Freyja aceitasse ser sua esposa.

A reação de Freyja foi exatamente aquela que você esperaria de qualquer pessoa instada a se casar com um ogro enorme e fedorento. “Sabereis que sou a mulher mais desesperada por homens em todos os Nove Mundos quando eu aceitar ir convosco à Terra dos Gigantes”, bufou ela.

Thor convocou então uma assembleia de todos os habitantes de Asgard. Heimdall, o guardião da Ponte do Arco-Íris, propôs o seguinte: “Coloquemos em Thor uma grinalda nupcial, que seu pescoço seja adornado pelo Brisingamen, o colar de Freyja, ponhamos nele roupas de mulher que lhe caiam abaixo do joelho e joias em seu peito!”. É óbvio que o Deus do Trovão não ficou nem um pouco contente com esse plano, mas Loki deu seu apoio à ideia de Heimdall e ainda se ofereceu para atuar como dama de companhia da “linda Freyja”, de maneira que Thor acabou se paramentando de noiva e a dupla partiu para a Terra dos Gigantes.

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Quando Thor e Loki chegaram, a festa de casamento já estava praticamente pronta. Ele podia estar morrendo de vergonha de seu modelito, mas isso não diminuiu em nada o apetite trovejante do deus. “Freyja” se pôs a comer salmão (oito peixes inteiros), bebeu três barris de hidromel, devorou todas as iguarias delicadas e, por fim, um boi inteiro. “Nunca vi uma noiva comer com tanta voracidade”, cochichou Thrym para a “dama de companhia” Loki. “É que Freyja ficou oito dias e oito noites sem nada comer, tão ansiosa estava para vir a Jötunheim”, explicou Loki.

O Senhor dos Ogros tentou roubar um beijo de sua amada, mas quase saiu correndo. “Por que os olhos de Freyja são tão aterrorizantes?”, perguntou o monstro. “Há oito noites que ela também não consegue dormir de expectativa”, disse Loki. Chegou enfim a hora de oficializar o casório. “Trazei o Mjölnir! Colocai-o no colo da moça para que consagremos a união!”, berrou Thrym, todo animado. Foram as últimas palavras do gigante – e Thor ainda fez questão de dar uma martelada na irmã do noivo, que teve a temeridade de pedir presentinhos à “noiva”.

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