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A batalha final

Um anjo revelou ao apóstolo João como Deus comandará a guerra do fim do mundo - e seu relato está no último livro do Novo Testamento

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h16 - Publicado em 16 fev 2013, 22h00

Giselle Hirata

“Eis como nasceu Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava desposada com José. Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu por virtude do Espírito Santo. José, seu esposo, que era homem de bem, não querendo difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente. Enquanto assim pensava, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados.”

O parágrafo acima, extraído do livro de Mateus (capítulo 1, versículos 18 a 21), dá uma ideia de como a segunda parte da Bíblia é diferente da primeira. Enquanto o Velho Testamento é uma sucessão de batalhas sangrentas, o Novo quase nada tem a ver com campanhas militares. Seus temas principais são a vida e os ensinamentos de Cristo. Mas isso não quer dizer que suas páginas estejam totalmente livres de violência. Entre os 27 livros que o compõem, um se destaca nesse quesito: o das Revelações.

Também conhecido como Apocalipse, o livro das Revelações é o último volume do Novo Testamento. Para quem o interpreta ao pé da letra, ele narra como será a guerra que vai levar ao fim do mundo. O texto é atribuído ao apóstolo João, que teria colocado no papel visões que lhe foram reveladas por um anjo. “Eu (…), vosso irmão e companheiro nas tribulações, na realeza e na paciência em união com Jesus, estava na ilha de Patmos por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus”, escreve o autor logo no capítulo 1. “Num domingo, fui arrebatado em êxtase, e ouvi, por trás de mim, voz forte como de trombeta que dizia: O que vês, escreve-o num livro e manda-o “as 7 igrejas: a Éfeso, a Esmirna, a Pérgamo, a Tiatira, a Sardes, a Filadélfia e a Laodiceia” (Apocalipse 1:10-11). Nos 21 capítulos seguintes, o apóstolo descreve o que acontecerá na derradeira batalha entre o bem e o mal.

A narrativa é assustadora e surreal. O confronto começa no céu, numa disputa entre Miguel (o arcanjo) e um dragão de 7 cabeças (representação do demônio). Derrotada, a fera e seus seguidores – os anjos caí-dos – são enviados à Terra e começam a infernizar a humanidade. Por etapas, Deus vai despejando sua ira sobre as forças terrenas do mal. Ele tem em mãos o livro dos 7 selos. Para cada selo aberto, uma tragédia acontece. Os 4 primeiros correspondem aos cavaleiros do Apocalipse. Um deles monta um cavalo branco, mas não tem nada de salvador ou herói. Na verdade, ele traz a falsa paz. O segundo vem num cavalo vermelho, a cor da discórdia. Com a sua chegada, os homens se matarão uns aos outros. O terceiro animal é negro, cor da fome e da miséria no pós-guerra. E o último é esverdeado, a cor da morte.

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De acordo com as visões de João, Deus prossegue na abertura dos 3 selos restantes – e novas catástrofes recaem sobre a Terra. Epidemias se alastram. Gafanhotos gigantes devastam as plantações. O Sol escurece. Estrelas despencam do céu. E o anticristo entra em ação, ajudando a recrutar seguidores para a batalha contra o Criador. “Vi, então, levantar-se do mar uma Fera que tinha 10 chifres e 7 cabeças; sobre os chifres, 10 diademas; e nas suas cabeças, nomes blasfematórios”, escreve o apóstolo. “A Fera que eu vi era semelhante a uma pantera: os pés como de urso, e as faces como de leão. Deu-lhe o Dragão o seu poder, o seu trono e grande autoridade. Uma das suas cabeças estava como que ferida de morte, mas essa ferida de morte fora curada. E todos, pasmados de admiração, seguiram a Fera e prostraram-se diante do Dragão, porque dera seu prestígio à Fera, e prostraram-se igualmente diante da Fera, dizendo: Quem é semelhante à Fera e quem poderá lutar com ela?” (13:1-4).

Na interpretação de muitos religiosos, essa besta que emerge do mar é a representação do anticristo. Ao curá-lo, o demônio reúne em torno de si uma multidão de admiradores. Um pouco mais adiante no relato, outra fera entra em cena – dessa vez, surgida da terra e com dois chifres semelhantes aos de um cordeiro. Segundo o apóstolo, ela conversa com o dragão (ou seja, com o diabo) e “exercia todo o poder da primeira Fera, sob a vigilância desta”. Para a maioria dos que interpretam literalmente o Apocalipse, ela representa o falso profeta – por ter o dons da oralidade e de seduzir as pessoas. Juntando-se ao dragão e à besta do mar, ela completaria a trindade do mal.

No fim, Cristo volta à Terra para a batalha final. “Vi ainda o céu aberto: eis que aparece um cavalo branco. Seu cavaleiro chama-se Fiel e Verdadeiro, e é com justiça que ele julga e guerreia”, escreve João (19:11). De dentro da própria boca, o Messias puxa uma espada, que simboliza o poder da palavra de Deus. Ele derrota as forças do mal. E ressuscita os mortos para julgá-los segundo a lei divina. Quando chegar o momento do juízo final, diz o livro, caberá o paraíso às almas de bem. Às do mal, restará o inferno e a tutela do diabo.

Nem todo mundo, porém, interpreta o Apocalipse de maneira literal. Muitos estudiosos da Bíblia acreditam que a história contada no livro não é uma profecia. Na verdade, seria uma crítica severa ao Império Romano – que, na época de João, perseguia os cristãos por considerá-los uma ameaça. Milhares foram executados por ordem de Roma nos 3 primeiros séculos da Era Cristã. E o próprio apóstolo era prisioneiro na ilha de Patmos quando teve suas visões apocalípticas, provavelmente no ano 95 d.C. As forças do mal descritas no Apocalipse, portanto, seriam referências ao império. Ao prever castigos medonhos para os opressores, João estaria tentando fortalecer a fé dos oprimidos – garantindo condições para a sobrevivência do cristianismo.

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“As revelações do Apocalipse não são predições de futuro”, diz o professor Paulo Garcia, coordenador do curso de Teologia da Universidade Metodista de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. “São mensagens endereçadas aos cristãos daquela época. Elas dizem que a reposta final está em Deus, que Ele é mais forte e vence sempre.”

Analisando o livro das Revelações por essa perspectiva, a narrativa contida nele fica muito plausível. E cada trecho assume significados que parecem fazer sentido, pelo menos do ponto de vista histórico. Veja o exemplo do dragão de 7 cabeças, personagem central do texto. Para muitos especialistas nas Escrituras Sagradas, ele não representa apenas a personificação do demônio: é uma referência explícita aos imperadores de Roma – ou, especificamente, a Nero, que se notabilizou pela perseguição aos cristãos durante seu reinado, entre 54 d.C. e 68 d.C. O imperador ordenou a execução de dois apóstolos de Cristo: Pedro, que morreu crucificado de cabeça para baixo, e Paulo, que foi decapitado (leia mais no box da pág. 73). João teria utilizado uma linguagem simbólico-figurativa para ludibriar os romanos e garantir que sua mensagem de perseverança e resistência chegasse à tais 7 igrejas citadas no início desta reportagem. Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia eram as maiores e mais importantes cidades da Ásia Menor naquela época – consequentemente, fundamentais para a sobrevivência e a expansão do Cristianismo. A julgar pelo que aconteceu nos dois séculos seguintes, a estratégia do apóstolo funcionou. No ano de 313 d.C., os romanos se viram obrigados a legalizar a religião, tamanha sua popularidade. Sessenta e sete anos depois, em 380 d.C., ela se transformaria na crença religiosa oficial do império.

MASSACRE DE CRIANCINHAS

Embora seja bem mais “pacífico”que a primeira parte da Bíblia, o Novo Testamento também conta histórias de extrema violência, e elas não estão concentradas apenas no Apocalipse. O Evangelho de Mateus, por exemplo, descreve o trágico episódio conhecido como Massacre dos Inocentes, quando Herodes – rei da província romana da Judeia – descobre por intermédio dos reis magos que um judeu recém-nascido se tornaria rei por vontade divina. A criança, de acordo com a tradição judaico-cristã, era Jesus. Com medo de perder o posto de governante que ocupava, Herodes manda matar na cidade de Belém e em seus arredores todos os meninos com menos de dois anos de idade. O Messias escapa do infanticídio. E o rei da Judeia acaba sendo retratado no texto bíblico como um facínora – embora a maioria dos historiadores negue que o massacre realmente tenha acontecido. Perseguições cruéis aos seguidores de Cristo também são fartamente relatadas no Novo Testamento. É o caso, entre tantos outros, do apóstolo Pedro – crucificado de cabeça para baixo por ordem do imperador romano Nero.

CADA UM VÊ A PROFECIA QUE QUER

ANTICRISTO
Há quem acredite que a besta saída do mar descrita no Apocalipse é uma referência a ditadores e genocidas de um passado recente, como o nazista Adolf Hitler e o fascista Benito Mussolini (personagens centrais da 2ª Guerra Mundial).

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FAL PROFETA
A besta que surge da terra no Livro das Revelações, segundo alguns religiosos, refere-se a uma liderança mundial que ainda está por surgir. Muitos acreditam que ela seduzirá as nações pelo poder da comunicação – uma vez que, no relato do apóstolo João, a besta aparece conversando com o dragão de 7 cabeças (representação do demônio). Um magnata da mídia? Há quem aposte que sim.

EXÉRCITO DO MAL
No capítulo 9 do Apocalipse, João se refere a um exército a serviço do mal que era composto de 200 milhões de soldados. “E foi assim que eu vi os cavalos e os que os montavam: estes últimos eram couraçados de uma chama sulfurosa azul. Os cavalos tinham crina como uma juba de leão e de suas narinas saíam fogo, fumaça e enxofre. E uma terça parte dos homens foi morta por esses 3 flagelos {fogo, fumaça e enxofre} que lhes saíam das narinas” (9:17-18). Muita gente acredita que essa é uma referência ao exército da China – único país capaz de colocar tantos combatentes em marcha.

ESTRELA RADIOATIVA
No capítulo 8, uma estrela de nome Absinto cai do céu e envenena a terça parte das águas do mundo. “(…) E muitos homens morreram por ter bebido dessas águas envenenadas” (8:11). Há quem acredite que, nesse caso, João estava prevendo o pior acidente nuclear da história: Chernobyl, na Ucrânia, ocorrido em 1986. Em russo, um dos significados da palavra “chernobyl” é justamente “absinto”.

Fim dos tempos
Confira os “melhores momentos” da batalha definitiva entre o bem e o mal, profetizada pelo apóstolo João no apocalíptico livro das Revelações

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1. BICHO DE 7 CABEÇAS
O demônio em forma de dragão surge no céu e atormenta uma mulher grávida. Essa seria uma referência às perseguições sofridas pelos cristãos – inclusive o Massacre de Inocentes ordenado por Herodes.

2. BATALHA CELESTE
O arcanjo Miguel enfrenta Lúcifer, um querubim rebelde que deseja “ser como Deus¿. Banido do céu, ele é mandado para a Terra, onde se transforma no Diabo e começa a reunir seguidores entre os homens. Assim começa a batalha que vai levar ao fim do mundo.

3. LIVRO DOS SELOS
Deus tem um pergaminho com 7 selos, que representam os primeiros juízos a serem lançados sobre Terra. Para cada selo que é aberto, uma tragédia acontece.

4. CAVALEIROS
Correspondem aos 4 primeiros selos do livro. O cavalo branco representa o mal disfarçado de bem. O vermelho, a discórdia entre os homens. O negro simboliza fome e miséria no pós-guerra. Já o esverdeado é a morte – e o inferno que virá atrás dele.

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5. TROMBETEIROS
Eles anunciam desgraças que, uma a uma, recairão sobre Terra: pestes, rios e mares contaminados, gafanhotos gigantes… E um exército maligno com 200 milhões de soldados e cavalos expelindo fogo pelas narinas.

6. BESTA DO MAR
Ela emerge para lutar contra os homens de bem – alusão aos mártires do cristianismo mortos por imperadores romanos. Quem lhe confere poderes para a empreitada é o dragão de 7 cabeças.

7. BESTA DA TERRA
Ela seduz os habitantes da Terra e consegue marcar a todos – “pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos” – com o símbolo dos adoradores do demônio: o número 666.

8. CÓLERA DIVINA
Anjos derramam mais um pouco da ira de Deus sobre a Terra, dessa vez sob a forma de catástrofes que lembram as pragas do Egito – doenças, rios de sangue, fenômenos climáticos extremos, chuva de meteoros e um terremoto que divide cidades e nações.

9. VINDA DO MESSIAS
Cristo vem à Terra num cavalo branco e tira da própria boca uma espada (Sua palavra como a mais poderosa das armas). Feras e reis reúnem exércitos para lutar contra Ele. A batalha final ocorre em Armagedom, que vem do hebraico Har Meggido, ou Monte Megido.

10. JUÍZO FINAL
Jesus derrota os exércitos do mal e aprisiona o dragão num abismo por mil anos. A fera voltará ao final desse período. Mas o fogo dos céus porá fim aos tempos. Então, chegará a hora do juízo final. Aos bons caberá a vida eterna no paraíso. Aos maus, o inferno e a companhia do diabo.

Fontes: Paulo Roberto Garcia (Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo), Edison Naves (especialista em escatologia, pastor da Igreja Batista Maranata de São José dos Campos e autor do livro Escatologia e a Vida de Santidade); Rodrigo Duarte Passos (coordenador litúrgico da paróquia São Benedito de Biritiba Mirim), Marcos de Benedicto (jornalista e teólogo) e O Grande Conflito (Ellen G. White).

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