A Apple não inventa nada
Os produtos lançados pela empresa têm como base idéias conhecidas. Mesmo assim, extrapolam suas funções e transformam o mundo. Entenda como alguém que não inventa nada é capaz de revolucionar tudo.
Texto de Ernesto Rinaldi
No mundo da tecnologia, o dia 10 de janeiro parecia uma final de Copa do Mundo. Nas lojas da Apple, milhares de fãs se juntavam em frente aos monitores para conhecer a novidade que seria apresentada ao vivo pelo presidente da empresa, Steve Jobs. No centro das atenções estava o iPhone, o tão aguardado telefone celular fabricado pelos inventores do iPod. Quando ele finalmente apareceu, veio como um tsunami. A platéia presente ao anúncio urrava em êxtase a cada palavra dita por Jobs, que lembrava um pastor evangélico liderando fiéis exaltados. Poucas horas depois, os papéis da Apple na bolsa haviam subido 8,3%, deixando a empresa cerca de US$ 6 bilhões mais rica. Já o fabricante do Blackberry, atual rei dos supercelulares, amargava uma queda de 7,7% em suas ações. Também pudera, o aparelho acabara de ficar obsoleto.
Por que isso aconteceu? Afinal, na prática, o iPhone é um celular que tem câmera embutida, acesso à internet e tocador de mp3 – coisa que já existe aos montes nas lojas. E, no Japão, celulares são capazes de fazer muito mais do que isso – servem como cartão de débito para comprar leite ou como televisão para assistir ao vivo aos jogos de beisebol. A resposta é simples e define a própria Apple: em toda a sua história, a empresa não inventou nenhum aparelho genuinamente novo. Mas, ao melhorar o que já existia, provocou revoluções culturais.
Veja o exemplo do iPod. Antes dele, a maioria das pessoas nem sabia o que era mp3 – mesmo existindo diversos tocadores do tipo no mercado. Depois do iPod, a indústria musical nunca mais foi a mesma. O primeiro Macintosh, de 1984, teve o mesmo efeito. Ele não foi o primeiro computador com mouse a ser lançado – mas foi o primeiro que muita gente viu na vida. Hoje, centenas de milhões de pessoas têm micro em casa.
Qual o segredo da Apple? A diferença está nos gostos de Steve Jobs, um cara que, veja só, não é fanático por tecnologia. Enquanto seu amigo Steve Wozniak montava o computador Apple I na garagem de casa, ele resolveu largar a faculdade e foi ler poesia, freqüentar cultos budistas e fazer cursos aparentemente inúteis, como caligrafia (que, anos mais tarde, o inspiraria a incluir no Mac uma coleção tipográfica que ajudaria a fazê-lo cair nas graças dos designers). Foi assim que ele percebeu que mais importante que desenvolver aparelhinhos mirabolantes é desenvolver aparelhinhos mirabolantes operáveis por pessoas normais.
O celular chupa cana e assobia
No mundo da tecnologia, esse perfil “humanista” é coisa rara – Bill Gates é um típico nerd, daqueles que sonham em código binário. Jobs teve trabalho para se cercar de gente que pensa como ele. Seu camisa 10, o inglês Jonathan Ive, desenhava banheiras antes de ser contratado. Hoje, desenha o iMac, o iPod e o iPhone, aparelhos que têm em comum o fato de serem estupidamente belos e ridiculamente fáceis de usar. Não lembram, nem de longe, aquele jeitão de produto de informática que a indústria adora fabricar – ainda existe empresa que acha bacana fazer aparelhos cheios de botões que ninguém sabe como usar.
São essas características que fazem tanta gente apostar que o iPhone se tornará o ícone maior da tão sonhada convergência de tecnologias. O aparelho já é capaz de chupar cana e assobiar ao mesmo tempo: é computador (o acesso à internet é praticamente idêntico ao que você tem no computador), câmera digital (de 2 megapixels), tocador de mp3 (com espaço para até 2 mil músicas) e ainda recebe ligações (quando alguém telefona, a música pára automaticamente e é só falar: os fones de ouvido têm viva-voz). Em vez de teclado, há apenas uma tela, por onde todas as funções são acessadas com toques dos dedos. Tudo ao mesmo tempo e, aí está a diferença em relação ao que já existe, simples de operar.
Nos EUA, tudo isso estará à disposição em junho, por US$ 600, cerca de R$ 1 290, na versão com 8 gigas de memória. A versão com 4 gigas sai por R$ 1 075. É quase o mesmo que os (desde já obsoletos) celulares top de linha. E aí está outro segredo da Apple: a empresa faz produtos revolucionários, mas não cobra por eles preços fora da realidade. (E, se eles custam tanto no Brasil, a culpa é dos impostos nacionais. Azar nosso.). À Europa, o iPhone chega no Natal. Aqui, o lançamento deve demorar – mesmo sendo GSM, não basta colocar um chip local para usá-lo. Mas há uma esperança: como o iPhone é um computador, pode ser hackeado. Em pouco tempo, devem aparecer softwares capazes de permitir seu uso em qualquer país. E, no fundo, a Apple vai até gostar dessa solução. Junto, surgirão montes de outros softwares, igualmente piratas, mas com um objetivo do bem: adicionar funções, de graça, ao aparelho. Seria bom para os usuários e melhor ainda para Steve Jobs: ele, que hoje já é dono da Disney, anda tão excitado que durante o lançamento do iPhone sugeriu até uma fusão entre Apple e Google.