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A visita de Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre ao Brasil, em 1960

O casal de filósofos passou dois meses no país, a convite do escritor Jorge Amado. Veja o que os franceses abordaram em suas palestras – que foram assistidas até por FHC.

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 11 out 2022, 16h31 - Publicado em 11 out 2022, 16h00

1960 foi um ano agitado. A França outorgou a independência de diversas colônias africanas que estavam sob seu controle, mas ainda lutava para manter a soberania na Argélia – o que resultou em conflitos no país que só terminariam em 1962. Ao mesmo tempo, a Guerra do Vietnã se desenrolava do outro lado do mundo, fazendo a população questionar o modelo imperialista americano. A corrida espacial alimentada pela Guerra Fria também estava a todo vapor, enquanto a Revolução Cubana havia acabado de terminar, em 1959.

Foi nesse contexto que o escritor Jorge Amado convidou Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre para visitar o Brasil. Os três haviam se conhecido em encontros do Partido Comunista e – apesar de nunca terem pisado no país – os franceses acharam que a visita seria oportuna dado o contexto político-social mundial e efervescência da esquerda brasileira. Eles atracaram em Recife no dia 12 de agosto de 1960.

Nessa época, Beauvoir já havia publicado a bíblia do feminismo – “O Segundo Sexo”. Já Sartre era famoso por suas obras filosóficas existencialistas, como “A Náusea” e “O Existencialismo é um Humanismo”. Em resumo: eles já eram tratados como celebridades pela imprensa brasileira. Os paparazzi fizeram questão de registrar cada passeio (e gafe) que o casal fez durante sua passagem por Recife, Salvador, Manaus, Rio de Janeiro, São Paulo, entre outras cidades.

Um dos episódios mais famosos aconteceu quando Simone de Beauvoir tomou água de coco pela primeira vez, e disse: “como fazem para colocar a água aqui dentro?” Já Sartre aproveitou a viagem ao nordeste para conhecer rituais de Candomblé. No Rio de Janeiro, foram fotografados caminhando por Copacabana, e conversaram sobre o futuro do Brasil com o presidente Juscelino Kubitschek em Brasília.

Retrato de Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre.
(Getty Images/Getty Images)
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Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir conversando com Juscelino Kubitschek.
(Acervo Agência Nacional/Reprodução)

Mas o casal não estava aqui à turismo. Sartre foi convidado para participar do 1º Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária em Recife, e Beauvoir veio acompanhá-lo. Apesar de viverem um relacionamento amoroso desde 1929, os dois não eram casados – como é atestado no certificado de imigração temporária ao Brasil. Outra característica pouco comum na época era o fato de o relacionamento ser aberto: os dois se relacionavam entre si, mas também podiam se relacionar com outras pessoas.

Certificados de imigração para o Brasil de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir.
(Acervo Agência Nacional/Montagem sobre reprodução)
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Palestras pelo país

Não demorou para que o casal começasse a palestrar em outras cidades também. Uma das aulas mais famosas aconteceu em Araraquara, interior de São Paulo. A cidade com 80 mil habitantes na época havia acabado de inaugurar a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que hoje faz parte da Unesp. Uma kombi enviada pela faculdade levou Sartre, Beauvoir e Jorge Amado ao interior. Lá, os três ficaram hospedados em uma fazenda da família Mesquita, donos do jornal O Estado de S. Paulo.

No dia 4 de setembro, Sartre palestrou sobre filosofia para uma plateia de 100 pessoas, composta principalmente por estudantes e professores – entre eles, ninguém menos que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e sua esposa Ruth Cardoso.

Na capital paulista, a visita do casal também fez barulho. Impactados pelas palestras, estudantes da USP fizeram um abaixo-assinado para que a Universidade de São Paulo convidasse Sartre ficasse mais tempo no Brasil e ministrasse um curso. A ideia, no entanto, não foi para frente.

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Além de abordar filosofia nas palestras, o casal também advogou a favor da independência da Argélia, que estava em conflito com seu país natal. Outro tema abordado foi a desigualdade social e precarização das condições de trabalho no Brasil – que chocaram o casal durante a visita a cidades no interior da Bahia, como Itabuna, Ilhéus, Feira de Santana e Cachoeira.

Sartre não foi o único a ministrar palestras. Beauvoir discursou sobre feminismo para uma plateia lotada na Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro. O público era majoritariamente feminino. 

Beauvoir e Sartre também foram alguns dos primeiros intelectuais estrangeiros a conhecer Brasília, que havia sido inaugurada como capital do Brasil três meses antes. Eles viajaram em um carro oferecido por Oscar Niemeyer, principal arquiteto por trás do planejamento da cidade. Beauvoir descreveu a cidade como uma “maquete”: com prédios e obras bonitas, mas sem vida alguma. Segundo ela, a cidade era preenchida por uma “elegante monotonia”.

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Ambos deixaram o país no início de novembro. Além das manchetes e notícias em jornais, Beauvoir e Sartre deixaram no Brasil um pouco das suas ideias, por meio dos amigos e alunos que tiveram durante a viagem.

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