Alberto Santos-Dumont
Aliando ciência e intuição, ele demonstrou ao mundo que voar de forma controlada era possível. Primeiro com balões, depois com aviões
No início do século 20, ele era possivelmente o homem mais famoso do mundo. Espalhafatoso em seus inventos, conceituado nos mais diversos círculos sociais, Santos-Dumont era uma unanimidade global. Certamente o primeiro engenheiro pop star. Mas foi nos céus, e não no chão, que se viu sua influência mais duradoura.
Nascido em berço de ouro, em 1873, filho de um rico produtor de café do interior paulista, foi em Paris que ele encontrou sua vocação. Mas, diferentemente do que se possa pensar, o auge de sua carreira como inventor não foi com aviões, e sim com balões.
Seu grande objetivo inicial foi demonstrar que era possível conduzir um veículo mais leve que o ar para onde se quisesse. Até então, os balões só voavam, via de regra, ao sabor do vento.
Contrariando a sabedoria científica de seu tempo, entre 1898 e 1905, Santos-Dumont construiu e testou 11 dirigíveis. Seu maior sucesso foi em 1901, quando partiu de Saint Cloud, nos arredores de Paris, contornou a Torre Eiffel e retornou ao ponto de partida em menos de 30 minutos. O feito lhe assegurou o prêmio Deutsch de la Meurthe – e uma fama sem precedentes na história da engenharia.
EXPERIÊNCIA E INTUIÇÃO
O conhecimento de então dizia serem impossíveis muitas coisas que se mostraram práticas mais tarde graças a Santos-Dumont. Por exemplo, dizia-se que combinar um motor a explosão movido a gasolina com um balão de hidrogênio – gás altamente inflamável – era como encomendar uma catástrofe.
Pois o inventor brasileiro contrariou o bom senso – muitas vezes colocando sua vida em risco – e comprovou que era possível reunir as duas coisas para dar dirigibilidade aos balões.
Isso só foi possível porque ele deu mais atenção a seus experimentos e à intuição do que ao que diziam os chamados “especialistas”. Contudo, o futuro da navegação aérea não estava nos veículos mais leves que o ar, e sim nos aviões. Quando se apercebeu disso, o brasileiro não hesitou em recomeçar do zero.
Usando o mesmo método que lhe servira bem antes, Santos-Dumont conquistou para si, em 1906, o primeiro voo registrado da história da aviação, com o 14bis. Mas o sucesso não veio sem alguns tiros n¿água. O inventor deu passos em falso quando tentou, por exemplo, criar um híbrido entre avião e balão – com asas e invólucro de gás.
Apesar disso, sua mente frenética trabalhava tão depressa e absorvia tão rapidamente o conhecimento obtido com experimentos que ninguém conseguiu tomar-lhe a dianteira na Europa, a despeito de haver muitos competidores.
Depois de realizado o primeiro voo homologado, Santos-Dumont continuou trabalhando em novos projetos de avião e contribuiu sobremaneira para modernizar a invenção. Entre suas inovações estão a instalação do leme na parte traseira da aeronave, o uso de um trem de pouso com rodas e os precursores dos ailerons – pequenas asas auxiliares que ajudam a controlar o voo.
Onde a ciência não chegava, ele avançava intuitivamente. O inventor viu muito mais longe do que era possível com a tecnologia da época. Em seus escritos, ele antecipa a existência futura dos aeroportos e sugere que os aviões se tornariam máquinas gigantes, capazes de transportar centenas de pessoas e promover a união entre os povos. Ele também sabia que o avião seria instrumental na guerra, um dos motivos que, mais tarde, o levariam ao suicídio, no Brasil, em 1932.
Mas engana-se quem vê o brasileiro apenas como um gênio intuitivo. Um manuscrito dele, de 1902, descoberto recentemente, mostra que havia muita ciência por trás de seu trabalho. “O grau de informação científica que Santos-Dumont demonstra ter aqui mostra que ele não estava trabalhando só por intuição, tateando às cegas – ele sabia exatamente o que estava fazendo”, diz Henrique Lins de Barros, físico do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), no Rio de Janeiro, e especialista na vida e obra do inventor.
Talvez até por isso – aliar o domínio da ciência da época a lampejos criativos que iam além dela – Santos-Dumont mereça ser lembrado como o maior gênio inventivo da história da aviação..
QUEM INVENTOU O AVIÃO?
A disputa é tão antiga quanto a invenção. Foram ou não os irmãos Wright, de Dayton, nos Estados Unidos, os primeiros a voar?
Quem consulta os registros da Federação Aeronáutica Internacional constata que o primeiro voo registrado e reconhecido é o de Santos-Dumont, com o 14bis, em 1906. Contudo, a principal razão para isso é que os irmãos americanos trabalhavam em sigilo, com o objetivo de comercializar sua máquina a governos para fins militares.
Wilbur e Orville Wright realizaram seus primeiros voos em 17 de dezembro de 1903. Com uma abordagem de engenheiros, foram aperfeiçoando ano a ano o invento e, em 1905, chegaram a fazer um voo sustentado de 39 km. Para dar um termo de comparação, o maior voo do 14bis no ano seguinte seria de 220 m.
Um senão é que a máquina dos Wright usava uma catapulta para decolar. Isso faz com que alguns questionem a legitimidade do pioneirismo americano. De todo modo, embora tenham sido os primeiros, os irmãos sempre foram muito conservadores. Achavam que o avião jamais poderia ser muito melhor que aquilo.
Pela falta de visão, foram rapidamente superados por inventores mais arrojados – sobretudo na Europa, onde seus processos de patente atrapalharam menos a evolução do campo.
SEM COPYRIGHT
Santos-Dumont sempre colocou os planos de todos os seus inventos a quem quer que os quisesse reproduzir, como forma de estimular a aviação.