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Por que os dragões são tão reverenciados na China?

Só no maior salão do Palácio Proibido, em Pequim, há 12 654 figuras de dragões.

Por Douglas Portari
Atualizado em 17 jan 2018, 19h18 - Publicado em 30 set 2006, 22h00

A rica mitologia chinesa diz que os dragões podem ser grandes como o universo ou pequenos como um bicho-da-seda. É uma expressão que encontra eco até nos dias atuais, quando é possível vê-los em minúsculos chaveiros ou em muralhas de 200 toneladas. Na China, o dragão, ou lung, é depositário de todas as qualidades que almejamos: sabedoria, coragem, nobreza, força, beleza… Esse animal mítico é considerado um ancestral comum, uma entidade do próprio caráter do povo chinês. Um símbolo de boa fortuna onipresente, com totens espalhados por todo o país.

Não dá para precisar quando o mito do dragão surgiu na China. Estima-se que tenha sido há 8 mil anos. Sua mais antiga representação foi descoberta em 1987, na província de Henan, ao sul de Pequim. Era um dragão feito de conchas enterrado na mesma sepultura de um homem da cultura Yangshao, de cerca de 6 mil anos. Outra escavação, na Mongólia Interior, ao norte da capital do país, encontrou um dragão de jade de mais de 5 mil anos. Seu corpo, enrolado como a de uma cobra, tinha a cabeça parecida com a de um porco.

Esse amálgama de animais deu aos pesquisadores um terreno fértil para hipóteses sobre a formação do ícone do dragão. A mais aceita credita sua gênese ao poderoso clã Huaxia, que após sucessivas guerras unificou tribos e teve grande influência na formação do povo chinês. Os Huaxia viveram há 5 mil anos ao longo do Rio Amarelo, que corta o norte do país do centro até o Mar de Bohai, no leste. Seu totem era uma cobra. A cada vitória sobre os oponentes, os Huaxia acrescentavam uma parte do totem vencido ao seu próprio animal.

Atualmente, mesmo com pequenas discrepâncias, a configuração mais comum mostra o dragão chinês com o corpo de cobra e escamas de carpa, olhos de coelho, orelhas de touro, chifres de cervo, patas de tigre e garras de águia, além de partes de outros animais, podendo sua cabeça ser de cavalo e até de camelo. Apesar da fauna rica e variável de seu corpo, uma coisa permaneceu intacta ao longo dos séculos: seu caráter benevolente. O dragão chinês sempre foi sinal de boa fortuna, de riqueza espiritual e material.

Sem a carga moral do judaísmo e do cristianismo e acostumados a idolatrar animais, os chineses alçaram o dragão a um posto especial de adoração. Ele personifica a própria natureza. Com poderes sobre os quatro elementos, mas especialmente sobre a água, ele seria o responsável pelas chuvas. Até hoje agricultores fazem oferendas em pequenos templos, os pagodes, pedindo tempo bom e colheita farta. Como toda divindade, no entanto, o dragão também é vaidoso. Vingativo até.

Desastres naturais são creditados a eles como punição a ofensas cometidas pelos seres humanos. Sua bondade, no entanto, é indiscutível, e essa é a principal característica que o diferencia dos dragões ocidentais, quase sempre malévolos. No mais, eles são semelhantes, observando-se pequenas sutilezas. O dragão chinês também cospe fogo, mas possui apenas uma cabeça. Vive nos mares e rios ou nas montanhas e nuvens e voa sem asas. Pode mudar de cor e desaparecer, transmutar-se em outros animais e até pessoas.

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As pupilas do dragão

O dragão chinês influenciou toda a mitologia asiática. Sua boa fama fez com que, a partir da Dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C.), os próprios imperadores alinhassem-se a eles, como herdeiros. Conseqüentemente, todo o povo chinês passou a se dizer “descendente do dragão”. Para diferenciar o dragão “real” do comum, o primeiro possuía cinco garras em cada pata, contra apenas quatro do outro. Somente imagens de dragões de quatro garras podiam ser usadas por pessoas comuns, sob pena de morte.

Fosse o dragão imperial ou o “plebeu”, ele começou a figurar com mais freqüência em poesias, pinturas, músicas, arquitetura e lendas. Muitas lendas. Uma das mais conhecidas dá conta de um famoso pintor que havia feito quatro dragões nas paredes de um templo – todos sem pupilas em seus olhos. Ao notar o detalhe, um dos responsáveis pelo templo perguntou o motivo. O artista respondeu que não podia pintar as pupilas, pois, se assim fizesse, os dragões criariam vida. O homem não acreditou e exigiu que ele terminasse a obra.

O pintor obedeceu. Mal havia terminado de imprimir os dois pontos negros no primeiro animal, um raio caiu e, junto com o estrondo do trovão, o dragão criou vida e saiu voando. Os outros três, sem pupilas, permaneceram no muro. A partir de então, a expressão “colocar as pupilas no dragão” passou a significar o toque final de algo importante ou chegar ao ponto da questão. Lendas e tradições como essa vêm sendo passadas de geração a geração há milhares de anos, até os dias de hoje. E atravessam não apenas o tempo, mas fronteiras.

Há dez anos, o mestre Li Wing Kay, presidente da Federação Pan-Americana Kuoshu (artes marciais), faz no Brasil a Dança do Dragão. No ano passado, dois dragões foram doados à associação pelo governo chinês – e só tiveram suas pupilas pintadas aqui em uma cerimônia especial. “Pintar os olhos é dar espírito a eles”, diz Li. Com 57 anos, 37 deles no Brasil, o mestre de Hong Kong faz cerca de 12 apresentações por ano. A mais conhecida é a do Ano Novo Chinês (entre o fim de janeiro e início de fevereiro), para espantar os maus espíritos.

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Incontáveis

Para ver dragões na China, não é preciso esperar as festas. No centro da Antiga Pequim, onde fica a Cidade Proibida, há 800 edifícios. Todos com mais de 500 anos e tombados como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. No Taihe Hall, o maior salão do Palácio Proibido, foram contados 12 654 dragões – entre pintados, entalhados etc. Por toda a Cidade Proibida há dragões em pilastras, portas, tetos, chão, tronos, mobília e tecidos. Estima-se que haja centenas de milhares deles.

E no Beihai Park, também em Pequim, fica uma das mais impressionantes peças da cidade antiga: a Muralha dos Nove Dragões. Com mais de 200 toneladas, o muro foi construído em 1756 e possui nove grandes dragões flutuando em nuvens. O número faz menção à lenda dos nove filhos do dragão, cada um com temperamento, aparência e atribuições diferentes dos outros. Para o mestre Li Wing Kay, a presença dos dragões no imaginário popular chinês é parecido com o dos santos no Brasil. “Aqui existe um santo para cada causa. Com os dragões é a mesma coisa.”

Sob o signo do dragão

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Gestantes até antecipam o parto por causa do horóscopo

Uma das tradições chinesas mais conhecidas no Ocidente é seu horóscopo. Nele, o dragão também tem uma posição diferenciada. Dos 12 signos, ele é o único animal mítico. Cada ano é regido por um signo. O último ano do dragão foi 2000 e o próximo será em 2012. Cada signo ainda é caracterizado por um elemento: fogo, terra, metal, água e madeira. O último ano do dragão de fogo, por exemplo, foi 1976. Além disso, o dragão possui 117 escamas, 81 yang (masculina) e 36 yin (feminina). Isso delimita o caráter do nascido sob o ano do dragão: decidido, perfeccionista, líder, extrovertido, inteligente. Mas também pouco tolerante, ambicioso e manipulador. As características positivas fazem com que seja um dos signos prediletos. Na China, há quem faça planos para ter filhos nascidos em ano regido por ele. “Há mulheres que antecipam o parto, fazem cesáreas para ter os filhos ainda dentro do ano do dragão”, diz a professora chinesa Liang Lin.

Para saber mais

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LIVRO

The Book of the Dragon, H. Gustavo Ciruelo Cabral, Sterling, 2005

Descreve as principais características dessas fantásticas criaturas.

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