Soberano do Olimpo, ele é o chefão entre os deuses gregos. Mais do que detentor do raio e comandante dos corpos celestes, Zeus se destaca por outro superpoder: um insaciável apetite sexual.
Texto: Maurício Horta | Edição de Arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria |
Imagens: Adobe Stock e Getty Images
NOME ROMANO – JÚPTER • DIVINDADE – O REI DOS DEUSES
Com seus irmãos, filhos e um enteado, Zeus é a figura paterna na grande família que são os 12 deuses olímpicos. Dotados de poderes imbatíveis e uma imortalidade garantida pelas taças de néctar e bocadas de ambrosia com que se alimentam no alto do Monte Olimpo, eles observam os mortais, interferem em suas brigas, punem os que julgam culpados e protegem os inocentes – e seus preferidos. Do outro lado, humanos se inspiram nos deuses e agem para obter deles uma série de favores.
Mas esses deuses não são perfeitos como o Deus dos monoteísmos. Eles são apenas uma das três raças que povoam o Universo – os imortais, os homens e os animais. Da mesma forma como levamos nossa vida cheia de erros e dominamos os animais com doses ora de carinho, ora de crueldade, os deuses agem movidos por sentimentos nada estranhos aos mortais: amor, ódio, orgulho, ciúme, vaidade, compaixão. O resultado não poderia ser diferente: intrigas, disputas e traições.
No centro desses seres superpoderosos está Zeus, soberano nos céus, mestre dos fenômenos naturais, que comanda os corpos celestes e faz tremer o Universo com um gesto de sua cabeça. Seu nome deu origem à palavra deus, e Júpiter, sua versão latina, é a junção de jus (justiça) e pater (pai). Isto é, “pai da justiça”. Gregos e latinos o representam com estátuas de um homem majestoso, de barba e cabeleira cheias, sentado em um trono. Com a mão direita segura a brasa flamejante do raio que ganhou dos ciclopes; com a esquerda, mostra uma estátua de Nice, deusa da vitória; e aos pés tem seu pássaro preferido, a águia, que plana no alto dos céus e cai como um raio sobre suas presas.
Para mostrar sua imparcialidade, os cretenses o representam sem orelhas. Já os lacedemônios (da região de Esparta) colocam-lhe quatro orelhas, capazes de ouvir todos os pedidos dos mortais. Seus cultos eram os mais solenes de todos – desde o sacrifício de cabras, ovelhas e touros até os Jogos Olímpicos, tão importantes que guerras eram interrompidas para que os atletas de todo o mundo grego participassem dessa confraternização.
O título de rei dos deuses não é fortuito. Zeus é a mais política de todas as divindades. Ele exige dos homens o respeito às leis divinas: a devoção à família, à vida pública, à confederação de cidades-Estado gregas, a ajuda aos suplicantes e aos estrangeiros, os juramentos. Em resumo, tudo o que garante o funcionamento de um Estado bem gerido: suas leis, sua polícia, sua hierarquia e suas Forças Armadas. Zeus é a fonte de todas as leis e de todo o poder que um homem tem sobre outros. Dele emana a legitimidade com a qual os indivíduos criam e executam as leis (da mesma forma como, muito mais tarde, reis cristãos receberão de Deus a sua própria legitimidade).
Mas garantir que os homens sigam a lei não significa que Zeus seja justo a todo momento. Justiça é algo que ocorre entre iguais, e Zeus está acima de todos. Ora ele age bem, ora age aparentemente mal, e ninguém sabe exatamente por quê. A única coisa certa é que, por piores que possam ser os seus atos para alguns, no fim das contas virão para um bem maior.
ENGRAVIDOU A PRIMA E CASOU COM A IRMÃ
O poder do maior dos deuses não vem apenas da batalha que travou contra os titãs nem da ameaça de seus raios. Vem também de sua potência sexual infinita. Propagando seu sangue, Zeus se tornará pai de deuses e de uma lista de incontáveis heróis – que na Terra o ajudarão a definir os rumos dos mortais.
Esse desejo raras vezes foi tão intenso quanto o que ele sentiu por sua prima Métis – aquela que preparou a poção vomitória que liberou os deuses olímpicos da barriga de Cronos. Desde que, ainda adolescente, partiu de Creta em busca de seus pais, Zeus admira a deusa da astúcia e dos conselhos sábios. Mas sua avó Gaia o avisou: o desejo de possuir Métis e ter com ela filhos traçaria para ele o mesmo destino reservado a Urano e Cronos, derrubados pelas próprias crias. Seu pai, o deus do tempo cíclico, pode estar confinado no Tártaro, mas não deixou de existir. Ele continuará condenando todo usurpador do poder ao ciclo natural de nascimento, amadurecimento, morte e sucessão.
Por outro lado, sem unir-se à sabedoria de Métis, Zeus não poderá governar eternamente o Universo, que estará ameaçado de um estado de injustiça tão intolerável quanto o que levou à guerra dos titãs. Por isso, Gaia cria para o neto uma estratégia infalível, que evitará mais uma sangrenta luta sucessória entre gerações. Zeus precisa tomar de Métis para si a capacidade de prever os acontecimentos, para que conquiste a soberania em seu estado absoluto e se torne senhor eterno dos céus. “Métis lhe dará filhos que a ultrapassarão em sabedoria.
A primeira será uma menina de olhos cinzentos e espírito bravo. Em seguida, dará à luz seu varão, para quem ela inventará um instrumento mais poderoso que teu relâmpago – com ele vai eclipsar-te da mesma forma como Cronos sucedeu a Urano e tu sucedeste a Cronos”, previne-o Gaia. “De nada adiantará aniquilá-lo. É necessário impedir que Métis siga com sua prole.”
Zeus reencontra então sua prima e faz amor com ela. Ao ver a barriga grávida da deusa, ele é tomado pela felicidade de finalmente tornar-se pai. Mas, atormentado pela profecia de Gaia, passa a perseguir a amante. Sagaz como só ela podia ser, Métis se disfarça na forma de todos os animais para fugir dessa perseguição – até se transformar em uma mosca. É então que Zeus abre sua boca, devora-a e toma para si a astúcia com a qual reinará eternamente.
Métis foi apenas a primeira das deusas que Zeus amou. Com ela teve Atenas, deusa da sabedoria e da guerra. De sua tia Têmis – que se imortalizou no imaginário popular como a mulher de olhos vendados que segura com uma mão a balança da justiça e, com a outra, uma espada –, teve três filhas: a Equidade, a Lei e a Paz, com as quais Zeus estabelece a força da justiça sobre o mundo. Com Euríneme, teve as três Graças, que personificam a beleza e o encanto, e trazem alegria ao coração dos homens e dos deuses.
Amou Mnemosine por nove noites e, ao fim de nove meses, teve como filhas as nove Musas, ninfas virgens das montanhas e dos rios. Com Leto, teve Apolo. Mas sua única esposa legítima foi a ciumenta irmã Hera, com quem teve Ares, deus da guerra. Além das deusas, a irrefreável potência sexual de Zeus leva-o a deitar-se com 115 mulheres mortais, com quem tem uma imensa prole, igualmente mortal, mas poderosa: Héracles (mais conhecido pelo nome romano: Hércules), Helena, Perseu, Minos…
Sua primeira amante mortal é Niobe, princesa de Árgolis, no sul da Grécia, com quem tem Argo, rei do Peloponeso, que introduz o cultivo de trigo, e Pelasgo, primeiro rei da Arcádia, inventor das casas. Para abduzir a princesa fenícia Europa, o rei dos deuses se metamorfoseia em um touro, que a leva até Creta, onde fazem sexo. Com a bela Lamia, rainha da Líbia, tem vários filhos, mas Hera é tomada por tamanho ciúme que lhe rouba todos. Tão grande é o sofrimento da mulher mortal que Zeus dá a ela o poder de arrancar os próprios olhos e colocá-los de volta no globo ocular quando se sentir mais calma.
Já a rainha espartana Leda caminha às margens de um rio quando percebe que um cisne a segue. É mais um disfarce de Zeus, que se une a ela na mesma noite que o faz o marido Tíndaro. Leda então, tendo feito sexo com uma ave divina, acaba botando dois ovos, um com um filho de Zeus, e outro com um do esposo. O desejo de Zeus é tão voraz que nem mesmo os rapazes ficam livres dele. Disfarçado de águia, Zeus encanta Ganimedes, príncipe de Troia, e o abduz para o Monte Olimpo, onde este se torna seu amante e copeiro dos deuses.
A SEDUÇÃO QUE PARIU HÉRCULES
Quando Anfitrião, de Micenas, parte para vingar a morte dos oito irmãos de sua prima, Alcmena, com quem se casa, Zeus fica sabendo que a moça resguarda sua virgindade para quando o marido cumprir sua missão. A fofoca vem do deus Hermes, o mensageiro do Olimpo.
Ciente também da ausência do cônjuge, por conta da tarefa, o rei dos deuses, então, assume a aparência do próprio Anfitrião e desaparece do Olimpo para surgir à porta do quarto de Alcmena, bem na noite anterior à volta do marido. A princesa não conseguia dormir, ansiosa pelos riscos que Anfitrião corria no campo de batalha. Ao ver a imagem de seu amado entrar no quarto, ela corre em sua direção. “Como pudeste voltar tão cedo?”, pergunta-lhe, ainda incrédula de rever o marido antes do que a complexidade de sua missão daria a entender.
“Vinguei seu pai, e trago aqui a taça de Ptérela [o assassino dos irmãos dela] como prova de minha vitória.” Com a taça na mão e os relatos da batalha que Hermes antecipou a Zeus, Alcmena acredita nas palavras daquele que ela pensa ser o marido, e os dois podem finalmente juntar seus corpos, liberando o amor que a princesa por tantos anos reteve. O desejo de Zeus é tamanho que ele pede ao deus Hélio que não passe pelo céu com sua carruagem de raios solares por três dias. Hermes diz à Lua que também ande bem devagar, que o Sono faça toda a humanidade ficar tão pregada que ninguém perceba o que está por acontecer. E assim a noite de amor se estende por três dias.
Mas a manhã finalmente chega, e Alcmena acorda sozinha com o barulho dos soldados de Anfitrião, que voltam da batalha. A princesa olha à sua volta e não encontra taça alguma. Não sabe se o que aconteceu foi sonho ou realidade. Até que o verdadeiro Anfitrião entra no seu quarto, com a taça na mão, e repete as palavras com que conquistara o amor da bela mortal: “Vinguei seu pai, e trago aqui a taça de Ptérela como prova de minha vitória”.
Nua e descabelada, Alcmena apenas fixa seu olhar em Anfitrião, sem saber como reagir – para total surpresa do marido. Como poderia ela ter se guardado por tanto tempo e, agora, apresentar-se indisposta? Ele a abraça como um animal e, rapidamente, alivia seu desejo no corpo relutante da esposa. “O que aconteceu com tua virgindade?”
“Do que estás falando? Por três dias não pregamos os olhos de tanto nos amar!”, responde Alcmena. “Não vês no nosso leito o sangue seco da virgindade que perdi contigo?”. Diante disso, Anfitrião é tomado pelo desespero. “Não me confundas com essa história. Acabo de chegar da batalha, sem nunca ter me deitado contigo.
Quem esteve aqui?”.
“Tu, eu juro.”
“Pois descobrirei a verdade com o adivinho Tirésias.”
E lá se vai Anfitrião afoito, para descobrir que do ventre de sua mulher nascerá Hércules – filho de Zeus e o mais glorioso de todos os heróis. Mas o marido não pode crer numa história tão absurda. Cheio de raiva, Anfitrião mobiliza seus soldados para prender Alcmena, amarra-a a toras de madeira e ergue uma tocha de frente para a esposa inocente, desesperada pela ira irracional do marido.
Do alto do Olimpo, Afrodite chama Zeus para ver a cena assustadora que ele causou. Decepcionado pela baixeza dos sentimentos dos humanos, Zeus faz o céu fechar-se com densas nuvens, lança trovoadas que tremem a Terra e despeja uma chuva torrencial que apaga a tocha.
Lavado pelas águas divinas, o marido é tomado por uma clareza de espírito. Olhando para Alcmena enquanto a água penetra a madeira, Anfitrião diz: “Tu falaste a verdade!”. Ele larga a tocha apagada, desamarra as cordas da esposa e a abraça fortemente.
MESTRE DOS DISFARCES
Como tinha esposa ciumenta e a devassidão não pegava bem no currículo de rei dos deuses, Zeus recorre à metamorfose para suas conquistas pansexuais.
UM VARÃO ENTRE MULHERES CASTAS
Calisto, princesa da Arcádia (sul da Grécia), faz um voto de castidade e vai viver entre bestas selvagens, ao lado de Ártemis, deusa da caça, longe das investidas masculinas. Dessa virgindade emana a beleza que acaba encantando Zeus. Vestida com um roupão preso apenas por uma fivela, Calisto incendeia o peito do deus dos deuses. Ele só precisa esperar o sol se pôr para que possa dar o bote. “Como poderá Hera não saber dos meus atos?”, pensa. Zeus, então, se transforma na imagem de Ártemis e parte para o lado da virgem adormecida. “Que grande desafio foi sua caça hoje?”, acorda-a com o corpo colado ao dela.
Antes de contar todas as aventuras do dia, Calisto suspira a Zeus metamorfoseado de Ártemis: “Ó gloriosa deusa, maior que o celestial Zeus…”, e logo é calada por beijos que a amolecem. Mas rapidamente a virgem percebe que entre suas pernas há algo que não é do corpo de Ártemis. Tarde demais para debater-se contra Zeus. Calisto já está humilhada e grávida.
No dia seguinte, Calisto espia Ártemis caçando pelas montanhas. Quando percebe que não é novamente Zeus disfarçado, aproxima-se da deusa. Por mais que tente esconder sua desgraça, não consegue tirar o olhar do chão nem andar ao lado da amiga, que observa com curiosidade seu comportamento. Ao anoitecer, a deusa da caça convida suas amigas ninfas a banhar-se num pequeno bosque pelo qual passa um riacho. Todas se despem, menos Calisto. E assim Ártemis descobre sua gravidez. Tomada pela raiva, ela grita para Calisto: “Vai embora! Tu não profanarás nossas águas!”
Não demora para que Hera saiba de tudo. Calisto é derrubada ao chão pela esposa traída e pede de braços erguidos por clemência. Enquanto se debate em súplicas, em seus braços crescem pelos negros, em suas mãos, garras afiadas. Sua boca se deforma e ela passa a emitir urros. Vira uma ursa, cujo último traço de humanidade é a mente. Tomada pela tristeza, ela deixa de ser uma princesa caçadora e se torna uma fera ignorada pelos outros ursos e ameaçada por lobos.
Passados 15 anos, Arcas, o filho de Calisto, caça pela floresta, espalhando redes pelas árvores. É então que vê sua mãe, transfigurada numa ursa. Ao reconhecer o filho, Calisto fixa o olhar e permanece muda, mas Arcas, assustado com a visão, dá um passo para trás e, com seu arco e flecha, atira contra o peito da mãe. Para evitar que a flecha a atinja, Zeus dá um sopro tremendo que a leva até a abóbada celeste. Nasce assim a constelação de Ursa Maior.