A vida doméstica dos Bin Laden
Antes de ser terrorista, Osama bin Laden também foi marido e pai de família. Conheça sua rotina familiar - contada por uma das esposas e um dos filhos dele
Texto originalmente publicado pela Super em 2010
Por muito tempo, ninguém soube onde Osama bin Laden estava escondido. Mas o inimigo número 1 dos EUA já teve endereço certo. Omar e Najwa bin Laden, filho e mulher do terrorista, lançaram um livro em que revelam a vida doméstica da família, que morou na Arábia Saudita entre 1974 e 1991, passou 5 anos no Sudão e em 1996 se mudou para o Afeganistão. São revelações surpreendentes e até engraçadas, que mostram um Osama contraditório e cheio de manias. Seja bem-vindo à casa dos Bin Laden.
Meu filho é homem
Najwa se casou com Osama em 1974. Tinha 15 anos e logo engravidou. Teve um filho, depois outro e mais outro – nos 3 primeiros anos de casamento, foram 3 filhos homens. Ela estava louca para ser mãe de uma menina. E, quando teve o quarto filho, Omar, não se aguentou – começou a deixar o cabelo do menino crescer e a vesti-lo como uma menina. “Minhas amigas diziam que Omar era muito bonito e me encorajavam”, conta. Era 1981 e Osama passava longas temporadas longe de casa, combatendo a invasão soviética no Afeganistão.
Um dia, ao voltar para seu lar na Arábia Saudita, se deparou com a cena bizarra. “Primeiro, ele ficou perplexo. Se agachava e passava os dedos nos cachos de Omar, e no vestido”, relata Najwa. Depois, explicou ao menino: “Omar, este vestido que você está usando é para meninas. Este corte de cabelo é para meninas. Você é um menino”. Osama mandou a mulher parar com a brincadeira, e ela obedeceu. Mas logo voltou a travestir o pequeno Omar nas ausências do marido. Até que Osama chegou de surpresa. “Ele não falou nada. Ficou parado, me encarando com uma expressão que deixava bem claro que eu não deveria brincar com o destino”, conta. Najwa cortou os cabelos do menino, sumiu com os vestidos e nunca mais brincou de boneca até ter a primeira filha, 6 anos depois.
Férias em Hollywood
Osama bin Laden abominava os EUA. Mas já esteve lá. No final dos anos 70, ele e Najwa passaram duas semanas na terra dos infiéis. “Osama foi se encontrar com um homem chamado Abdullah Azzam.” O tal Abdullah era um teólogo sunita, que pregava a guerra santa e viria a se tornar o mentor de Bin Laden. Najwa passou as duas semanas em Indianápolis, mas Osama foi passar 7 dias em Los Angeles. Não se sabe por que ele quis ir justamente a Hollywood, símbolo máximo da cultura americana. Mas a viagem foi tranquila. O único contratempo foi na hora de ir embora. No aeroporto, um homem se espantou com a roupa de Najwa, uma burca que cobria todo o corpo, e começou a encará-la. Osama não se ofendeu, e até achou graça na situação. “Meu marido e eu adoramos a América”, diz Najwa.
Professor Pardal jihadi
Osama era considerado um gênio da matemática: tinha a capacidade de fazer somas enormes de cabeça. Omar relembra que homens iam à casa dele e desafiavam seu pai a competir com uma calculadora. Bin Laden sempre terminava as equações primeiro. A memória do terrorista também era acima da média: segundo seu filho, ele era capaz de recitar o Alcorão inteiro, que tem mais de 350 páginas, de cabeça. Mas a grande paixão de Osama era uma ciência – a genética. Quando morou no Sudão, entre 1991 e 1996, ele cismou de produzir os maiores girassóis do mundo. Cruzou várias linhagens da planta até criar girassóis que chegavam a ter o tamanho de uma cabeça.
Morte aos cachorros
No mundo islâmico, o cachorro não é o melhor amigo do homem – os muçulmanos evitam ter cães, que consideram sujos, como animais de estimação. Osama criava pastores-alemães, e não seguia à risca a determinação do islã: brincava e fazia carinho nos cachorros. Mas os filhotes não tinham a mesma sorte. “Um dia, eu estava cuidando da minha cadela e alguns guerrilheiros vieram pedir filhotes emprestados. Eu não gostei, mas pensei que eles estavam procurando cachorros para criar”, conta Omar. Algum tempo e vários filhotes depois, o menino descobriu o destino dado aos cachorrinhos. “Os filhotinhos que eu e meus irmãos adorávamos estavam sendo sacrificados pelo jihad. Os soldados do meu pai estavam usando os filhotes para testar armas químicas.” Osama não mostrou nenhum remorso quando isso foi descoberto pelo filho.
Menu do terrorista
Osama tinha um paladar curioso e variado. Seu café da manhã era bem espartano, um pedaço de pão com azeite. Já nas refeições, preferia algo mais elaborado – seu prato preferido é abobrinha recheada com carne. Ele adorava frutas e esperava com ansiedade o verão: a estação da manga, sua fruta favorita. Bin Laden tomava bastante mel com água quente – mistura que, segundo ele, tem propriedades medicinais. Mas sua bebida preferida era suco de uvas-passas, que ele aprendeu a preparar quando morava no Sudão. Osama colocava as uvas numa vasilha grande, cobria com água e deixava descansar durante a noite. As uvas se misturavam no líquido, liberando um suco que ele tomava durante o dia seguinte. Bin Laden proibia os filhos de beber refrigerantes (que eles tomavam escondidos do pai) e não suportava bebidas geladas. Se alguém lhe servisse algo frio, ele deixava de lado até esquentar.
Prova de resistência
Desde muito jovem, Osama gostava de fazer longas caminhadas nos desertos da Arábia Saudita e subir montanhas. Algumas vezes, ele dirigia durante horas até encontrar um lugar perfeito para descansar. Quando virou pai, criou o hábito de levar os filhos nesses passeios – mesmo que eles ainda fossem bem pequenos. “Nós não podíamos beber água até voltarmos da caminhada. Não devíamos nem sequer pensar em água”, conta Omar. Bin Laden queria ensinar os filhos a suportar o calor. “Ele sempre nos alertava de que devíamos estar preparados para fazer uma campanha no deserto quando o infiel Ocidente atacasse o mundo islâmico.” Em determinado momento, durante a estada dos Bin Laden no Sudão, Osama acreditou que até as mulheres e os bebês deveriam receber esse tipo de treinamento. Então ele organizou para que toda a família fosse passar uma noite no deserto. Todos tiveram de dormir em buracos cavados no chão, se cobrindo com folhas e terra. E sem dar um pio de reclamação.
A separação
Ao todo, Osama teve 6 mulheres e 20 filhos. Três esposas ainda viviam com ele. Najwa e 4 filhos, entre eles Omar, fugiram do Afeganistão logo antes dos ataques americanos ao país, em 2001. Najwa voltou para a casa dos pais, na Síria. Omar foi à Arábia Saudita e entrou para os negócios da família Bin Laden – que é dona da maior construtora do mundo islâmico. Hoje, vive no Catar e tenta obter um visto para morar na Inglaterra. Em uma entrevista, disse que não tinha medo de sofrer represálias do pai por causa do livro. “Eu posso enfrentar reprimendas, porque no mundo muçulmano não se deve falar contra o pai. Mas Osama nunca me machucaria.”
Carros, eletrodomésticos e remédios
Osama queria viver com a maior simplicidade possível, seguindo os ensinamentos deixados pelo profeta Maomé. Por isso, a família não podia ligar o ar-condicionado de casa, ou sequer usar a geladeira. As únicas regalias permitidas eram o fogão a gás e a lâmpada elétrica. Os surtos de Osama contra o luxo fizeram com que ele proibisse alguns dos filhos, que tinham asma, de usar medicamentos. “Ele dizia para quebrarmos um favo de mel e respirar através dele. Não adiantava muito. Mas nosso pai não se compadecia”, conta Omar. Assim, todos sofriam com as crises asmáticas e frequentemente iam parar no hospital.
As crianças também não podiam brincar com brinquedos – Osama dava cabras aos filhos para que eles pudessem brincar. Enquanto a família sofria com as restrições, Osama esbanjava dinheiro comprando carros esportivos. Sua paixão começou quando ele tinha apenas 9 anos e pediu um automóvel de presente ao pai (o empresário Muhammed Awad bin Laden). Por incrível que pareça, ganhou – e dirigiu com a supervisão de um adulto até se tornar maior de idade. Mas foi o suficiente para transformá-lo num aficionado, que trocava de carro toda vez que saía um modelo novo. Quando Omar nasceu, Osama tinha uma Mercedes dourada. “Para mim, era como se fosse uma carruagem de ouro”, lembra o filho.
Para saber mais
Growing Up Bin Laden
Jean Sasson, Omar bin Laden e Najwa bin Laden St. Martin’s Press, 2009.